Quando soube do fechamento das escolas, Mariana Soares, 38, teve medo de perder os laços com seus alunos. A professora de uma escola paulistana comprou "um chip de celular só para manter contato com as crianças": 26 alunos entre 7 e 8 anos.
Esse era o começo de uma adaptação às aulas remotas. "No começo apanhei muito", reconhece. Em abril, a Prefeitura de São Paulo disponibilizou uma plataforma e determinou que as atividades deveriam ser retomadas por meio do aplicativo. A ferramenta nova, as atividades enviadas à distância para crianças pequenas, as correções, a dificuldade para conseguir entrar em contato com os alunos, e ainda uma pandemia no país. "Tive muita ansiedade, insônia."
O relato de Mariana é o retrato de 37% dos professores paulistas, que declararam algum comprometimento à saúde mental no período em uma pesquisa feita pelo Instituto de Estudos Avançados da USP.
Trabalhando em uma escola próxima à comunidade de Paraisópolis, a educadora sabia que precisava ter um adulto próximo para que as crianças tivessem acesso ao celular. Deixou seu horário vespertino e passou a ministrar encontros por volta das 19h, "no horário que os pais estão em casa".
Durante o dia criava e enviava novas tarefas e fazia correções. "A mãe de um aluno me falou 'não estou dando conta', os professores enviavam muita atividade, todo dia, cada uma de um jeito. Ela não tinha preparo, e ainda por cima trabalha o dia inteiro", comenta.
Então, algo aconteceu. Mariana dividiu os problemas com uma colega, educadora da mesma série escolar. "Decidimos que era preciso uma linguagem que as crianças entendessem sozinhas. Ela, que é muito experiente, teve a ideia de um roteiro temático", explica. A partir de então, passaram a coordenar todas as atividades ao longo da semana em torno de um mesmo assunto, organizando atividades de diferentes disciplinas. "Esse trabalho conjunto foi inédito para mim, e eu dou aula há 15 anos. Foi um ganho muito grande compartilhar com uma colega a rotina."
O cronograma, criado em dupla, é publicado no WhatsApp da sala e na plataforma da prefeitura toda semana. Dos 26 alunos, oito têm acesso à plataforma "e agora já acessam sozinho, aprenderam como fazer e se viram. Dão um banho na gente". Outros sete fazem as atividades pelo WhatsApp, "tiram foto do caderno e me mandam. Às vezes mandam áudio porque não entenderam alguma coisa ou para contar coisas da vida", diz, entre risadas. "Viraram meus amigos."
Com as aulas remotas, as crianças continuaram a aprender, o conteúdo e também a usar a ferramenta ou escrever com ajuda de um teclado. A professora, no entanto, se preocupa. "É visível a diferença entre os alunos que têm acesso ao aplicativo e as [que estão] só no Whatsapp. As que entram na plataforma tiveram mais práticas de escrita, mais leitura."
Os outros 11 alunos que não acompanham as atividades são casos mais complicados, segundo Mariana, famílias com sérias dificuldades financeiras, sem emprego, às vezes sem celular. Sem acesso à internet, essas crianças ficaram sem ano letivo.
O panorama de acesso à educação mostra que os lares mais pobres foram os mais afetados neste ano. A pesquisa Pnad Covid, do IBGE, em domicílios com rendimento per capita de até meio salário mínimo, mostra que 21,5% dos estudantes não tiveram atividades escolares em agosto. Já entre os domicílios com rendimento de quatro ou mais salários mínimos por pessoa, o percentual foi de 7,9%.
"Vai ser preciso fazer um trabalho específico com eles. Eu não queria aula de reforço para não punir essa criança. Ela já não teve acesso, e ter aulas a mais é quase ter uma punição por não ter tido direito. Precisa de um trabalho específico dentro da sala de aula, diferente dos outros", opina.