Escola do futuro

Para onde devemos olhar ao repensar o ensino no Brasil? Especialistas mostram que a resposta pode estar perto

Paula Rodrigues De Ecoa, em São Paulo

O ano é 1995. Sentado atrás de uma mesa da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, o educador sul-africano Seymour Papert está calado. Ao lado direito dele, Paulo Freire é quem fala. "Eu constato que a escola está péssima, mas não constato que a escola está desaparecendo e vá desaparecer", o tradutor repete em inglês frases como esta dita pelo brasileiro para Seymour. Entre traduções intermediadas, os dois educadores dialogam sobre qual seria o futuro da Escola.

Seymour diz a Freire que acredita que a Escola é ruim por si só. Dentre os motivos que o levam a pensar isso, está a visão de que instituições de ensino são espaços onde crianças estão segregadas do resto da sociedade e segregadas entre elas mesmas por causa da idade. Os problemas escolares, continua o educador sul-africano, não seriam apenas detalhes, mas fundamentais. Freire diz concordar, mas até certo ponto. "Há uma identidade entre nós até certo momento da caminhada", são as palavras que usa. "Depois de determinado momento, eu digo pra ele 'goodbye, vou me embora por aqui'", completa.

Para o brasileiro, a Escola não é ruim, mas está. E um dos maiores pecados que ela comete é não cumprir a missão à qual foi incumbida: assegurar a continuidade da busca por conhecimentos. Duas principais tarefas dela, então, seriam, ainda na visão de Freire, expor os saberes que já existem e estimular a procura e produção dos que ainda não são sabidos.

Paulo Freire, que morreu dois anos após esse registro captado pela TV PUC, dizia que uma de suas lutas era a de colocar a Escola "à altura do seu tempo" — não acabar com ela, mas modificá-la completamente para que, assim, pudesse seguir avançando não só metodologicamente, como também política e socialmente para transformá-la em um "novo ser tão atual quanto a tecnologia". Na ocasião, afirmou para Seymour que se um dia fosse chamado de ingênuo por acreditar nessa mudança estrutural escolar no futuro, responderia acusação com "thank you very much" (muito obrigado, em inglês).

Escola e família têm de se reinventar

Apesar da conversa entre os dois educadores ter ocorrido 25 anos atrás, imaginar como será a escola no futuro ainda é um exercício praticado por profissionais da educação. Em artigo publicado recentemente, Helena Singer pós-doutora em Educação, reflete sobre a necessidade de recriar a Escola no pós-pandemia, fugindo do modelo tido como tradicional com salas de aulas, anos letivos, provas e conhecimentos fragmentados — que tem parte importante na manutenção desse mundo desigual, como ela define.

"Precisamos reconhecer todas as questões sociais, ambientais e, inclusive, éticas que nos trouxeram até aqui nesta pandemia. A escola precisa estar a serviço da construção de um outro modo de vida," afirma a especialista em entrevista a Ecoa. A sugestão da educadora é aproveitar os caminhos que a educação no Brasil precisou tomar com a chegada da Covid-19 em março.

Com a suspensão das aulas presenciais, tanto a escola quanto a família dos estudantes precisaram se reinventar para dar conta da nova demanda que o momento pedia. De certa forma, estreitou-se a relação entre pais com o processo de aprendizagem dos filhos e "aconteceu ainda o reconhecimento, por parte das equipes escolares, da situação de vida das famílias de seus estudantes, obrigando os professores a desenvolver estratégias diversificadas para manter o contato com seus estudantes", como analisa a educadora.

O currículo, na visão dela, seria, então, o mais evidente dos eixos estruturantes da Escola que precisariam ser modificados, mas outro ponto, talvez tão relevante, seja a escola se colocar como um agente socioambiental no contexto em que ela está inserida.

"E isso incide em transformar o modo de construir, a proposta pedagógica. Ela não deve ser feita a partir de um currículo pronto, mas sim de uma problematização em relação ao contexto que a escola está e o papel em que ela, como instituição socializadora das novas gerações, deve desempenhar naquele contexto", diz Helena Singer, pós-doutora em Educação.

