Banqueiro Vermelho

Empresário cria instituto que educa de graça (ou quase) e recebe ameaças de morte por promover justiça social

Edison Veiga Colaboração para Ecoa Carine Wallauer/UOL

"Minha linha ideológica é a de alguém que acha absolutamente absurdo e distópico você viver numa sociedade onde 0,1% das pessoas tem mais dinheiro nos bancos do que o valor total dos 90% que têm menos dinheiro. Isso é uma realidade.

O 1% mais rico no Brasil tem metade das terras cultivadas do país. No Brasil, se você pega a concentração de riqueza, você tem que as cinco pessoas mais ricas têm a mesma riqueza acumulada do que quase 100 milhões de pessoas. Isso é insano.

Essa luta por um poder mais distribuído, por uma riqueza mais distribuída, por uma possibilidade de as pessoas exercerem suas vocações, é uma luta daqueles que não querem que o sistema concentrador de poder e renda exista. Isso, historicamente, foi chamado de esquerda."

Eduardo Moreira, ex-banqueiro e fundador do Instituto Conhecimento Liberta

Carine Wallauer/UOL
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Mais de 100 ameaças

O ex-banqueiro Eduardo Moreira sabe o peso desse rótulo no Brasil de 2022. Tanto que, habituado a uma rotina de palestras, viagens e eventos, ele anunciou no mês passado um cancelamento da agenda por 12 meses.

O motivo? Ameaças de morte constantes, mais de uma centena, vindas de bolsonaristas radicais que viam nele um "traidor", alguém que comumente se posiciona de modo ferrenhamente contrário às políticas econômicas do ministro Paulo Guedes.

"Nesse sentido, eu sou absolutamente de esquerda. E quando você diz que é de esquerda não quer dizer que você concorda com todos os erros que as pessoas que se diziam de esquerda cometeram ao longo da história", diz Moreira. "Significa que você luta contra essas estruturas que talvez tais pessoas tenham lutado também, mas tenham lutado de maneiras diferentes ou acreditando em soluções diferentes. Mas o alvo é o mesmo: são as injustiças sociais."

As posturas públicas de Moreira são conhecidas. Ele é crítico das reformas da previdência e trabalhista realizadas no governo Michel Temer (MDB), defende o fortalecimento de bancos públicos, é contrário a privatizações e a favor da taxação das grandes fortunas. O ex-banqueiro apoiou Lula (PT) nas eleições presidenciais de 2022 e ajudou o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), quando o movimento precisava ampliar uma planta de produção de arroz orgânico e carne suína perto de Porto Alegre. Para isso conectou os sem-terra ao mercado financeiro, conseguindo que investidores injetassem R$ 1,5 milhão para uma de suas cooperativas.

Não tem como viver uma vida feliz quando mais da metade da população vive num sofrimento gigante, que não precisaria haver. Existe por escolha de modelo.

Eduardo Moreira , ex-banqueiro e fundador do Instituto Conhecimento Liberta

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Da Bolsa aos cavalos

Nascido no Rio de Janeiro em fevereiro de 1976, Moreira é formado em engenharia civil. Em 2009 fundou, com outros três sócios, o banco de investimentos Plural Capital, depois rebatizado de Brasil Plural.

Dentro dessa empresa, criou a marca Genial Investimentos. Seu trabalho no mercado financeiro prosperou a tal ponto que, em 2013, ele foi listado pela revista Época Negócios como um dos "40 brasileiros de maior sucesso com menos de 40 anos".

Mas ele não parecia acomodado dentro de uma zona de conforto. Porque sempre foi múltiplo, sempre cultivou uma veia meio renascentista de querer fazer coisas diferentes: da dramaturgia ao adestramento de cavalos, passando pelo artesanato e pela comunicação midiática.

"O Eduardo é isso: um peregrino, um buscador, um curioso", define-se. "É uma característica que tenho desde mais novo: sou realmente um apaixonado pelas infinitas possibilidades que existem para todo mundo, em termos de aprendizado, em termos de diversidade de conhecimento", acredita.

Ele fala de doma de cavalos a física quântica, de música, arte, habilidades de marcenaria, de artesanato. "Tudo isso. Essa possibilidade de estar sempre aprendendo, se desafiando, sempre se conhecendo é algo que me encanta. Faço aprendizado um combustível para seguir caminhando."

