Ecoa - Queria saber um pouquinho melhor como você faz para renovar suas energias, os seus sonhos e desejos? O que ajuda você a manter esse sorriso?
Erika Hilton - Ai, mana, não é fácil assim. A vida é um desafio constante. Ser mulher, ser negra, ser trans, ser da periferia, ter vindo das ruas. É um caminhar bem duro. Mas tudo isso se transformou em potência, tudo isso se transformou em energia para que eu ocupasse o lugar onde estou agora e para que eu fizesse história. Acho que eu me amparo e me revitalizo e me reenergizo com as minhas. Me reenergizo com a história, quando vejo quão mais difícil já foi — apesar de agora ser muito difícil —, me sinto forte, preparada para articular. Eu me revitalizo também me fechando em casa, ficando sozinha, me conectando com as coisas que gosto de fazer, com as leituras, com os meus momentos de distração. Esse cuidar de si tem sido muito difícil, porque ter um tempo para a gente diante de uma demanda de coisas para serem feitas é um desafio. É uma forma de me reconectar com a história do passado, com a ancestralidade, para entender que esses caminhos foram abertos para que eu pudesse chegar até aqui. É o que me dá o fôlego para me manter de pé para acordar, mesmo com a vontade de permanecer o dia inteiro na cama e dizer "não, preciso levantar porque tem um propósito nesse levantar".
Tem uma campanha que tem proliferado bastante durante a pandemia que é "autocuidado não é só skin care". O que você aconselha para as pessoas terem esse autocuidado para além da skin care?
Eu vou começar com skin care e vou falar para além dele. Eu acho que o skin care é um momento muito seu, que você cuida da tua pele, do teu cabelo. Acho que esse é, sim, um primeiro cuidado, mas fazendo não como uma coisa mecânica. Como uma coisa de se tocar, de valorizar sua pele, sentir o cheiro, os aromas, se permitir viver aquele momento como um momento de amor consigo mesma. Já é um respiro, se olhar pro espelho, aceitar a sua imagem, aceitar quem você é, como você está. Isso é muito importante. E eu sempre recomendo dormir bastante, faz muito bem. Durmam, descansem, se não derem conta de acompanhar esse ritmo frenético da competitividade, do capitalismo.. Não tem como estar informada sobre tudo. Vou dar aqui uma dica de uma coisa que eu mesma não faço por conta da correria: se alimente corretamente, beba água. Saiba que estamos em um ano completamente caótico, diferente de tudo, e que a gente não vai conseguir dar conta de tudo. Então, cuide da saúde mental.
Compreenda quais são seus limites, até onde dá para ir. Não entenda esses limites como um fracasso, mas como respeito, como um autocuidado. E aí, a partir desse autocuidado, vai cuidar da pele, da mente, vai ler, vai parar para assistir um filme. Ouçam músicas, a música alegra a alma, a música traz uma paz para o espírito. Transem, se toquem, se amem. Acho que é isso que precisamos fazer nesse momento tão caótico, cheio de desamor, cheio de desafeto. Estar rodeado de pessoas queridas, fazendo coisas leves e gostosas, cuidando de nós, cuidando do outro e tornando os dias que são tão duros em mais leves, na medida do possível e dentro da realidade de cada uma das pessoas.
Adorei que você deu essa dica, porque o pessoal não entende como é importante na transição uma coisa comum que é tomar banho, mas é um momento que você está reconhecendo o seu corpo.
Exatamente!
O que você está sentindo, está respirando... Conversem com suas amigas, não tenham medo de mostrar fragilidade, não precisa ser forte todo o tempo. E aproveitando esse gancho sobre a nossa comunidade e ainda sobre esse período pandêmico... Você acha que a nossa comunidade fortaleceu os laços durante a pandemia?
Vou ser sincera, eu acho que a pandemia mostrou que quando a gente está com as mãos segurando umas nas outras é mais fácil. Eu não sei se posso afirmar que ela estreitou os laços, a comunidade é muito ampla. Eu acho que deu um chacoalhão, um "presta atenção, vamos acordar", porque o ódio, o inimigo, a precariedade, o desemprego, ele sempre bate primeiro na nossa bunda. Se a gente não tiver uma uma forma de pensar uma fonte de renda, uma forma de pensar em nós, em como vamos lidar com as adversidades da vida, vai ser sempre mais difícil para nós que já somos a escória da escória. O egocentrismo, a individualidade, tudo isso também é muito intrínseco na humanidade e nós fazemos parte dessa humanidade, apesar de tentarmos nos descolar para dizer "ah, a comunidade LGBT é uma coisa a parte". Isso faz de nós seres humanos cheios de falhas e acertos, então eu não sei responder.
Acho que o caminho para que a gente fortaleça, estreite e aprofunde essas relações de troca, de confiança, de amparo é se olhar e saber se colocar no lugar do outro. Isso não significa se amar, estar todo o tempo junto. Eu não sou obrigada a amar todas as pessoas para compreender a necessidade de viver em coletividade, o sentido de Ubuntu "eu sou porque nós somos". Não é porque eu amo a todos, é porque eu entendo que em sociedade para sobreviver contra os inimigos todos que estão postos — a branquitude, o classicismo, o racismo, a LGBTfobia —, eu preciso estar fortalecida e conectada com as minhas redes. Claro que vão ter pessoas que vou amar profundamente, mas nem todas eu amarei e isso é normal. Porque, se a gente passa a romantizar as ditas minorias, que nós sabemos que não são minorias, a gente cai no delírio de que toda travesti, toda pessoa negra é incrível, maravilhosa e tira a subjetividade. Tira a individualidade do ser, coloca dentro de uma caixinha estereotipada. Isso para mim é mais um reflexo das violências estruturais. Todo mundo se constrói a partir da sua própria personalidade, da sua subjetividade, do lugar aonde está, e tem muita gente LGBT, negra, mulher que não presta, que é mau caráter, que tem uma má índole. E isso tem que ser respeitado, porque isso é humanidade.
Quando a gente diz que todos somos iguais, é roubar a subjetividade, é singularizar uma pauta. Nós somos plurais e para aprofundar essa pluralidade e nos conectar, nós precisamos nos colocar mais no lugar do outro, compreender a importância de estarmos unidas, porque quando estamos fortalecidas e unidas podemos chegar mais longe, podemos fazer história.