Entre escolas federais, municipais estaduais e particulares, o Brasil possui 222.936 instituições de ensino, segundo o Catálogo de Escolas, lançado em 2019 pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). No geral, mais de 50 milhões de pessoas, contando estudantes e profissionais, compõem esse cenário educacional do Brasil.

A diversidade de pessoas que esses números representam não seria contemplada em sala de aula sem pensar em uma educação no plural. "O tamanho continental do Brasil torna impossível termos uma única maneira de fazermos educação," diz a pedagoga Eda Luiz, ex-diretora do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) Campo Limpo.

"O possível e necessário é que tenhamos garantido o direito à educação pública para todas e todos", completa a pedagoga afirmando que alguns caminhos podem ser traçados de forma universal por todo o país. Seriam eles: ter como prioridade as políticas públicas para utilização dos recursos ligados à educação, promover uma escola pública de qualidade, acolhedora, inclusiva, que seja parceira da comunidade na qual está inserida e que deva respeitar a todas e todos profissionais da educação e estudantes não importando a idade ou modalidade.

Como a gente reorganiza a escola para que ela seja esse centro de inclusão é a tarefa da reconstrução da escola agora

Helena Singer, pós-doutora em Educação

Pilares da escola do século 21

Em 2005, Márcia Marques de Morais, professora do curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), estruturou quatro pilares para a Educação ao escrever "A Sala de Aula no Contexto da Educação do Século 21", a convite do MEC (Ministério da Educação) e do INEP. O conteúdo era baseado em exercício da UNESCO de 1998 que imaginava os principais eixos educacionais da Escola.

Na visão da educadora, seriam eles: aprender a aprender, aprender a ser, aprender a conviver e aprender a fazer. O primeiro deles seria o alicerce de toda a Educação.

"Aprender a aprender envolve saber que o saber do Outro precisa se entretecer ao meu, que o Outro também ensina, considerando que, nesse sentido, não há hierarquias entre saberes mais prestigiados ou menos prestigiados socialmente", explica Márcia.

Naquele mesmo dia em que sentou para conversar com Seymour Papert na PUC-SP, Paulo Freire discorreu sobre o aprender, refletindo sobre como aprender foi uma das primeiras coisas que os seres humanos fizeram na Terra. Começaram a fazer muito antes de conseguirem nomear o que estavam fazendo. Estavam apenas sabendo, como afirma Freire. E define: "aprendemos antes de ensinar".

Estudante como protagonista

Aprender a aprender como o alicerce da escola do século 21, citado pela professora, serve de oposição à realidade observada nas escolas por Freire: a de que a relação entre educador e educandos se dá de forma "bancária", em que ao aluno só resta ouvir o que o professor tem a dizer, exercendo o papel de meros repositórios de conteúdos depositados pelos professores. No aprender a aprender, sejam estudantes ou docentes, todos são sujeitos de aprendizagem.

E, nesse sentido, o aluno ou aluna também passa a ter um novo papel dentro de sala de aula. Vira, então, protagonista do próprio processo de aprendizagem. "Precisamos inverter os papéis. Não que o professor não seja protagonista também do seu fazer, mas falo no sentido de que a escola desenvolva estratégias e metodologias necessárias para que os estudantes efetivamente aprendam os valores que a gente precisa que sejam desenvolvidos para uma sociedade democrática, inclusiva e solidária," diz Helena Singer.

Para isso acontecer, a criança precisa ser colocada em situações de tomada de decisão e de responsabilidade por suas escolhas, mas de forma gradual, conforme seu amadurecimento, como opina a educadora.

E qual seria, então, o papel do professor nesse cenário?

O papel de orientar, conduzir, apontar caminhos, mas sempre discutindo e refletindo sobre desvios e atalhos propostos pelos verdadeiros protagonistas do processo: os estudantes. Acentuo a formação dessa palavra e seu sufixo porque são os que vivem a situação do estudo, os que estão em processo de aprender. Não é justo que, sem que experimentem seus próprios caminhos, lhes seja impingido um produto pronto, informado e formatado por aquele a que se chama professor. Aliás, tais produtos já estão prontos a serem acessados num só clique no Google.

