Dário Vitório Kopenawa, 38, escondeu-se assustado por entre as pernas do pai e da mãe quando viu o homem branco pela primeira vez. Ele tinha cinco anos e acreditou que via um fantasma. Mas seu pai, o xamã Davi Kopenawa e um dos maiores propagadores da cultura indígena no mundo, já conhecia bem os visitantes. Explicou ao filho que eram pessoas com uma língua e características diferentes. A versão detalhada veio anos mais tarde.
Na tradição yanomami, as doenças foram enterradas no fundo da terra por Omama, criador da humanidade. Em busca de riquezas, os homens brancos escavaram onde estavam os males e espalharam as doenças entre os povos indígenas. Davi entendeu que era preciso lutar para preservar o subsolo sobre onde viveram seus antepassados. "Quando você crescer mais, seguirá a minha linha e a minha luta", disse o pai para o filho.
As doenças enterradas têm um nome: xawara. Hoje, Dário luta contra garimpeiros invasores que persistem em "desenterrar" o xawara na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, e a propagar a Covid-19 entre os povos indígenas. Vice-presidente da Associação Yanomami desde 2004, Dário encabeça a campanha "Fora Garimpo, Fora Covid!", lançada no início de junho para coletar assinaturas e pressionar Brasília contra a extração ilegal. Desde o início o ano, ele tem convivido com o aumento das ameaças de morte, mas isso não o abala. "Para a cultura yanomami, quem é guerreiro e organiza lutas não tem medo de morrer", diz em entrevista a Ecoa via videochamada.
Imagens de satélite mostram extensas áreas abertas no território yanomami. Acredita-se que 20 mil garimpeiros estejam na região e transitem com vírus entre Boa Vista e o território. Até agora, quatro yanomamis foram vítimas da Covid-19, entre eles um líder reverenciado, uma gestante e um adolescente de 15 anos.
Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais e Instituto Socioambiental (ISA) estima que até 40% dos yanomami podem ser infectados, tornando-os o povo indígena mais vulnerável do país. O Serviço Especial de Saúde Indígena (Sesai) estima 26 mil indígenas na Terra Indígena Yanomami, onde vivem 8 povos diferentes; alguns isolados.
Dário começou a estudar português em 1995 e, dois anos depois, já era professor bilíngue e propagador da escrita da língua yanomami. No início dos anos 2000, visitou o Xingu no Mato Grosso, os Makuxi e Wapixana em Roraima e os povos indígenas no Acre. Viajou para os Estados Unidos e Europa. "Aprendi que não importa se estou com blusa, tênis, óculos, celular. Por dentro, minha identidade não muda", diz.
Na conversa abaixo, Dário Kopenawa fala sobre identidade, rituais, o perigo real enfrentado pelos indígenas hoje e a relação do homem branco com a natureza. Ele acredita que, com o fim da pandemia, o mundo não indígena - o mesmo que estimula a busca pela xawara — vai compreender que a terra mãe é viva e se vinga.