A fragilidade do ser

Monja Coen reflete sobre o momento que vivemos, a importância do medo e dá ferramentas para enfrentar a crise

Diana Carvalho De Ecoa, em São Paulo Gabo Morales/Folhapress

"A nossa vida sempre esteve por um fio".

A frase de Monja Coen, 72, mostra que a pandemia do coronavírus pelo mundo nos fez resgatar o que há muito tempo havíamos esquecido: a fragilidade da vida humana.

Em meio à incerteza sobre o comportamento da doença e a nossa incapacidade, hoje, de projetar cenários futuros, a monja acredita que as nossas ações são essenciais para evitar o pior, para o mundo e para nós mesmos.

"Estar em casa é a oportunidade de voltar para dentro de você, um autoconhecimento que é libertador", diz.

Em entrevista a Ecoa, a líder budista fala como enfrentar os dias de quarentena e manter o equilíbrio da mente e a imunidade do corpo, além da importância de reconhecer o sentimento de medo e de angústia diante do momento atual.

Ecoa: Uma das medidas de prevenção ao coronavírus é ficar o máximo de tempo possível em casa. Como estamos lidando com isso?

Monja Coen: Nesse momento de pandemia do coronavírus, em que foi dito para as pessoas ficarem em casa, se recolherem para não espalhar ainda mais o vírus, muitos estão achando que falta tempo; outros, que sobra. Mas veja, o tempo é o mesmo. Nós somos o tempo. Não existe uma coisa separada de nós chamada tempo. Quando as pessoas dizem: "Ah, não tenho tempo para fazer nada. O tempo está curto!". Não é verdade. Nós que mudamos e estamos sobrecarregados. Hoje em dia, temos muito mais acesso à informação e queremos estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Não conseguimos e nem sabemos priorizar. Queremos responder a tudo e participar de tudo a toda hora.

Quem tem o privilégio de trabalhar em casa poderia encarar melhor esse momento?

Quem está trabalhando em casa, com o home office, possivelmente está sentindo mais dificuldade para se organizar. Por quê? Porque quem saía para trabalhar fora, provavelmente, não fazia todas as obrigações de casa, como cozinhar, limpar o banheiro, arrumar a cama. Então, para alguns, as tarefas aumentaram. Antes, você saia para trabalhar e deixava a cama desarrumada, deixava a roupa na lavanderia, comprava um lanche, comia e pronto. Não cozinhava, não tinha louça para lavar, panelas, pratos... De repente, você não pode mais fazer isso e tem que cumprir todas essas tarefas, além do trabalho. Sem contar a solicitação das redes sociais, dos amigos que querem conversar e, eventualmente, a presença das crianças, que cobram e tiram a concentração.

Mas, se você parar para pensar, isso tudo deveria ser mais fácil, mais leve.

Com a pandemia, muitas pessoas estão perdendo os seus empregos. Então, se você tem a oportunidade de exercer sua profissão dentro de casa, com segurança, faça isso valer. Aprecie esse momento e fique em casa.

Muitas famílias, em comunidades, mães solteiras, sempre fizeram isso. Trabalham dentro e fora de casa. Não contam com ninguém para ajudar com as crianças.

Monja Coen

Gabo Morales/Folhapress Gabo Morales/Folhapress

Como apreciar o "ficar em casa" quando passou a ser uma obrigação?

Isso não deve ser visto como uma obrigação. Isso de "faço o que eu quero, quando eu quero, se eu quero sair na rua, eu saio. Ninguém manda em mim" sempre foi e sempre será uma falsa sensação de liberdade. Todos nós temos direitos e deveres. Seguir a "quarentena" deve ser visto como uma atitude para o seu próprio bem. Você está fazendo um bem a si mesmo e a milhares de pessoas, evitando que o vírus se espalhe. Então, se o momento é para ficarmos em casa, torne isso agradável. Afinal, você está dentro da sua própria casa. No seu lar.

Eu tenho dito às pessoas: assista a bons programas de TV, leia um bom livro, faça chamadas de vídeo com seus amigos, pelo celular, pelo computador. Antes nós já fazíamos isso, até de uma forma deliberada. Chegávamos em casa, mal conversávamos com nossa família, e já ligávamos a TV, ficávamos no celular. Até em restaurantes, casais que dividiam a mesma mesa não dividiam o mesmo assunto, cada com seu celular na mão... Então por que, de repente, isso é tão chato? Porque ficar em casa, conversando com os amigos virtualmente, passou a ser tão chato, já que fazíamos isso o tempo todo?