Márcia Marques de Morais, professora de Letras/Literatura da PUC Minas e doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP

Saberes originários no centro

"Os jovens que vem para escola já vem com os próprios conhecimentos. A escola sempre estimula o diálogo dos estudantes com os mais velhos da aldeia, com os pais, os avós, justamente para fazer a manutenção e fortalecimento desses conhecimentos, que eu vejo como uma forma de fortalecer a nossa identidade própria," diz André Baniwa, uma das principais lideranças do povo Baniwa no Amazonas.

Desde o início dos anos 2000, a Escola Baniwa e Coripaco Pamáali vem mostrando que é possível juntar todo o conhecimento formal comprovado pela ciência, com os saberes ancestrais indígenas, em um ambiente que tem alunos e alunas como protagonistas de seu aprendizado.

A ideia de que todos são capazes de produzir saberes estende-se também para fora da sala de aula. A comunidade, mais do que apresentar o contexto social, político e econômico no qual o estudante está inserido, pode também oferecer respostas, caminhos e saberes para sua formação.

No Alto do Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), a escola promove um aprendizado intercultural, que em 2016 recebeu do Ministério da Educação (MEC) certificado de reconhecimento como instituição de referência para Inovação e criatividade na educação básica.

Lá, existe o estímulo para que jovens pesquisem saberes tradicionais e fortaleça a transmissão da cultura, passa de geração para geração. A escola passa ser uma ferramenta para compartilhar esses conhecimentos e, para isso, é pensada em horário integral. "É escola de vivência mesmo", define André. Faz isso expondo as crianças e adolescentes a aulas que mesclam os saberes Baniwa a conteúdos sistematizados no currículo escolar formal.

Os conhecimentos ocidentais de uma escola não-indígena — o tido "currículo formal" — também estão presentes, mesclados aos saberes Baniwa. Preparam, assim, estudantes que queiram ficar com seu povo e quem pretende estudar fora.

No caso da Escola Baniwa, o ensino é feito com olhar mais atento à comunidade ao seu redor. Os alunos, quando estão em seus territórios e em recesso escolar, costumam ter como atividade a observação do meio em que vivem. Tanto para detectar problemas geralmente ligados ao lado socioambiental, quanto para achar soluções juntos aos mais velhos, referências de seus povos.

E, assim, voltamos aos pilares seguintes propostos pela professora Márcia, tão presentes no modelo Baniwa: aprender a ser e aprender a conviver. No primeiro caso, a Escola funciona para preparar os estudantes individualmente a serem pessoas mais críticas, mas também a se entenderem como pessoas.

Já no segundo caso, o aprender a conviver fala da relação do estudante com outros estudantes. "É por isso que hoje tanto se preza o trabalho em equipe, o trabalho em grupo, a partilha de tarefas, no sentido de mimetizar mesmo o papel a ser desempenhado pelo sujeito na sociedade, cuidando, é óbvio, para que não se institua o parasitismo, os sanguessugas, o encosto, a exploração", cita Márcia

Há outras formas de fazer

Enquanto costuma ser natural tentar identificar tendências para forjar o futuro, tem quem faça a trilha inversa. Os caminhos educacionais seguidos por muitos educadores no Brasil que têm pensado em um novo jeito de se vivenciar a Escola têm sido baseados justamente em respostas dadas no passado. Protagonismo dos alunos, maior participação de familiares e da comunidade no processo de aprendizagem, a descolonização do currículo, a tentativa de convívio harmonioso entre as diversidades em sala de aula. Nada disso é novidade.

"Na pedagogia temos diversas tendências, têm as tendências pedagógicas mais conservadoras em que você fica parada sentada em uma sala de aula só ouvindo enquanto o professor vai depositar conteúdo e você vai repetir e memorizar aquilo. Acredita-se que parada ali por cinco, seis ou oito horas você vai aprender algo. E isso não é bem verdade. Na verdade, você corre o risco de desaprender muita coisa, inclusive de como é que se aprende", fala a educadora Lilian Pacheco.

