Você se transferiu para Altamira depois da construção de Belo Monte. O que levou a essa decisão?
Por muitos anos, Altamira era só um lugar de passagem, de descer do avião e imediatamente ir pra floresta, porque eu não me interessava pela cidade. Já acompanhava Belo Monte desde 2011. Foi aí que fui conhecendo a cidade, porque fui acompanhando famílias ribeirinhas que foram expulsas pela hidrelétrica pra periferia da cidade, pra uma casa que elas compravam ou alugavam com dinheiro de indenização, ou pros RUCs, os reassentamentos urbanos coletivos, que são os bairros padronizados que a Norte Energia construiu. Fui acompanhando o que eram pessoas da floresta serem arrancadas e jogadas na periferia da cidade, com os laços comunitários despedaçados.
Comecei a conhecer a cidade também pelo olhar dessas pessoas que estavam vivendo pela primeira vez na periferia de uma cidade, pela primeira vez tinham que pagar conta de luz, pagar por comida, por gás. Nada disso elas conheciam. Não tinham nem onde amarrar uma rede nessas casas, não sabiam onde estavam os vizinhos, e eram assaltadas — logo os RUCs viraram enclaves de violência por conta do crime organizado. Altamira virou a cidade mais violenta do Brasil, segundo o Atlas da Violência de 2017. É a mais violenta da Amazônia ainda hoje.
Mas quando decidi me mudar, foi por uma questão de coerência mesmo, porque eu, assim como outros, defendia e defendo que, num momento de emergência climática, a gente precisa deslocar os conceitos do que é centro e o que é periferia. Os centros são os enclaves da natureza, os oceanos, as florestas tropicais — a Amazônia é a maior de todas elas. Se a gente não entender que esses são os centros do nosso mundo hoje, a gente não vai conseguir enfrentar a emergência climática, a sexta extinção em massa de espécies.
Esse foi o sentido consciente da minha mudança para Altamira, com uma ideia de que o centro do mundo não é só uma questão geopolítica, mas de quem são aqueles que precisam liderar, que pensamento precisa liderar o enfrentamento da emergência climática. Certamente não é o pensamento ocidental, branco, de origem europeia, masculino, binário, patriarcal que nos trouxe até o abismo. A gente precisa aprender com os povos-natureza, que vivem na natureza, como natureza há milhares de anos sem destruí-la.
Morando na cidade eu entendi que, para entender a Amazônia, eu precisava entender a cidade amazônica. Porque elas são ruínas da floresta num sentido profundo — não só as árvores desmatadas, os não humanos assassinados, mas também os humanos convertidos em pobres e arrancados de tudo que sabiam de si. Pra atuar em defesa da Amazônia no sentido amplo, precisa entender a cidade e fazer política pública pras pessoas que foram desflorestadas.