Agora que esse "contato virtual" é realmente necessário, ele não é bom? Não faz sentido. Então, faça desse momento, aprendizado e crescimento. Veja isso como uma oportunidade de rever esses comportamentos quando, enfim, estivermos na companhia de quem amamos, sabendo valorizar cada segundo e definindo prioridades em nossas vidas.

O medo da morte e de perder familiares e amigos tende a ficar maior com o passar dos dias e o aumento no número de vítimas. Como podemos lidar com esse sentimento?

As pessoas estão morrendo, nós sabemos disso. Então temos que nos preparar para uma coisa muito maior e dolorosa. E não só pelo fato de ter medo de morrer, ou medo da morte, é porque dói ver as pessoas morrendo asfixiadas. É angustiante. Há um susto mesmo, há uma ansiedade e há medo. Não é errado, não é feio sentir medo. É natural da nossa espécie.

Se não houvesse medo, a gente não se cuidaria. Como a gente tem medo, a gente prefere ficar em casa, a gente coloca máscara, passa álcool em gel, lava sempre as mãos. Toma os cuidados necessários.

A situação é raríssima, não podemos agir como se estivesse tudo bem. Por outro lado, esse vírus só tornou mais visível uma coisa que sempre existiu: a nossa vida humana também é frágil, qualquer coisa pode destruí-la.

Monja Coen

Alberto Rocha/Folhapress Alberto Rocha/Folhapress

É possível evitar que essa sensação de fragilidade provoque pânico?

Uma frase de Buda já dizia, há 2.600 anos: "Não há nada seguro neste mundo." Não precisamos entrar em pânico, a vida sempre foi assim.

É uma falsa sensação essa de que temos o controle de tudo. Você pensa: "Ah, eu tenho um emprego que é seguro". Não é. Pode fechar amanhã. Eu tenho uma vida segura, sou saudável. Não é. Você pode sofrer um acidente, tomar um tiro. Parece trágico, mas a vida é assim.

A nossa vida está sempre por um fio.

Por isso a importância de apreciarmos cada segundo?

Claro. Tudo tem começo meio e fim. Isso vai terminar algum dia, mas por enquanto estamos passando por momentos de turbulência. E como passar por isso de uma maneira melhor? Fazendo a nossa parte. Nos cuidando, tirando alguns minutos do dia para ficar em silêncio, refletindo e respirando em profundidade. Não ficar apontando o dedo e nem julgando as pessoas. Cada um é cada um e está fazendo o que pode devido a sua condição humana.

A gente tem que perder essa mania de sempre querer achar um culpado para dizer: "Olha, se piorar, a culpa é dele". Não existe isso agora. Inspire coisas boas para você, para o seu coração. Veja a onda de solidariedade que se formou pelo Brasil, doações, confecções de máscaras caseiras. Inspire-se nisso. A gente percebeu essa onda de solidariedade, nas comunidades, principalmente.

Se preocupe em ajudar o outro. Geralmente, quem tem menos, é quem mais partilha. Agora não interessa de que partido político você é ou o que você pensa, nós temos uma necessidade: a vida. E a vida é maior do que isso. Temos que superar esse momento juntos. Unindo forças.

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Muita gente, nesses momentos, se apega à religião e suas crenças. Não é raro ver alguém falando: "Deus me protege" com relação ao coronavírus. Por que isso acontece?

Nós não somos protegidos, isso é óbvio. O que vai nos proteger são os cuidados de prevenção. Então, se alguém fala: "Vou sair, sou protegido por Deus". Essa proteção se manifesta da seguinte forma: coloque a máscara e lave bem as mãos.

Se você tem essa fé em Deus, é assim que ele vai te proteger. Não é Deus que vai nos salvar pelo milagre, não é o santinho que carregamos na carteira, nem o crucifixo pendurado no peito. Isso tudo nos dá fé. E fé, sem dúvida, é muito importante nesse momento para nos dar confiança de que tudo vai passar, mas é necessário seguir o que é correto. É preciso ter muito cuidado com essa ideia que temos de pureza e proteção. A proteção vai depender dos cuidados de prevenção que você faz para estar puro e protegido.

Existe um sentido maior para estarmos passando por tudo isso?

Alguns acham que é um castigo de Deus. Você imagina um Deus que queira castigar a humanidade trazendo uma doença? Eu não acredito. As causas e condições para essa pandemia são várias e muito complexas. O que não podemos é cair em teorias absurdas.
Tem gente falando que é culpa do 5G da China (risos)... Uma médium espanhola disse que é culpa de 2020: 20+20, 40 dias. Quarentena. Percebe? São teorias para todo lado, se até hoje existem os defensores da Terra plana, então... o que esperar? Paciência.

