Em seu primeiro dia de trabalho, o rádio do carro do policial civil Leonel Radde tocava a música "Imagine", de John Lennon. A composição sonha com um mundo pacificado, unido e sem a influência de grandes instituições. "Nada mais bipolar", relembra. Desde 2012, ele é um dos policiais brasileiros que dedica-se, justamente, a imaginar resposta para uma pergunta: qual é o papel da polícia no Brasil?
As conclusões dividem policiais e especialistas em segurança pública. Quando cenas de violência policial na periferia ganham repercussão na mídia com estrangulamentos, torturas, assassinatos, mortes em confronto ou em operações — entre as mais recentes e chocantes, um policial pisando no pescoço de uma mulher negra de 51 anos em Parelheiros, zona sul da capital paulista, e um tiro contra as costas de um suspeito na zona leste de São Paulo — é comum surgirem propostas para uma profunda reforma no modelo policial brasileiro. Um termo encabeça a discussão: a desmilitarização.
Apesar de policial civil, Leonel — vegetariano, zen budista e antifascista e ex membro do grupo Policiais Antifascistas — sabe como é um treino militar na prática. Recluso com outros candidatos, passou por provas de força, "igual ao Tropa de Elite", com privação de sono e restrição de alimentos. "As pessoas de fora enxergam com uma seita, mas na verdade é uma seleção psicológica para o trabalho", diz.
Para ele, o treinamento pesado não é exatamente um problema e já foi preciso utilizá-lo para trocar tiros em operação. O que o perturba é como a cultura do militarismo estimula a polícia a ter reações desproporcionais, especialmente em nome de um combate ao tráfico de drogas e a populações vulneráveis. Internamente, Leonel acredita que o sistema impede que policiais sejam promovidos por mérito e bom trabalho, se manifestem politicamente e fiquem abaixo de uma "pseudo-ditadura" imposta por seus comandantes.
Tudo junto, é gerada uma cultura de violência, com mandos, desmandos e ressentimentos.