Um humorista contra a boiada

Fábio Porchat quer mostrar para as pessoas como a destruição do meio ambiente pode afetar a sua vida

Matheus Pichonelli Colaboração para Ecoa, de Campinas (SP) Rafael Roncato/Folhapress

A seriedade do tema meio ambiente quase não dá espaço ao alívio cômico, marca do trabalho do ator, humorista e diretor Fábio Porchat. Falar sobre o assunto, afinal, é falar sobre a conjuntura política. Na conversa por vídeo com Ecoa no meio da semana, Porchat respira fundo, quase bufando, antes de comentar o momento atual, que vê loteado por negacionismo e anticientificismo. Para ele, o Brasil só vai ter algum avanço, inclusive na área ambiental, quando mudar o governo.

Enquanto isso, Porchat faz questão de usar sua voz em defesa da natureza. Este, aliás, será o tema de uma mesa de debates da qual participará no próximo sábado, ao lado do quadrinista Mauricio de Sousa, da liderança indígena Ailton Krenak, do músico Gilbero Gil e do DJ Eric Marky Terena, dentro da programação do festival digital Hora do Planeta, campanha global do WWF e que, por aqui, acontece em parceria com Ecoa.

Porchat lamenta a falta de engajamento dos brasileiros na questão ambiental, escanteada e tratada como "coisa de esquerda". Vê sinais de letargia em todo canto: do acúmulo de lixo nas praias, que deveria causar escândalo, à omissão nas discussões sobre preservação da Amazônia e aquecimento global. São assuntos que não estavam na sala de aula em seus tempos de escola, mas sobre os quais tem se debruçado com interesse. "Fui me interessando cada vez mais pelo planeta Terra. Entendendo como tudo está conectado."

Esse processo, para ele, passou por pequenas grandes mudanças na rotina, como apagar as pegadas de carbono após uma viagem, privilegiar os pequenos produtores de orgânicos e reduzir o consumo de carne.

O artista acredita que o humor pode, sim, ser aliado da luta. O desafio é personificar temas como a natureza e a destruição em um país tão acostumado ao absurdo — como o mocassim usado pelo ministro Ricardo Salles do Meio Ambiente em visita a praia contaminada por óleo. "É uma boa ideia pra criar alguma coisa para o Porta dos Fundos", diz o humorista, já projetando um novo encontro entre a sátira e o absurdo, a exemplo dos quadros dedicados a Franz Kafka e ao jornal Charlie Hebdo que decoram o quarto de onde deu a entrevista.

"Como usar minha voz pela natureza" é o tema do painel com Mauricio de Sousa, Gil e Krenak. Pode dar um spoiler do que pretende falar?

A gente está passando por tanta coisa no Brasil, tanto problema... quer dizer, o mundo está, né? Acaba que, por algum motivo muito louco, defender o meio ambiente, defender o clima, foi jogado pra escanteio. Virou uma coisa de esquerda. É muito doido o que aconteceu com essa luta climática. Outro dia eu estava lendo no jornal sobre um bicho que entrou em extinção. E seria importante que o jornal avisasse o quanto essa notícia impacta na nossa vida. Claro, tem a questão triste de o bicho estar morrendo. Mas o que de real isso causa na vida das pessoas? É isso o que elas precisam entender: aquele bicho deixou de existir, seu predador não tem mais o que comer, era o bicho que se beneficiava com a existência dele, e tudo o que ele comia, plantava, levava de um lado pro outro...falta a gente entender um pouco.

Você fala: "o aquecimento global é uma coisa para os nossos filhos, nossos netos." E o ser humano nunca pensa à frente. A gente só vive o agora. A gente nunca pensa na gente mais velho, que dirá das futuras gerações.

É um assunto que mexe muito comigo e eu fico muito a fim de conversar, de falar, de entender.

Rafael Roncato/Folhapress Rafael Roncato/Folhapress

Ano passado você abriu espaço em suas lives para ouvir lideranças ambientais. De lá pra cá notou alguma mudança?

Nada muda. As coisas que mudam, mudam de grão em grão. É interessante como as pessoas acham que este é um problema secundário, que temos problemas maiores. A gente consegue entrar na luta de vários problemas ao mesmo tempo. Se os problemas são gigantes, a gente tem que tentar resolver ao mesmo tempo. Com gente capacitada, instruída, gente que tenha a luta como referência. Não haverá mudança enquanto não mudar o governo. É complicado a gente ter um olhar tão primário e negacionista sobre o que está acontecendo, sobre mudança climática. Quando a ciência possibilita que a gente vá para o espaço, tenha satélites, tecnologia, a gente adora a ciência. Aí quando a ciência vem e diz "não pode fazer ou usar muito isso se não vai atrapalhar o meio ambiente", aí a gente fala: "você não sabe de nada". Só que não dá pra ser assim, né? A gente tem que ouvir a ciência em todos os casos, de todos os jeitos.

