Caminhos para o futuro

COP26 amplificou propostas para a emergência climática, apesar de acordo oficial sem grandes avanços

Ana Prado De Ecoa, em São Paulo Paul ELLIS / AFP

A cidade de Glasgow, no Reino Unido, viu duas semanas intensas de negociações, debates e manifestações. A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), que terminou no fim de semana, fez o mundo voltar sua atenção para o meio ambiente e ecoou vozes de grupos minoritários para um público global.

O objetivo era chegar a um acordo entre mais de 190 países sobre as ações a serem adotadas para enfrentar a crise climática. O documento final causou desapontamento, e o próprio Alok Sharma, presidente da conferência, disse que ele é "imperfeito".

Mas houve avanços, como a definição de como vai funcionar o mercado de carbono previsto no Acordo de Paris de 2015. Já a promessa inicial de "eliminação gradual" dos combustíveis fósseis acabou enfraquecida e se tornou uma proposta de "redução gradual". Também não houve consenso quanto ao financiamento aos países mais afetados pela crise climática, ponto considerado crucial por muitos.

No entanto, pactos extras foram firmados. Um deles foi o Acordo de Florestas, em que mais de 100 líderes prometeram esforços para parar e reverter o desmatamento até 2030. Além disso, 80 países se comprometeram a cortar, até 2030, 30% das emissões de metano. No Acordo de Carvão, mais de 40 nações concordaram em abandonar essa forma de geração de energia nos próximos 20 anos.

Embora o acordo final não tenha atendido às expectativas gerais, não faltaram boas ideias na COP — a grande maioria vinda não de governos, mas da sociedade civil.

[O acordo] é um passo importante, mas não é o suficiente. É hora de entrar em modo de emergência.

António Guterres, secretário-geral da ONU

Paul ELLIS / AFP Paul ELLIS / AFP

Outras vozes

Além das negociações oficiais, que são conduzidas a portas fechadas, a COP é um espaço rico em debates e ideias para a luta contra a mudança climática. E foi aí que diversos grupos da sociedade brasileira se fizeram ouvir.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) levou 40 representantes, a maior delegação de lideranças indígenas brasileiras da história da conferência. O movimento negro também enviou uma delegação que contava com representantes quilombolas, ativistas, militantes e pesquisadores. Entre as reivindicações desses grupos estavam a justiça climática e o combate ao racismo ambiental.

"Mesmo com todas as dificuldades da covid e dos altos custos que impediram a participação de muitos grupos da sociedade civil e de ativistas, ainda vimos diversos grupos se reunirem nesta COP, todos ecoando uma forte onda de apoio à ação climática", disse Flora Bitancourt, empreendedora social e curadora de Ecoa.

Empresários, economistas, estudantes e governantes subnacionais também estiveram presentes. Para Mario Mantovani, da SOS Mata Atlântica, é significativo que a agenda ambiental esteja gerando tanta mobilização. "Hoje ficou muito claro que a sustentabilidade e as questões climáticas não são mais papo só de ambientalista", disse.

Veja a seguir algumas das demandas e propostas apresentadas por esses grupos na COP26.

Nós somos os primeiros afetados pelas mudanças climáticas, que afetam nosso modo de vida diretamente, o regime das chuvas, o aparecimento dos peixes, tudo que faz parte de nós. Estamos aqui com a pauta prioritária de defender a demarcação de nossos territórios. Proteger os territórios indígenas é proteger o ambiente porque somos nós quem mais cuidamos da terra.

Samela Sateré Mawé, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

Autonomia para povos indígenas e quilombolas

Representando algumas das populações mais afetadas pela crise climática, ativistas negros e indígenas mostraram que desejam ser vistos como lideranças e agentes de mudança. "Nós não precisamos mais de intermediários, queremos participar dos espaços de discussão", disse Samela Sateré Mawé, liderança indígena da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

A autonomia defendida pelos povos tradicionais também envolve a gestão de recursos para a defesa das florestas. "Solicitamos financiamento direto para apoiar nossos esforços de administrar de forma sustentável nossas terras e recursos, com ferramentas para monitorar e protegê-los de intrusos", diz declaração divulgada na COP26 pela Apib.

A entidade considera os mecanismos tradicionais de financiamento climático ineficientes, já que os recursos acabam diluídos pela contratação de intermediários e são aplicados por pessoas que não estão presentes de fato nas florestas.

Outra reivindicação é a demarcação e titulação de terras indígenas e quilombolas. "É preciso olhar para quem vive e protege os territórios com a própria vida", defendeu Douglas Belchior, cofundador da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra Por Direitos. Segundo a Coalizão, que reúne mais de 200 organizações, o Brasil tem mais de 3.000 comunidades quilombolas, mas pouco mais de 10% delas já foram regularizadas.

HANNAH MCKAY/REUTERS HANNAH MCKAY/REUTERS
Rhett A. Butler/Mongabay.

Proteção às florestas

O combate ao desmatamento é uma das principais formas de reduzir os gases de efeito estufa. Segundo a ONG World Resources Institute (WRI), as florestas absorvem cerca de 30% das emissões de dióxido de carbono no planeta.

