O filho do Pantanal

Alçado à fama pela novela, Gabriel Sater diz que o sucesso é nada se não puder fazer mais pelos outros

Lia Hama (texto) e Lucas Seixas (fotos) Colaboração para Ecoa, em São Paulo

Antes da estreia do remake da novela 'Pantanal', em março de 2022, Gabriel Sater tinha 50 mil seguidores no Instagram. Pouco mais de seis meses após ir ao ar o último capítulo da novela das nove da Globo, o número havia saltado para 980 mil.

No remake, Gabriel encarnou o peão e violeiro Trindade, papel que havia sido de seu pai, o também músico e ator Almir Sater, na trama original exibida em 1990 pela extinta TV Manchete. Na nova versão escrita por Bruno Luperi, pai e filho protagonizaram um duelo de violas caipiras que não existia no texto original de Benedito Ruy Barbosa.

Gabriel Sater não nasceu no Pantanal, mas pode ser considerado um filho adotivo daquelas terras, uma vez que cresceu por lá tomando banho de lagoa, andando a cavalo e comendo frutas do pomar. Uma infância que foi fundamental para formar a sua consciência sobre a emergência climática.

O músico já participou de projetos em apoio ao Instituto SOS Pantanal e foi nomeado embaixador da WWF Brasil. Ele conversou com Ecoa na Serra da Cantareira, em São Paulo, onde mora com a mulher, a produtora Paula Cunha, e cinco cachorros.

A entrevista foi realizada no espaço de eventos Quinta da Cantareira, onde o músico gravou um depoimento para um documentário sobre o álbum "Passado, Presente e Futuro", do trio Sá, Rodrix & Guarabyra, que completou 50 anos de lançamento. Leia a seguir os principais trechos.

Eu já havia atuado em novela e em filme antes, mas nada se compara a um sucesso como 'Pantanal'. Atingi outro patamar de visibilidade

Gabriel Sater, cantor, compositor e ator

Brasil profundo

Ecoa - Qual foi o impacto de 'Pantanal' na sua vida? Além do aumento no número de seguidores nas redes, o que mudou?

Gabriel Sater - A novela impulsionou a minha vida artística. Eu já tinha feito novela antes [como o violeiro Viramundo em "Meu Pedacinho de Chão", de 2014], já tinha atuado em filme e musical, mas nada se compara. Minha agenda melhorou muito, estou trabalhando como sempre sonhei. Acabou a novela, caí na estrada e não parei de tocar. Foram 45 shows em cinco meses. É a turnê de um espetáculo chamado "Noites Pantaneiras", sobre o Brasil profundo, uma homenagem a grandes compositores do nosso país.

Como é a sua relação com o Brasil profundo? Você cresceu na fazenda do seu pai no Pantanal?

Nasci em São Paulo, mas meus pais se separaram quando eu tinha 3 anos de idade e fui morar com a minha mãe, Selene, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Campo Grande é cheia de parques e fazendas nos arredores, fica próxima de Bonito (MS) e do Pantanal. Na época, meu pai ainda não tinha fazenda na região, mas eu frequentava a fazenda do meu padrasto, Celso. Minha mãe é bióloga e meu padrasto é agrônomo.

Cresci tomando banho de lagoa, andando a cavalo e comendo frutas do pomar. No final de semana, era sempre essa rotina maravilhosa. Eu via meu pai nos feriados, ia à casa dele na Serra da Cantareira, em São Paulo, também cercada de natureza. Mas foi só no começo dos anos 1990 que ele adquiriu um pedacinho de paraíso no Pantanal.

De coroinha a filho do cramulhão

Que lembranças você tem das gravações da primeira versão de 'Pantanal'? Qual foi a sua participação na época?

Eu tinha 9 anos e fui coroinha do casamento do último capítulo da novela. Lembro que fui muito bem cuidado pela Luciene Adami, atriz que interpretou a Guta na versão original. Até hoje somos amigos e nos falamos. Marcos Palmeira [que interpretou o personagem Tadeu na primeira versão e José Leôncio, na segunda] já era uma pessoa supercarismática e agregadora. A equipe era muito unida, como uma grande família.

Como foi sua preparação para o papel de Trindade?

Cheguei um mês antes de começar a gravação para me aclimatar. Já vinha me preparando havia meses, praticamente 2021 inteiro foi só preparação para a novela e gravação do meu disco 'Erva Doce'. Na novela, eu tinha que tocar ao vivo, não tinha nada dublado. Eu sabia que ia ter que fazer o duelo com meu pai, que é um grande violeiro, então tive que estudar muito.

Quando meu pai fez o Trindade, ele tocou 'Luzeiro', que se tornou tema do [programa de TV] Globo Rural. É uma música emblemática, que todo violeiro tem que aprender a tocar. Eu peguei esse toque de viola conhecido como "conta dinheiro" e fiz a minha própria música chamada 'Marruá'. Eu a toquei em inúmeras cenas da novela porque o pessoal adorou. Meu pai brinca que 'Marruá' é o meu 'Luzeiro'. Eu a dediquei ao maestro João Carlos Martins porque ele é um artista indomável, que tem inúmeras histórias que me inspiram.

A novela fez com que você e seu pai ficassem mais próximos?

A gente se aproximou muito, passei um mês na fazenda dele, antes de começar a gravar. Compusemos juntos o duelo de violas para apresentar para a direção da novela. Eu agradeço muito ao autor Bruno Luperi, que mudou minha vida criando esse duelo, e ao diretor Davi Lacerda, que dirigiu a cena.

