Sempre professor

Na vida pós-BBB, João Luiz Pedrosa quer espalhar a palavra da educação para um público cada vez maior

Paula Rodrigues De Ecoa, em São Paulo Roberto Trumpas/Divulgação

Após sair do BBB, João Luiz Pedrosa tinha a resposta na ponta da língua quando questionado sobre qual conteúdo produziria para os mais de três milhões de seguidores que conquistou durante o programa: "Tá escrito embaixo do meu nome aí, ó", disse apontando para a palavra "Educação" que aparece na descrição do perfil dele no Instagram.

"Minha profissão vai me acompanhar sempre", afirma o professor e apresentador de 24 anos em entrevista a Ecoa. Também, pudera: o amor por estar em sala de aula vem de família. Tem tio professor, tia que trabalhou como administradora de escola e a mãe fundou uma escola na região rural da mineira Santos Dumont, onde João nasceu e viveu parte da vida. Ele recorda que, até nas brincadeiras da infância, a lousa e o giz estiveram presentes. Não teve jeito, virou professor.

Já o pai, metalúrgico que ajudou a fundar o movimento negro na cidade, foi o responsável por apresentar ao filho alguns dos nomes mais importantes que João conta serem referências para ele até hoje, como o educador Paulo Freire e o geografo Milton Santos. Foi juntando o amor pela educação da família materna e o entendimento da importância de se discutir questões sociais e raciais que herdou do pai que ele se tornou um professor que tem como maior compromisso levar esses assuntos para dentro da sala de aula.

Agora, na vida pós-BBB, João traz essas conversas para um público maior e em diferentes plataformas. É apresentador dos programas "Trace Trends" (Globoplay) e do "Entrevista" (Futura) — que esse ano celebra o centenário do educador Paulo Freire —, e escritor de um livro sobre geografia, que ele está preparando para o final deste ano. Além, é claro, das redes sociais.

Ecoa - João, você vem de uma família de professores que te inspiraram a seguir na carreira, mas queria saber: quais outras pessoas que serviram de referência para sua formação como educador?

João Luiz Pedrosa - Ah, com certeza o Milton Santos, que é uma figura excepcional. Eu conheci Milton Santos na adolescência. Meu pai é uma pessoa que estuda muito. Na adolescência, ele me apresentava muitas referências para eu saber quem era. Não vou falar que eu era o adolescente que gostava de ler, mas fazia coisas de adolescente, ir para as festas, chegar tarde em casa. Mas sempre tive muitas referências dentro de casa. Meu pai falava: "o Milton Santos você tem que saber quem que é", porque sempre falei que gostava de geografia. E a leitura do Milton Santos, se você é adolescente, você pode ficar um pouco, tipo: "O que esse cara tá falando?", mas quando fui pra faculdade fui entendendo melhor.

E tem algo que você aprendeu com Milton Santos que te marcou?

O próprio reconhecimento da nossa história. Que os nossos problemas sociais estão ligados a um passado colonial, a um passado baseado no racismo, na homofobia. Isso bateu muito em mim, dele escrever sobre a realidade que a gente tem no Brasil há um tempo e a gente não se tocou até hoje.

Você falou em ter conhecido algumas referências dentro de casa, mas você também tinha a preocupação de levar esses nomes para sala de aula? Se preocupava em desenvolver um ensino antirracista?

Com certeza, isso eu fazia muito. É meu maior compromisso, não tem nem como eu fazer. Não tem como eu chegar um dia na sala de aula, quando acaba de acontecer um caso esdrúxulo de racismo na nossa sociedade e falar: "Hoje nós vamos aprender sobre densidade demográfica". A gente vai aprender sobre densidade demográfica? Vai, mas vamos aprender a partir de uma perspectiva que seja antirracista. É o meu compromisso. E tem uma coisa que acontece muito pelo fato do currículo das escolas não ser feito para discutir essas questões: toda vez que a gente vai falar disso em sala de aula, a principal justificativa contra que aparece é que estamos fugindo do currículo, do conteúdo. Isso pra mim não cola. Porque eu estou falando das duas coisas, e eu estou falando justamente para que essas questões estejam no currículo no futuro.

É bem possível pensar em uma educação antirracista, não é um bicho de sete cabeças.