Dentre os vários livros escritos por Moreira, vale ressaltar, está 'Encantadores de Vidas', publicado em 2012, sobre um método de doma gentil de cavalos. Por conta do entusiasmo com que defende essas técnicas, ele foi condecorado pela Rainha Elizabeth 2ª da Inglaterra por seus esforços pela eliminação da violência no adestramento de animais.

Desde 2018, ele enveredou pelo mundo da educação financeira, com cursos online e palestras.

A ideia do ICL é fazer com que a educação deixe de ser um muro segregador que faz com que os ricos fiquem mais ricos e os pobres fiquem mais pobres

Eduardo Moreira, ex-banqueiro e fundador do Instituto Conhecimento Liberta

Carine Wallauer/UOL

Conhecimento que liberta

Mas a revolução em que ele acredita não é feita com armas. É como se fosse uma reforma agrária, mas em vez de terras, o que ele pretende democratizar é o conhecimento, este mesmo conhecimento variado que o encanta. No fundo, parece que quer alimentar fartamente todos os onívoros culturais que, como ele, não se saciam com a precariedade do sistema educacional convencional brasileiro.

Foi em um almoço com o escritor e sociólogo Jessé Souza, autor de, entre outros, 'A Elite do Atraso', que surgiu a ideia: por que não criar um sistema de cursos online amplamente acessível e democrático? Souza havia lido o seu livro 'O Que os Donos do Poder Não Querem Que Você Saiba' e gostado bastante. Daí a aproximação dos dois. Em 2020 nascia o Instituto Conhecimento Liberta (ICL).

O nome funciona como uma verdadeira carta de princípios. "Só o conhecimento liberta" é uma frase atribuída ao político cubano José Martí (1853-1895), considerado o responsável pela independência do país caribenho dos espanhóis.

"Comentávamos, naquele almoço, que no final das contas tudo é uma grande guerra de narrativas, se você for parar para pensar a nossa opinião sobre os assuntos do mundo. São opiniões não sobre fatos, mas sobre histórias que chegam para a gente", recorda. "A maior parte das pessoas tem uma opinião a respeito do que contaram a respeito."

O ICL nasceu para ser uma universidade de tudo para todos, com os maiores educadores do Brasil e do mundo, com cursos de verdade ou de graça ou quase de graça

Eduardo Moreira, ex-banqueiro e fundador do Instituto Conhecimento Liberta

60 mil alunos

Por isso o empenho então na formação. E na comunicação. Moreira defende que, assim, mais gente vai estar informada sobre as coisas e, portanto, pronta para abraçar uma visão de mundo coerente com os princípios nos quais ele acredita. Para isso, a ideia era furar duas bolhas: a das escolas e universidades, e a dos grupos de comunicação tradicionais.

Com dois anos de existência, o ICL oferece 170 cursos que já reuniram 60 mil pessoas. "Um terço, de graça. Os outros dois terços pagam um valor simbólico, o valor de um sanduíche: 42 reais por mês, e podem ter acesso a tudo. Isso é uma revolução", explica.

Na outra ponta, Moreira é apresentador de um programa diário, no YouTube, com quase 3 horas de duração, em que traz, de forma contextualizada, os fatos mais importantes do dia. Ele conta que isso exige dele, fora do ar, cinco horas de estudo por dia.

Tudo para, no fim das contas, disseminar conhecimento. Ele acredita que a educação deveria ser uma ponte no Brasil, para fazer com que as pessoas pudessem alcançar o potencial, os talentos que elas têm, suas vocações.

"Por isso o 'conhecimento liberta'. No Brasil, há várias pessoas que poderiam estar salvando vidas, construindo prédios espetaculares, escrevendo músicas e livros. Essas pessoas estão hoje dirigindo por aplicativo, entregando pizza, trabalhando no caixa. Todas profissões dignas, mas são pessoas que não estão fazendo aquilo que gostariam ou poderiam fazer. Nós, como sociedade, saímos perdendo também."

Estou estudando a realidade do país e me manifestando para tentar combater todas as atrocidades que estão sendo feitas. Algumas próximas de um nível irreversível, como a Amazônia.

Eduardo Moreira, ex-banqueiro e fundador do Instituto Conhecimento Liberta

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