O Prof. Dr. Idevaldo Bodião, professor da Universidade Federal do Ceará entre 1992 e 2012 e especialista em anos iniciais do ensino fundamental também pondera sobre o impacto do mecanismo em cidades menores, justamente a partir do modelo de financiamento.
"Este modelo de distribuição do ICMS deu bastante resultado no Ceará, mas não acho que ele seja replicável. O Ceará tem 184 cidades, das quais, cerca de 10% tem atividade econômica com parques industriais instaladas, como Eusébio, Horizonte, Juazeiro do Norte, Fortaleza e Sobral, as outras cidades, não têm atividade produtiva. Não arrecadam. Então eu tenho grandes dúvidas se isso impactaria em Santa Catarina, por exemplo, em que você tem uma economia grande, em cidades médias, que arrecadam mais ou menos parecido", comenta.
"É precisamente porque as cidades menores não arrecadam que o modelo depende tão intensamente do governo estadual. As prefeituras não têm dinheiro para produzir obras, escolas, melhorar praças, construir asfaltos. Há uma submissão dos governos municipais ao governo estadual. E isso ajudou a municipalização das escolas", ressalta o especialista. A partir disso, o pesquisador questiona a autonomia dos professores e coordenadores pedagógicos ao elaborar conteúdos a partir do currículo comum à rede de ensino que se adequem às diferentes realidades locais de um estado extenso e com condições sociais e geográficas diversas como o Ceará. O pesquisador também chama a atenção para a ausência de participação de pais e da comunidade escolar no modelo proposto pelo Banco Mundial.
"Se a espinha dorsal do modelo é assessoria técnica oferecida pela Secretaria de Educação com os materiais didáticos e na responsabilização das escolas pelo desempenho nas avaliações a partir dessa assessoria, lá na ponta, onde está a descentralização do ensino?", pergunta.
O professor efetivo da Universidade Estadual do Ceará (UECE), no campus de Tauá, no interior do Ceará, Daniel de Azevedo Brito, destaca que é necessário utilizar os materiais pedagógicos e assessoria técnica fornecida pela Secretaria de Educação como um meio de ensino, não como um fim em si mesmo.
"O problema não está em uma escola adotar ou receber um material didático da prefeitura ou do Estado direcionado para avaliações externas como o IDEB ou SPAECE, o problema é utilizar somente esse material. Com certeza esse material traz conhecimentos importantes que é interessante que o aluno conheça, porque nessas avaliações externas, as perguntas são muito bem elaboradas e a forma como os problemas são enunciados é muito interessante para o aprendizado. Cabe ao professor passar e ao aluno conhecer. Agora, seria um erro direcionar as aulas só para isso e fechar os olhos para outros recursos didáticos. O mesmo a gente poderia dizer sobre os livros didáticos comuns, que as escolas recebem do Plano Nacional do Livro Didático. O professor que só dá aula em cima do livro didático, gera um problema para ele mesmo, porque cria uma dependência do material", defende.
O professor, que também é youtuber e tem um canal com dicas de conteúdo e métodos didáticos para auxiliar professores do ensino fundamental e médio, também coordena o programa de extensão universitária na UECE, que forma estudantes para se tornarem professores da rede pública de ensino. Com 12 anos de carreira nas salas de aula de escolas públicas, privadas e cursinhos, o professor destaca que a diversidade metodológica é a chave para uma boa aprendizagem.
"Se um dia o professor usar o livro, no outro usa o material da Secretaria, no outro, leva um filme, no outro, faz uma discussão ou uma dinâmica, entre outras possibilidades, há diversidade nas aulas. É a diversidade metodológica de ensino que vai conseguir fazer uma boa educação porque os alunos são diferentes um do outro. Se você usa só um material, que tem só uma linguagem, alguns alunos vão ter mais dificuldades. Se você amplia o leque de materiais em uso na sala de aula, você tem uma chance muito maior de abarcar outras formas de raciocínio dos estudantes. Os alunos não são robôs e eles também têm formas diferentes de aprender. Quando você amplia o leque de possibilidades, você aumenta a chance desse aluno apreender o conteúdo com mais facilidade", comenta.
Defensor do modelo cearense, Gabriel Corrêa, do Todos pela Educação é um pouco mais otimista. "Quando a gente fala de replicação de políticas boas de educação, que tiveram êxito, a gente tem que lembrar que tem que ser uma replicação com contextualização. Ou seja, não é simplesmente copiar e colar em outro contexto. É preciso adaptar, aprender com o contexto. Então, quando a gente fala em aprender com o Ceará, a questão da municipalização é o principal ponto a ser considerado. Essa multiplicação depende desse modelo e isso abre um desafio imenso para os estados".
Para ele, é fundamental que educação seja uma pauta da prefeitura e que atravesse governos. "É a partir daí [que é possível replicar]. Se há um compromisso político com a educação, os gestores vão buscar bons secretários e secretárias para a educação, alocar melhor os recursos, buscar e melhorar políticas que deram certo", finaliza.