Por que esse movimento que busca falar sobre alimentação saudável é sempre tão criticado? O que mudaria na nossa sociedade se todos tivessem a consciência da importância da alimentação saudável?
Na verdade, eu tenho dúvidas. Essa é uma pergunta complicada de responder. Por que parte de mim acha que as pessoas sabem que é necessário ter uma alimentação saudável para se ter uma vida saudável, para deixar de gastar tanto com saúde pública, por exemplo, dar uma qualidade de vida para as pessoas e por aí vai. Porém não fazem porque o lucro fala mais alto, porque o dinheiro no bolso é mais importante para quem está no poder. Eles passam por cima de vidas para ter mais dinheiro.
E a outra parte de mim realmente acha que as pessoas que estão em posição de tomar decisões, realmente acreditam que aquele produto, aquele veneno não vai fazer mal. Acho que tem gente que é convicto que o agrotóxico não vai fazer mal e que o alimento ultraprocessado não vai fazer mal. A má alimentação é uma coisa estrutural da nossa cidade sociedade. Mas se todo mundo soubesse realmente da importância da comida saudável, se todo mundo tivesse essa consciência, com certeza esse cenário mudaria.
A gente começaria a taxar os produtos ultraprocessados, a gente não subsidiária mais a produção de refrigerante, a gente não isentava de impostos e de tributos o setor de agrotóxicos, a gente faria leis que incentivassem a produção de alimentos orgânicos. Mas eu acredito que na maioria dos casos a gente tem conhecimento, mas não tem boa vontade de pessoas que estão no poder para fazer uma transformação em relação a isso.
Inclusive em um debate aqui no UOL recentemente você falou que não dá para pensar segurança alimentar sem pensar no acesso democrático à terra. Como você enxerga essa questão?
É porque a gente fala muito da democratização da alimentação, de todo mundo ter acesso a boa comida e obviamente isso é muito importante, mas a gente sabe que a comida não chega no prato de quem precisa porque não tem vontade política. O Brasil produz uma quantidade de alimentos para alimentar a população inteira e ainda sobraria, ou seja, temos uma produção excedente de alimentos. Mas o nosso sistema agroalimentar industrial e capitalista faz com que a gente tenha pessoas passando fome, porque a distribuição de alimentos não é democrática. Isso tem razão de ser.
Eles precisam das pessoas passando fome para aceitar qualquer tipo de trabalho, por exemplo. Faz parte desse sistema falido ter gente passando fome. Uma sociedade na qual ninguém passa fome, significa uma sociedade em que todos terão a liberdade, a verdadeira liberdade. Quando você está com insegurança, achando que vai passar fome, você aceita qualquer coisa. Aceita qualquer trabalho. Por isso eu falo da reforma agrária. Porque as pessoas esquecem que a comida vem da terra, esquecem que a terra é o meio de produção da nossa sociedade, a gente precisa da terra para produzir.
Só que o Brasil tem uma concentração de terra absurda. 1% da população detém 46% das terras. O Brasil é um dos países que mais tem concentração de terras. Então, se a gente não democratizar o acesso à terra, ou seja, se a gente não tiver mais terras com limite de área menor na mão de mais pessoas, a gente ainda vai ter gente passando fome enquanto trabalha em uma grande lavoura porque é única opção que ela tem.
A democratização, a distribuição igualitária de terras é muito importante para a produção ser mais justa. Hoje a gente tem um sistema de produção que é o agronegócio, que nada mais é do que essa herança colonialista do período escravocrata. Se antes a gente produzia açúcar e exportava, produzia café e exportava, hoje em dia a gente produz soja e exporta. É o mesmo sistema. Por isso que a reforma agrária é uma das reformas mais importantes que a gente tem para fazer hoje aqui no Brasil.
Qual seria o primeiro passo para a gente começar a discutir alimentação saudável de forma séria no país? O que a gente precisa fazer hoje para impulsionar esse debate?
Não tenho uma resposta objetiva para te dar sobre como fazer para impulsionar esse debate aqui no Brasil. Mas eu acho que as pessoas estão ganhando consciência. Antigamente ninguém fazia ideia do que estava comendo, estavam nem aí. Hoje em dia, as pessoas estão adquirindo mais consciência do que elas colocam no prato. Cada vez mais surgem pessoas querendo alimento mais limpo, mais local. Eu acho que agora mais pessoas vão ter a consciência de se questionar de onde vem a comida, de se questionar como é que está a situação do agricultor, daquela terra? Ter a consciência da comida que se bota no prato foi o primeiro passo. É esse movimento de não querer mais comer comida de caixinha, querer comida de verdade. Depois disso vem o segundo passo que é se perguntar de onde vem essa comida.