João Luiz Pedrosa, professor, apresentador e ex-BBB

Roberto Trumpas/Divulgação

Logo quando você saiu do BBB e viu o tanto de gente que te seguia, você disse que usaria esse alcance principalmente para falar sobre educação. Por que continuar falando sobre esse tema?

Porque minha profissão vai me acompanhar sempre. Eu poderia entrar no meu Instagram e postar só lifestyle, chegar de manhã e falar: "bom dia, gente, olha meu café da manhã". E eu vou fazer isso também porque é legal, gosto de mostrar meus cafés da manhã, as músicas que gosto de ouvir, de mostrar minha família, de abrir caixinha de pergunta, sabe? Mas uma coisa não precisa excluir a outra. Também vou discutir educação, questão racial. Nunca escondi que eu era a pessoa que fala sobre esses assuntos, e as pessoas me conheceram sendo professor, então vou continuar falando sobre isso.

Com a pandemia, as escolas pararam, algumas conseguiram implantar o ensino a distância, mas muita gente também parou de estudar. Como você analisa esse momento que a gente vive?

Não estou otimista, não. Sabe por quê? Eu não consigo pensar que vai dar tudo certo e a gente vai conseguir aprender com tudo isso. A gente tem um problema hoje que é sistêmico na sociedade, que é: a internet não é democratizada. A gente tem essa ideia de que a internet é para todo mundo, mas não é. No momento em que comecei a dar aula online depois do dia 20 de março do ano passado, nunca mais vi alguns dos meus alunos. Com outros consegui falar, mandar áudio, via no vídeo, mas tem alguns alunos que nunca mais vi. Ia atrás de saber o porquê dessas pessoas não estarem assistindo aula para entender o que estava acontecendo, e elas falavam que não tinham internet. E não é só falar de acesso, a gente precisa falar da qualidade da internet e do espaço dentro de casa para que as pessoas estudem.

Se o modelo que a gente vai adotar a partir de agora é estudar online, então a gente vai ter que pensar em políticas públicas para que esses alunos tenham condições e equipamentos para ter condições de estudar em casa. Se a gente vai fazer um protocolo de retomada, tem que fazer política pública para garantir segurança para que voltem para sala de aula. Só com política pública para melhorar desde a infraestrutura da escola até o acesso à internet de qualidade.

Roberto Trumpas/Divulgação Roberto Trumpas/Divulgação

Atualmente a gente também vê muitas pessoas negando a pandemia, contestando a eficácia das vacinas. Você acha que o professor e a escola como um todo podem ajudar a reverter esse cenário?

O que as pessoas estão fazendo é negar a ciência. Estão negando o que as pessoas estão estudando. Isso é bizarro. Acho que o papel da escola e da educação como um todo é de reafirmar a importância da ciência, porque a ciência salva vidas, a vacina salva vidas. Se não fosse a ciência, você acha que a gente estaria andando de máscara hoje, por exemplo? Não. A gente está andando de máscara porque a ciência estudou e comprovou que elas são eficientes para nos dar mais proteção contra o vírus. E tem muita coisa que a gente vê no nosso dia a dia hoje que é fruto da ciência e a gente nem imagina. É importante levar isso pra escola e falar para as pessoas se informarem com fontes confiáveis.

Nesse pós-BBB, os participantes têm se posicionado com mais frequência em relação ao governo, a pandemia. Por que para vocês tem sido importante se manifestar?

Não tem como a gente fingir que as coisas não estão acontecendo. No dia que uma mulher trans é queimada, assassinada, não consigo ficar calado, acordar feliz e dizer nas redes sociais: "oi, gente, como estão as coisas por aí?". Não tem como fingir que essas coisas não estão acontecendo. É super importante falar sobre esses assuntos porque influencers são pessoas que se comunicam com públicos muito diferentes. São vários participantes diferentes do BBB que as pessoas vão seguindo conforme vão se identificando. Então, quando a gente vê esses influencers se posicionando e falando que as coisas realmente não estão legais, dá um estalo em quem lê. Porque essa não é mais uma insatisfação que é só minha, a coisa está generalizada. Não adianta fingir que não está acontecendo.

Roberto Trumpas/Divulgação Roberto Trumpas/Divulgação

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