Como você começou a produzir conteúdo? De onde surgiu essa ideia e por quê teve vontade de entrar nesse mundo?
A ideia em si surgiu com o desemprego. Mas eu já tinha uma ideia do que queria fazer com o canal antes de iniciar: era falar sobre raça. Como eu tinha feito Comunicação na faculdade e tinha uma noção melhor de como estruturar as coisas, eu desenhei as linhas editoriais deste canal. Na universidade, pesquisei sobre o papel das redes sociais na valorização da estética da mulher negra.
Sempre fui uma pessoa antenada às questões sociais, mas ainda não entendia muito bem como o racismo estruturava nossa sociedade. Meus pais, por mais que falassem que eu poderia estar em todos os lugares, que precisava estudar, ter orgulho? Mesmo assim as palavras "raça" e "racismo nunca eram utilizadas. Era sempre algo como: "Ah, as pessoas podem te olhar de uma forma negativa, mas você precisa levantar a cabeça", esse tema sempre foi abordado de uma forma nebulosa dentro de casa.
Enquanto eu estava pesquisando, pensei em analisar blogs e canais de Youtube, então fiquei imersa naquele meio. Naquela época eu consegui identificar que nos canais existia um espaço aberto, principalmente se tratando de mulheres de cabelo crespo e pele escura. Tinham muitas meninas negras falando de cabelo cacheado, mas crespo não.
E o debate sobre raça estava ainda muito nos blogs, no Blogueiras Negras e no Géledes, por exemplo, que foram os meios que me fizeram entender que o olhar sobre estética e estética negra, principalmente, não está resumido só em mudar de cabelo. Quando eu pesquisava sobre transição capilar, aparecia algum texto do Blogueiras Negras e isso me levou a outros temas, a começar a ler mais autores negros.
A primeira que eu li, na verdade, foi "Tornar-se Negro", da Neusa Santos Souza, em que ela traz uma leitura sobre a pessoa negra em ascensão no Brasil e como ela se sente fora do lugar por isso. Foi por causa desse livro que comecei a entender que as questões que passei em relação à minha autoestima não eram resumidas a mim, não era só eu que era a feia da escola, entende? Não era uma questão individual, era estrutural.
Depois de terminar a faculdade, o trabalho em que eu estava durou só mais seis meses. Nisso, eu pensei: por que eu não tento passar as mensagens que aprendi no meio acadêmico, com que só tive contato porque estava na universidade, de forma natural e traduzida para o grande público? Porque essas discussões fizeram toda diferença na minha vida e estavam fazendo mudando também a vida da minha família. Sempre levei tudo que aprendia para a mesa da minha família, com minha mãe e minha tia, principalmente. Aí nós começamos a falar mais sobre essas questões. "Por que, como mulheres negras, a gente se autodeprecia tanto?", começou a ser um questionamento nosso.
E eu via que isso estava fazendo uma diferença na minhamicro comunidade. Por isso, pensei: por que não tentar ampliar essas conversas? Porque se você pensar que a maioria da população negra não vai acessar um espaço acadêmico, essas discussões precisam romper as barreiras da universidade e chegar para negros e negras de alguma forma.
Então, desde o início sabia que queria falar sobre estética porque, primeiro, sabia que serviria como isca pra muita gente chegar ao canal. Uma menina em 2015, provavelmente, não ia procurar sobre "racismo estrutural", mas ela poderia pesquisar "como finalizar o cabelo crespo."
Ainda funciona assim? Você continua usando a estética para conseguir levantar discussões sobre temas raciais ou acha que a aceitação do público já é maior quando você fala diretamente sobre racismo?
Hoje em dia sinto que posso produzir qualquer conteúdo que quiser porque acredito que o meu público já entendeu que eu sou uma pessoa múltipla que tem vários gostos, que fala sobre questões estruturais, mas que também ama falar sobre maquiagem. Amo falar sobre cabelo, amo cozinhar, amo falar sobre coisas da casa? E acho que esse entendimento é muito importante para a naturalização da nossa existência. Ninguém é só ativista. Quando a gente pensa na construção desses ícones negros, muitas vezes vai para o caminho da desumanização, de não querer ver a pessoa como pessoa. Você nunca quer ver aquela pessoa como ela é: como alguém que tem medos, que tem seus problemas, que erra, que tem seus gostos...
Inclusive, no seu podcast Afetos com a Karina Vieira, os temas abordados passam muito por essa humanização, não é? Vocês falam sobre sentimentos como insegurança, medo, amor, solidão... E você sempre coloca as suas experiências de vida na mesa. Como você tem encarado falar sobre essas vulnerabilidades na internet?
O Afetos é meu xodó. Pensando em lugares que eu gosto de habitar na Internet, o podcast é o que mais gosto. Não sei se é porque não mostramos o rosto e isso te deixa mais confortável... Quando pensamos em criar o Afetos, usamos uma linha que uso no meu canal também, que é: esse não é um conteúdo de certezas. Eu não tenho nenhum problema em falar "eu acho", em vez de "isso é assim".
Fui uma adolescente muito dura, firme com minhas certezas, eu era sempre 8 ou 80. E quando eu cheguei aos 20 isso mudou. Mudei totalmente minha visão de mundo e como eu enxergava as coisas. Depois disso, sinceramente me sinto muito confortável na posição de ser uma pessoa que muda de opinião.
E aí quando falo que não estou ali para te guiar, as pessoas se incomodam porque elas esperam que você dê dar a palavra final para elas tomarem uma decisão. Ser um guia. E eu não quero estar nesse lugar.
Quando eu olho para o conteúdo do meu canal eu não sinto vergonha de nada que eu fiz e eu não apagaria nada porque todo conteúdo que produzo tem como base a responsabilidade. Eu me preocupo com o que vou colocar no ar e o que vou falar para as pessoas. Mas ao mesmo tempo eu sei que meus valores não mudaram, continuo sendo uma pessoa pragmática, tenho minhas opiniões, às vezes elas se tornam mais amplas. Por isso, eu tenho essa sensação de não me arrepender de nada porque eu sempre me estabeleci neste lugar de: "estou mostrando minha visão para vocês, mas essa não é a única verdade. Só estou mostrando algumas opções de caminho e pensamento."