O que nós podemos fazer é filtrar as informações e seguir as recomendações, mas não como gado. É preciso parar, pensar e refletir. Precisamos ser capazes de filtrar "fake news" para não cairmos em mentiras como a última, de que não há mais alimento, que os lugares estão vazios, sem comida. A mentira é que espalha o desespero e deixa as pessoas doentes.

Para quem já sofre com ansiedade e depressão, qual é a melhor maneira de atravessar a situação atual?

Ninguém sabe ainda, ao certo, como o vírus vai se comportar no Brasil. Nosso inimigo, agora, é invisível. Não é como a dengue, que víamos o mosquito. Tudo ainda é muito incerto.

E a ansiedade é você não estar presente no instante. Por isso, eu digo às pessoas que são muito ansiosas que prestem atenção no seu corpo, como você está, como você se senta.

Endireite a sua coluna vertebral. Faça uma respiração profunda. Perceba os odores, ouça a natureza. Perceba os animais, os cachorros, os bichinhos de estimação. A vida está continuando ao nosso redor. A nossa espécie é a única que está ameaçada.

Em vez de ficar com muita aflição, com medo, entenda que tudo isso faz parte. Reconheça e não brigue com seus sentimentos. Mantenha o foco na respiração consciente, inspire e expire amor. Tenha atitudes gentis. Faça do seu coração, um coração de amor. Não um coração de briga, de raiva e de rancor. Tudo isso só atrapalha a sua imunidade.

Não adianta ficar pensando: 'Ai, será que eu vou morrer, será que vou para o hospital'. Isso não adianta nada agora.

Monja Coen

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É possível criar uma rotina que nos ajude a vivenciar tudo isso de uma maneira mais tranquila? O que você recomenda?

Nós podemos aumentar nossa imunidade melhorando a respiração. E não sou só eu que digo isso, vários médicos falam. Tendo uma respiração consciente. Parar tudo que está fazendo e dar respirações profundas, completas. Nisso, você oxigena melhor o corpo e o cérebro, o que lhe faz pensar melhor.

Outra coisa importante: não fique vendo o noticiário o dia inteiro, escolha duas vezes ao dia para se informar, porque isso é importante, mas não todo o tempo. Depois disso, faça práticas de silêncio, de meditação, de oração. Quem não gosta de meditar, ou de orar, leia. Leia textos inspiradores, desenvolva sua capacidade mental de percepção.

Fique em silêncio um pouquinho. Pode ficar sem fazer nada. Nada mesmo. Sem dormir, sem meditar. Fique alguns minutos apenas com a sua presença pura, fique apenas presente, respirando, sentindo o seu corpo, sentindo sua vida. E você vai ver que sua imunidade melhora.

Tenha também uma alimentação saudável, em horas regulares. E, principalmente, durma bem. Dormir é importante. Para ter uma boa noite de sono, "desligue" por umas duas horas a mente. Não veja televisão, não mexa no celular, não responda e-mails. E, por último, mande amor para todos os seres, não só para os seus familiares e amigos. Inclua toda a humanidade. Para que todos possam passar com tranquilidade por essa dificuldade.

Você acredita em uma transformação da sociedade após a pandemia?

Eu espero que isso aconteça, de verdade. Acho muito preocupante que a gente esqueça de tudo. Será que, depois de tudo que estamos passando, vamos continuar a ser essas pessoas egóicas, fechadas em si mesmo, cada uma em seu celular na rua, batendo com a cabeça um no outro?

Realmente espero que este momento desperte a consciência humana, de sair do seu euzinho separado, e perceber que somos um só corpo, uma só vida com tudo que existe.

Com mais consciência, o ar pode melhorar, os rios, as nossas relações uns com os outros. Que essa experiência nos transforme para melhor. É o que eu espero.

Será um caminho longo...

Sem dúvida. Veja: teve a Primeira Guerra Mundial e depois teve a segunda. Ainda existe muito preconceito e discriminação. Existem pessoas que são contra judeus, por exemplo, e pessoas com pensamentos nazistas mesmo sabendo que o nazismo foi um horror. Não muito distante de nós, ainda há no Brasil quem apoie a ditadura. Ditadura de esquerda, ou de direita, nenhuma é boa. É massacre, abuso e extermínio. Quer dizer, essas pessoas não aprenderam com a história?

É um questionamento que fica: nós vamos aprender com essa pandemia ou nós vamos passar e esquecer tudo daqui a alguns anos? Eu gostaria que a gente se lembrasse, que a gente não esquecesse o que está acontecendo agora nem por um dia de nossas vidas.

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