Para especialistas, uma das primeiras medidas para a proteção desses ecossistemas deve ser o fortalecimento da fiscalização ambiental. llona Szabó, presidente do Instituto Igarapé, afirmou que o governo brasileiro precisa dar a devida atenção para os crimes ambientais, combatendo também a violência contra os povos indígenas. "O crime ambiental anda, cada vez mais, de mãos dadas com o crime organizado. Para fazer uma transição para a economia da floresta em pé na Amazônia, por exemplo, precisamos desbaratar redes criminosas da exploração ambiental."

A ONG ambiental The Nature Conservancy Brasil (TNC) participou da COP26 e levou propostas que já têm sido aplicadas com sucesso na Amazônia, como a geração de renda em pequenas propriedades rurais. "Cerca de 40% do desmatamento da Amazônia acontece nessas propriedades, principalmente devido à pecuária extensiva e de baixa tecnologia", afirma a TNC. Projetos desenvolvidos por eles, como as agroflorestas de cacau no Pará, conseguem gerar uma renda maior e ainda recuperam áreas degradadas.

Assegurar a proteção dos rios por meio de parcerias com as comunidades ribeirinhas e universidades locais também tem sido importante ao aumentar o conhecimento sobre o uso sustentável dos recursos aquáticos e a conservação da biodiversidade na região.

OLI SCARFF/AFP OLI SCARFF/AFP

Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática e nós devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui.

Txai Suruí, ativista indígena do povo Paiter Suruí e fundadora do movimento da Juventude Indígena de Rondônia

ANDY BUCHANAN / AFP

O papel das grandes cidades

Um estudo publicado este ano revelou que as áreas urbanas são responsáveis por entre 70% e 80% das emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes, resultantes principalmente da queima de combustíveis fósseis.

Não por acaso, a temperatura em áreas urbanas tem subido duas vezes mais que a taxa global, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Muitas cidades podem ficar até 4°C mais quentes até o final do século se as emissões de gases de efeito estufa continuarem como estão.

A COP26 também viu propostas para a crise climática envolvendo as grandes cidades. O próprio Pnuma lançou um guia com dicas baseadas em exemplos bem-sucedidos. Entre as propostas estão plantar árvores nas ruas e instalar superfícies frias e reflexivas que impedem a absorção de calor. Garantir áreas bem distribuídas de espaços verdes e investir em sistemas de resfriamento também estão na lista, assim como diminuir os espaços para carros e destiná-los à circulação de pessoas.

O transporte também foi pauta. Peri Dias, gerente de comunicação da ONG 350.org, defendeu a importância de os governos investirem em melhores sistemas de locomoção e incentivarem a mudança de hábitos. "A gente está falando de mais e melhores linhas de ônibus, de trem e metrô nas cidades. E de estímulo ao uso de bicicleta, à caminhada, ao deslocamento a pé", disse ele. Além disso, empresas anunciaram que estão investindo no desenvolvimento de veículos elétricos e de navios e aviões que usam combustíveis verdes.

Russell Cheyne/Reuters Russell Cheyne/Reuters

Como pressionar por mudanças?

Mesmo se o documento final da COP26 contivesse todas as propostas esperadas, não haveria garantia de que elas seriam cumpridas: a fiscalização e pressão da sociedade ainda seriam necessárias para que as coisas saíssem do papel. Com a situação atual, isso é ainda mais importante.

"Tivemos avanços, mas novamente tudo ficou no campo das promessas, já que os países ainda precisam apresentar como farão para atingir suas ambições. Para nós, fica a missão de voltar para casa e fazer pressão", disse a ativista Kamila Camilo, que esteve na cobertura da COP26 em Ecoa.

Douglas Belchior concorda e destaca o papel dos governos locais: "A gente sabe que entre o discurso e a prática tem uma distância enorme, e o papel dos movimentos é cobrar políticas nos estados. Porque é ali que as regras incidem diretamente sobre a vida das pessoas."

Muitos acreditam que as eleições do ano que vem são uma boa oportunidade para que a população em geral apoie a causa ambiental. A economista Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), diz que a Amazônia precisa estar no centro do debate eleitoral em 2022. "Nós precisamos cobrar de todos os candidatos, em todas as esferas, de todos os partidos, que tratem a preservação da floresta, da Amazônia, como prioridade", defende.

Brasileiros que passaram pela COP26

  • Txai Suruí

    A jovem de 24 anos discursou na abertura da COP e cobrou a participação de indígenas nas decisões.

    Imagem: Divulgação
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  • Maria Gadú

    A cantora defendeu a demarcação de terras indígenas e disse que o problema climático é também cultural.

    Imagem: Divulgação
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  • Sebastião Salgado

    O fotógrafo disse que é preciso estender o debate climático para além da "bolha ambiental".

    Imagem: Divulgação
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  • Marcelo Rocha

    Diretor do Instituto Ayíka, ele destacou o problema do racismo climático para mais de 25 mil manifestantes em Glasgow.

    Imagem: Reprodução/Instagram
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