Isso se acentuou de um tempo pra cá. Nas décadas anteriores, já tinha aquela expressão ecochato.

É como o pai e a mãe falando que temos de dormir quando estamos sem sono. Qualquer pessoa que venha nos dizer que não pode fazer isso é uma pessoa vista como chata, independentemente se está fazendo para o nosso bem. Ainda mais quando são coisas que a gente não consegue ver. Tem gente negando vírus! E estão morrendo 280 mil pessoas no Brasil! Imagina se não vão negar o aquecimento global? A gente vê as queimadas, mas elas estão longe. As pessoas pensam: "ah, mas a Amazônia é muito grande, tem muita árvore, não precisa se preocupar". São discursos muito precários, muito rasos, maléficos. Se eu quebro minha perna eu não vou perguntar para o meu tio o que ele acha. Eu vou ao médico. O médico estudou pra isso. Se eu sinto que tem uma coisa estranha acontecendo ali, eu ligo pra polícia. Não chamo minha irmã pra resolver. E assim é com o meio ambiente. Se estamos vendo cientistas, estudiosos dizendo que a coisa não está bem, com dados, e não com achismo, mas com análise, temos que acreditar nessa pessoa.

Rafael Roncato/Folhapress Rafael Roncato/Folhapress

Tem algo que você mudou na sua rotina pensando por essa perspectiva dos impactos ambientais? Algo que deixou de fazer ou consumir?

Eu comprei uma casa agora que está reformando. Uma das coisas que eu pedi é água de reuso e energia solar. A ideia é que a casa seja sustentável. Uma coisa que eu comecei a fazer também é apagar minhas pegadas de carbono. Se faço uma viagem de avião, existem lugares, sites, que você consegue depositar o dinheiro e eles plantam as árvores que apagam as pegadas de carbono que você deixou. Isso eu botei na minha rotina. O olhar sobre o ambiente e a conversa sobre ele despertam quem está em volta. Para entender que as coisas não têm mais volta.

E em relação a alimentação?

Penso muito nisso. O quanto a gente joga comida fora, o quanto a gente gasta. Comecei a comprar muito produto orgânico. Claro que é muito mais prático, às vezes, ir lá no supermercado e comprar tudo. Mas às vezes a feirinha do orgânico que está ali do lado precisa do nosso olhar. No fim das contas, pra poder fazer diferença mesmo a gente precisa sair da inércia. Tem que se mexer. Gastar mais energia. Mas o ser humano, como bicho, é feito para acumular energia. A gente não quer andar um pouco mais, sair da nossa rotina. Hoje é mais fácil, mas há dez anos se você falasse sobre veganismo, ninguém entendia o que estava acontecendo. Hoje você tem no iFood restaurantes veganos, vegetarianos que seja, para trazer pra perto.

Continuo nessa minha luta. Já diminuí muito o consumo de carne. Em casa começamos a pedir umas marmitinhas vegetarianas. Não é fácil e não estou julgando ninguém. Estou dizendo que a gente tem que tentar se modificar. Diminuir o consumo de carne, por exemplo, é uma coisa que faz bem para o corpo humano. Os médicos dizem. Então por que não fazer um bem pra você mesmo?

Fábio Porchat

Rafael Roncato/Folhapress

Como você vê essa dicotomia entre agronegócio e meio ambiente? É mais ou menos como a dicotomia saúde versus economia na pandemia?

Não precisava ser. A maioria do agro é muito boa, mas aquela pequena parcela que faz queimada proposital, que derruba árvore, que invade, acaba sujando o nome de todo mundo e isso é muito ruim. O pessoal do bem já sacou que precisa se juntar pra não deixar que essa minoria barulhenta, e que faz um estrago violento, destrua em nome do agro. O agro, no fim das contas, é o que leva o Brasil nas costas. Por isso é muito importante ter fiscalização, diálogo aberto. A gente quer que as florestas continuem de pé, que a emissão de carbono continue no limite do aceitável. Não adianta a Europa ser bonitinha lá fora e falar "não, nós proibimos aqui estes pesticidas", mas comprar de países em desenvolvimento que utilizam estes produtos. No fim das contas, você está fingindo que está fazendo a sua parte quando não está. Não adianta ser contra o desmatamento e comprar madeira ilegal. Se não tem quem compre, quem quer vender não vai vender. Isso é demanda, oferta e procura.

