"Se Deus criou o homem e a Terra, como pudemos destruir o mundo criado por Ele?", se questionava Camila Mantovani, ativista e filha de pastores evangélicos batistas de uma comunidade no Rio de Janeiro. Os amigos da igreja eram a favor da preservação da natureza, mas o desejo soava quase genérico. Nem todos compreendiam que deviam fazer algo pelo meio ambiente, embora houvesse consenso, e consensos tornaram-se cada vez mais difíceis e desejados no grupo religioso que tem a segunda maior população do Brasil.
Camila é uma das fundadoras da Coalizão Evangélicos Pelo Clima Criado em 2021, o grupo une mais de 30 lideranças evangélicas de diferentes doutrinas e debate o aquecimento global, mudanças climáticas, desmatamento e sustentabilidade entre evangélicos. Além de estudos e manifestações públicas, os pastores usam versículos e interpretações bíblicas para demonstrar a Terra como uma criação divina a ser preservada.
A ideia é mostrar que o Deus bíblico criou o homem, a Terra, os animais, viu que isso era bom e para cá enviou o próprio filho Jesus. Logo, é papel da humanidade preservar a vida que foi gerada e é dada por Deus. Há também uma intenção prática de participar de manifestações e mostrar como o voto e o posicionamento dos evangélicos podem influenciar nas políticas ambientais.
"Nós percebemos que não havia debates elaborados sobre preservação do planeta em muitas igrejas", pontua Camila. Segundo ela, a organização tem um papel didático e político, mas tenta juntar os cacos de uma igreja polarizada. Os membros do grupo são ligados à chamada teologia ecológica (ecoteólogos), aos direitos humanos, direitos indígenas e democratização do acesso à terra no Brasil. Logo, nem sempre são benquistos entre seus pares espirituais. "Somos de resistência", diz Camila.
Desde 2018, quando os evangélicos estiveram entre os principais apoiadores da candidatura de Jair Bolsonaro (sem partido), Camila diz que pastores contrários às falas e ações do então candidato foram estimulados a se unir e defender mais abertamente bandeiras progressistas ou à esquerda. Primeiro, porém, era preciso encontrar uma preocupação em comum a ser difundida entre milhares de pessoas e igrejas diferentes pelo Brasil.