Com intuito de dar uma formação para professores de todo o Brasil e mostrar que é possível encontrar um ensino que não seja baseado em um aluno sentado por horas apenas ouvindo o professor falar, ela estruturou a Pedagogia Griô em Lençóis, na Chapada Diamantina (BA).

E chegamos ao quarto e último pilar para a educação do amanhã apresentado por Márcia: o aprender a fazer, que diz respeito a outros olhares para a prática escolar.

Fugir do modelo tradicional de sala de aula, preferindo a disposição do grupo em uma roda era um dos modelos de aprendizagem usados por Paulo Freire. Batizado de "círculo de cultura", o método reunia cerca de 20 pessoas em uma roda com o objetivo de horizontalizar a relação entre professores e estudantes.

No caso de Freire, o ponto chave era a palavra, o diálogo. Para Lilian, na Pedagogia Griô também, mas não só. Quando docentes estão na formação, a roda serve como palco para múltiplas expressões, tanto oral quanto corporal.

"Existe um mundo emocional acontecendo também. E ele elabora conhecimento. Assim como existe um inconsciente elaborando conhecimento. Ou seja, você não faz só mais uma roda e fala, como na educação freiriana. Você faz uma roda, dança, canta, se movimenta, sonha, imagina. Enfim, a gente trabalha com todos os potenciais humanos na aula", diz a educadora.

Lilian conta um exemplo de como a roda pode ser usada na hora do aprendizado. A experiência começa de forma simples: um tema é definido e uma pessoa — um griô, que tem o domínio da oralidade — começa contando uma história de vida que tenha a ver com o assunto em pauta.

Em seguida, os participantes da roda começam a se movimentar em sintonia com uma música que toca ao fundo. Lilian relata que a partir disso cada um escolhe outro participante da roda para conversar sobre o tema determinado. Existem regras: olho no olho e escuta atenta. Essa parte costuma durar até 3 minutos. A atividade segue em trios ou quartetos. O intuito é aprender com o outro e partilhar o seu próprio saber de forma democrática com pessoas diversas, com perfil de gênero, raça, etnia e idade diferente do seu.

"Dissociar o que você sente do que você pensa é uma intenção pedagógica, isso é bom para um processo civilizatório que está em curso. E tem dado certo. Agora, dá certo para que e quem? Ele está a serviço de que ou de quem? Na pedagogia griô também é assim, cada movimento do processo, o jeito que a gente fala, a roda... ", explica Lilian.

Tudo ali tem uma intenção pedagógica e política a favor do projeto civilizatório que a gente quer construir, que não quebra a pessoa no meio, mas que a ajuda a se costurar, a se reconectar, a se descobrir e descobrir o outro, porque conhecimento se elabora no coletivo.

Lilian Pacheco, educadora e criadora da Pedagogia Griô

E qual o papel da Escola no futuro?

Esses são só alguns dos vários jeitos de transformar a escola. E apesar dos modelos pedagógicos serem incontáveis e diversos, para os especialistas ouvidos por Ecoa, o papel da Escola sempre deve ser o mesmo, independente de modelo adotado por profissionais da Educação.

"O papel da Escola não muda. Continua sendo o de socialização das novas gerações nos valores, conhecimentos, e nos hábitos da sociedade, o que de fato ela não tem cumprido quando pensamos que os valores da sociedade deveriam ser democracia, solidariedade e bem comum. A Escola tem que ser uma instituição que pratica esses valores", diz Helena Singer.

Ciclo de Educação

A educação é um dos pilares de qualquer sociedade civilizada. Por meio dela, quando aplicada com sucesso, muitos problemas estruturais podem ser solucionados. Para Ecoa, esse sucesso se dá quando o sistema forma cidadãs e cidadãos críticos, com conhecimento amplo e sólido em variadas áreas, valorizando um perfil humanista, em contato com a diversidade, e que coloque o aluno como protagonista de sua jornada de aprendizado.

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