Ecoa — A Lei de Cotas acaba de completar dez anos. Como a democratização do acesso à universidade pelas cotas impactou a sua vida?
Gil do Vigor — Eu nunca teria entrado na universidade se tivesse que pagar, porque eu era "pobre de marré deci". Imagina, ganhando mil reais por mês, o curso de economia na maioria das universidades privadas custava de quatrocentos a seiscentos reais, tendo que pagar aluguel, água, luz, alimentação e tantas outras coisas. [Sem democratizar o acesso] a academia perde mentes pensantes. Com o sistema de cotas, a gente começa a ver a diferença na universidade. Isso faz com que [ela] cresça tanto em termos de ciência quanto [em termos] sociais, porque coloca as pessoas para conviverem com a diferença e acho que esse convívio é muito positivo para nossa sociedade.
O sistema de cotas veio como um "resolvedor" rápido de um problema que existe há muito tempo. Alguma coisa tinha que ser feita, mas a gente sabe que durante esse tempo não dá pra viver apenas do sistema de cotas: precisamos focar em melhorar a educação pública para ter um sistema em que os jovens consigam ter igualdade em suas competições acadêmicas e tenham preparo vindo tanto de escolas privadas quanto públicas para acessar as universidades públicas.
Você enfrentou dificuldades no ambiente universitário?
O sistema de cotas foi uma salvação. Por isso sou tão grato pelas políticas públicas terem sido feitas focando de fato em dar acesso aos jovens mais humildes, para que a gente conseguisse ver mais diversidade dentro da universidade. Mas ao mesmo tempo a gente acaba sofrendo, porque as pessoas acham que as universidades são do povo que tem mais dinheiro. Eu vejo algumas pessoas falando que o sistema de cotas está tirando a vaga de outras pessoas, quando a gente não está tirando a vaga de ninguém. Estamos simplesmente tentando resolver um problema que nunca deveria ter acontecido, que é a disparidade educacional entre pessoas com diferentes rendas.
Quando a gente entra na universidade, as pessoas começam a olhar o cotista como alguém que está ali sem merecimento. Quando não, nós merecemos. Por que não é só ser cotista para entrar na universidade, precisa de uma nota.
Em termos acadêmicos, várias variáveis afetam quão preparado eu vou estar. A renda dos pais, a escola de que você veio, os teus amigos, se você trabalhou ou não, tudo está relacionado à nota que você vai tirar no vestibular. Quando você é colocado pra disputar com pessoas que têm uma realidade social parecida com a sua, essa competição acaba sendo um pouco mais justa.
Quando a gente entra na universidade, a gente tem que explicar isso e lidar com esses olhares. Como essa política de cotas foi implantada há alguns anos, as pessoas hoje já começam a ter uma visão diferenciada disso. A gente começa a fazer com que as pessoas entendam um pouquinho mais sobre a importância do sistema de cotas, que ninguém está roubando vaga de ninguém, pelo contrário, nós estamos de fato reivindicando aquilo que é nosso.
Mas ainda assim é uma dificuldade conviver nesse ambiente em que as pessoas nos olham diferente. Elas têm algumas frases e palavras que acabam nos machucando, alguns falam que não é proposital, mas é justamente nessa inocência que se faz com que um aluno que lutou muito pra conseguir desista do curso, não consiga se manter ali porque começa a se achar inferior.