Foi de repente que Janaína Bernadino acordou com uma história na cabeça. Escreveu sobre Niara, a quem deu um entorno matriarcal com mãe, tias e avós. Nenhum homem à vista. Narrou sobre a vida da família após a morte da avó Nzinga. Nesse enredo, cada uma delas possui características que remetem às divindades cultuadas em religiões de matriz africana. Mãe e tias são representações de Oxum, Iansã e Iemanjá. Nzinga é Nanã, a orixá que possui a memória de um povo.
A estudante de jornalismo escreveu sobre elas no conto "No colo das Yabás", que em dezembro de 2020 ganhou o concurso literário "Não Pararemos de Lutar". Mas também escreveu sobre si. Assim como a personagem que inventou, Janaína também vem de uma família matriarcal. E há dois anos a avó materna, dona Lourdes Ambrosio Rosa, faleceu.
"Todas elas dão equilíbrio e força para Niara. Nzinga morre e ela fica no lugar da avó como continuidade. O conto fala sobre como a nossa relação com as pessoas que se foram ainda é forte e como essas ancestrais podem nos ajudar a potencializar nossa caminhada de alguma forma", conta.
Ficcionalizando a realidade que vive, Janaína tem escrito textos que usam como base o que a escritora mineira Conceição Evaristo chama de "escrevivências", o ato político e literário de mulheres negras que escrevem usando a realidade como matéria-prima. "As escritoras negras buscam inscrever no corpus literário brasileiro imagens de uma autorrepresentação. Surge a fala e um corpo que não é apenas descrito, mas antes de tudo vivido", escreveu Conceição Evaristo no artigo "Gênero e Etnia: uma Escre(vivência) de dupla face".
Neste ano, completam-se 18 anos desde que Conceição Evaristo apresentou o conceito de escrevivências em um livro. A história de "Ponciá Vincêncio, que empresta o nome para o título da obra de estreia da autora, já estava escrita havia dez anos, mas só em 2003 a escritora mineira, após ser recusada por editoras, tirou do próprio bolso o dinheiro para conseguir ser publicada.