Falar sobre meio ambiente exige um trabalho de desconstrução, como acontece em outras causas sobre as quais você tem se posicionado?

É menos desconstrução e mais construção. É aprender, ouvir, ler, ver documentários. Fui me interessando cada vez mais pelo planeta Terra. Entendendo como tudo está conectado. A gente deveria aprender mais isso ainda na escola. Não só porque é bonito salvar os animais, as plantas, as nossas florestas. Mas para entender racionalmente por que é importante salvar a floresta. A criança é inteligente. Se você explica pra ela que tudo tem uma interdependência e só estamos aqui hoje por conta do mosquito da Amazônia, isso faz com que a gente lute com mais força pelo nosso futuro.

A gente deveria se revoltar quando vê alguém jogando lixo na rua. Era para ser uma coisa impensável. Eu gosto muito de viajar para lugares com praia ao redor do mundo e é uma desgraça o que tem de lixo no mundo inteiro, não é só no Brasil, não. Acho que tinha que ter uma lei no Brasil, por exemplo, em que os hotéis que estão nas praias deveriam ter a obrigação de limpar o lugar. Tinha que ter a obrigação de catar tudo o que está ali. Se você está na areia e você vê o lixo na areia, não é possível que não te mova, não te incomode a ponto de você tirar aquele lixo de lá, tirar aquela garrafa, aquele isopor, e levar para uma lata de lixo.

Referências para Porchat na luta ambiental

  • Marina Silva

    "É uma pessoa de que gosto e admiro muito por ser muito ligada nessa causa. E que tem opiniões que eu respeito e admiro. Ela é uma pessoa que sempre tento seguir para saber o que ela está pensando, quem ela está ouvindo, que caminho está seguindo. Gosto muito dela. E, claro, é difícil dividir a Marina política dessa Marina. Mas ela, antes de tudo, é uma ativista. O que ela fez pelo país e pelo meio ambiente é sensacional."

    Imagem: Lucas Lima/UOL/Folhapress
  • Ailton Krenak

    "Do Krenak tenho lido artigos. Dá uma certa aflição ver as pessoas lutando sozinhas. É o que parece. A luta do Krenak deveria ser uma luta de todo mundo. Ele está lutando por todos nós juntos. As pessoas não vestem a camisa, não pegam o bastão e saem correndo. E esta é uma corrida de revezamento. Não uma São Silvestre em que se corre sozinho. A gente tinha que estar com ele nessa."

    Imagem: Divulgação

E é possível tratar questões do meio ambiente pelo filtro do humor?

O humor é aliado sempre em toda luta, em toda causa. O humor é muito efetivo, chega muito rápido e imediatamente. O humor tem que ser sempre um aliado. Também nesta causa, por que não? Lembro de uma aula de roteiro em que o professor falou: "people care about people". Ou seja, as pessoas se importam com pessoas. Com meio ambiente, as pessoas tendem a não se importar tanto. Então tem que personificar a floresta um pouco de alguma forma, personificar essa matança pra fazer graça disso. É uma boa ideia pra criar alguma coisa para o Porta dos Fundos.

Um personagem inspirado no Ricardo Salles é uma bola quicando, então?

A imagem dele, para mim, é quando o óleo atingiu as praias do Nordeste e ele foi de mocassim até lá. Quer dizer: o maior derramamento de óleo da costa brasileira e estava lá o ministro do Meio Ambiente de mocassim na praia, uma calça meio pesca-siri, olhando e achando aquilo... quer dizer, é uma pessoa que não pisa na areia, que não veste a camisa, não visita, não vai atrás.

Rafael Roncato/Folhapress Rafael Roncato/Folhapress

O festival digital Hora do Planeta será transmitido ao vivo em Ecoa no sábado (27) a partir das 13h. Além da mesa com Porchat, Mauricio de Sousa, Krenak, Gil e Eric, o festival terá presença da colunista e médica Júlia Rocha, da cientista Natalia Pasternak, dos chefs João Diamante e Rodrigo Oliveira, e do ativista René Silva, da Voz das Comunidades.

A programação de debates vai até às 20h30, quando acontece a Hora do Planeta, ato simbólico de apagar as luzes por 60 minutos com o objetivo de conscientizar pessoas, empresas e governos sobre a crise climática.

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