Pensar na educação brasileira como modelo de excelência capaz de inspirar outras realidades pelo mundo demanda investimento em formação de professores e em gestão escolar, defendem os especialistas ouvidos nesta reportagem.
"Mesmo a experiência uruguaia, aqui na nossa vizinhança sul-americana, se preocupou menos com o desempenho em larga escala para focar em uma gestão estruturada — graças, em grande parte, ao reformador educacional Pedro Varela [1835-1879]", afirma o educador Daniel Cara sobre o fundador da escola pública no Uruguai.
Na avaliação de Cara, enquanto a educação pública brasileira for vista como "a educação do filho do outro" e "nunca a educação dos filhos dos donos do poder", dificilmente problemas estruturais do setor serão sanados. "Porque a educação dos filhos da elite não está representada na gestão pública. E, na medida em que o processo de elitização da educação brasileira a faz ser ainda tratada como privilégio, e não como direito, isso faz com que as elites não se importem com encaminhamentos da educação pública", analisa.
"Agora, mesmo com um governo oposto aos princípios do Frente Ampla [partido da esquerda uruguaia], a referência finlandesa continua sendo seguida pelos uruguaios, com uma gestão de educação feita por educadores e com um referencial na ciência pedagógica, sem deixar de trabalhar a tecnologia em profundidade. Resultado: durante a pandemia, eles conseguiram fazer um voo de cruzeiro", compara.
Por sinal, a crise sanitária da Covid-19 ajudou a mostrar, na avaliação de Cara, como os programas de educação em geral não foram priorizados, sobretudo na rede mais básica. "Muitos gestores já se acomodaram com o fato de que as escolas estão fechadas porque isso economiza dinheiro; mesmo na recém-terminada eleição municipal, o tema da educação não foi aprofundado e seguiu alheio à questão pedagógica", pontua.
O diretor de operações na América Latina na Finland University, Jarkko Wickström, reforça o educador brasileiro.
"Até conheço exceções no Brasil, mas me parece que a regra no país é que a resposta para a educação vem de cima e de políticos que nunca estudaram um único dia de pedagogia. Não são decisões tomadas a partir de 200 ou 300 anos de estudos pedagógicos, mas com foco em um projeto de três ou quatro anos de muito achismo", lamenta.
É possível mudar esse tipo de realidade do país? Para o finlandês, a saída é uma só: minar o processo de desvalorização do profissional professor.
"A profissão tem que ser melhor regulamentada, com mais exigências. Fizemos esse piloto nos anos 1970 e deu certo, assim como em Portugal, Chile, Coreia e Singapura. Levantar as exigências pela permissão de exercer esse cargo afeta diretamente os resultados de aprendizagem, e, junto com isso, aumenta o salário e melhora o posicionamento social dessa classe", explica.
Wickström defende também que é fundamental mudar uma cultura de nomeações políticas em todas as esferas da gestão educacional. "Em geral, educação não depende de política, fatos não mudam: o mecanismo de aprendizado não muda conforme a decisão dos políticos, esteja o aluno aprendendo Português ou Matemática".
Apostar em uma formação prática de professores, também a partir de como a profissão é regulada, é outro elemento que contribuiria ao cenário brasileiro — a exemplo das escolas de aplicação finlandesas onde são testadas, pelos alunos de pedagogia, novidades para a educação.
"Como é possível formar professores, que formam seres humanos, em cursos de ensino à distância? É como você formar um cirurgião de neurologia pelo computador, fornecer a ele um monte de informações e dizer: 'eis aqui o seu paciente, menor de idade, pronto para ser operado'. O que aquele médico estaria fazendo com a criança nós estamos fazendo com o futuro do país e de uma geração, se essa formação não mudar".
Ele conta que, na Finlândia, houve uma "decisão forte de todos os partidos" no pós-guerra em se apostar na educação a fim de que os horrores vividos não mais se repetissem.
O sistema de avaliação nas escolas brasileiras, ainda focado em avaliações bimestrais semestrais, com memorização, também revela objetivos diferentes entre os dois países, na avaliação do finlandês. "Cada aluno tem uma necessidade pedagógica diferente, e o professor precisa estar capacitado para isso. Mas é preciso haver a decisão de se melhorar o processo pedagógico, em vez de se criarem avaliações que de notas individuais e se criarem rankings de escolas. Acredito que é possível para o Brasil mudar a abordagem e construir esse relacionamento, que vai muito além da prática na sala de aula", sugere.