A novela tem o papel de trazer luz para temáticas que são necessárias. Ela atinge um público muito grande, que assiste na novela uma queimada no Pantanal e se sensibiliza.

Gabriel Sater, cantor, compositor e ator

O papel da novela

Você é ativista pela preservação do meio ambiente. Como surgiu a sua consciência ambiental?

Acho que da educação que recebi da minha mãe com meu padrasto e do meu pai com a minha madrasta. Os quatro são muito ligados à preservação da natureza. Meu pai não gostava nem de ter cachorro na fazenda dele no Pantanal porque o cachorro poderia pegar um animal silvestre. A pescaria era só para a subsistência. Se a gente pescava muito, tinha que devolver os peixes para o rio. Meu pai dizia: "Temos que pensar no futuro, não podemos levar mais do que o que vamos consumir".

Você percebeu a mudança da paisagem do Pantanal ao longo das últimas décadas?

É brutal. O Pantanal sempre foi a terra das águas, então foi assustador ver uma seca tão grande. Quando cheguei em 2021, ainda não tinha chegado a época de cheia. Dezembro, janeiro e fevereiro é quando vêm as chuvas. Naquele ano, as chuvas não vieram. Quando voltamos em maio, estava tudo seco. A própria pecuária, que é uma atividade importante da região, não tem como existir sem água. Os peões saíam de manhã de casa e não tinham onde encher os cantis.

Qual é a importância de uma novela como Pantanal abordar temas como os incêndios provocados pela ação humana na região?

Algumas imagens dos incêndios de 2020, que atingiram cerca de 26% do bioma, foram exibidas na novela. Você via os animais pegando fogo. Muita gente chorou porque foi muito impactante ver a natureza destruída daquela maneira. Claro que não é necessariamente a pessoa que tocou fogo na região que está assistindo, mas é importante educar para criar mecanismos de contenção de incêndio para que, caso aconteça, o fogo não se alastre.

Eu ia dormir preocupado, pensando em como os bichos iam beber água.

Gabriel Sater, cantor, compositor e ator

Artista e ativista

Como foi seu trabalho de apoio ao Instituto SOS Pantanal?

Fui chamado para participar de um show para um jantar beneficente. Foi um evento gigantesco para arrecadar fundos para eles. O Instituto SOS Pantanal é uma ONG muito séria, voltada para a preservação do bioma. Uma das frentes de atuação deles é para estruturar as brigadas de incêndio da região, dar treinamento e suporte com objetivo de prevenir e responder de forma rápida, caso ocorra a queimada.

A [atriz] Cristiana Oliveira é embaixadora do projeto, a [influenciadora e atriz] Rafa Kalimann também apoiou. Quero usar a minha humilde plataforma como artista para ajudar em questões importantes como esta. O complicado é conseguir atender a todos que nos procuram porque a equipe da minha produtora é pequena. Queria ter mais estrutura para poder ajudar mais.

Você foi nomeado embaixador da WWF Brasil. Como surgiu o convite e qual é a sua função?

Em 2018, fui chamado para participar como um dos padrinhos da Jornada da Água promovida por várias entidades, incluindo a WWF Brasil e a Unesco. Eles nos levaram para conhecer as nascentes do Pantanal e mostrar como elas estão sendo afetadas pela ação humana. Existem leis seríssimas de proteção às nascentes e é preciso aplicá-las.

Quem as infringe tem que ser penalizado, pagar as multas e sentir no próprio bolso. Quando uma nascente seca, isso traz prejuízo para toda uma cadeia, seja de produção agrícola, de pesca ou de turismo. Nada é sustentável sem a água, a água é a maior riqueza que a gente tem.

Mesmo com o racionamento que houve em São Paulo, ainda vemos as pessoas desperdiçando, lavando a calçada com mangueira.

Ator e transformador

No auge da pandemia, você promoveu um festival nas suas redes sociais para arrecadar doações para instituições de saúde e caridade no Paraná. Qual foi o alcance do projeto?

Fizemos mais de 60 lives, num trabalho que levou mais de 120 dias. O projeto se chamava "Live to Save Lives", no qual eu chamava artistas de renome e novos talentos para uma conversa informal e os convidava para tocar música boa. Aí tinha os links para as pessoas fazerem doações para um lar de idosos e para famílias vulneráveis.

Qual é a importância de os artistas usarem a visibilidade que têm para ajudar em campanhas como essa?

Para mim, o sucesso é nada se eu não puder fazer mais pelos outros. Vejo tanta gente cheia de sucesso ostentando riqueza, mas sem se preocupar com quem está ao seu redor. Se eu conseguir atingir um certo patamar financeiro, se eu conseguir ter mais estrutura, aí vou conseguir ajudar mais gente. Esse é o meu grande sonho.

Você pensa em continuar trabalhando como ator?

Recebi um convite para fazer o papel de Jesus Cristo na Paixão de Cristo em Nova Jerusalém (PE), mas o timing não bateu porque eu estava com muitos shows marcados e não ia conseguir participar dos ensaios.

A Globo também me chamou para fazer a próxima novela das seis, "Amor Perfeito", mas o convite veio em cima da hora e não foi possível participar. Minha agenda musical está cheia para os próximos meses, mas tenho vontade de voltar a atuar.

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