GALINHAS LIVRES!

Contra canibalismo, galinhas são criadas
fora de gaiolas em São Paulo









Marcos Candido (texto)
Mariana Pekin (fotos)

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De segunda a sexta, uma fábrica em São Paulo embala 115 mil ovos botados por galinhas livres. As aves vivem sem gaiolas, não tomam remédios, são alimentadas sem agrotóxicos, se empoleiram e dormem pelo menos seis horas diárias. Algumas "almoçam" alimentos orgânicos.

É um método mais caro e difícil que o tradicional, mas deve ser o mais usado nos próximos anos. E é assim que começa:

Na chacára Seis Amigos, na cidade paulista de Ipeúna, 5.800 galinhas entram e saem de um galpão sob o olhar de Reinaldo Piassa e Ana Maria Piassa. O casal cria as aves livres há dez anos. Os ovos são enviados para a distribuidora da Korin, ali perto. A empresa investe nesse tipo de criação há quase 30 anos.

Para dar conta da produção, granjas são contratadas pela Korin em um raio de 60 km da sede da empresa. A empresa instrui, auxilia e oferece ração. Quando chegam à distribuidora, os ovos são recepcionados e colocados em esteiras. Os ovos são lavados e secados por uma máquina. A seguir, vão de esteira até a ovoscopia. Nesta etapa, lâmpadas iluminam e revelam rachaduras invisíveis a olho nu. O ovo fora do padrão - grande, pequeno ou manchado - é separado e vendido mais barato para funcionários.

O massacre das galinhas

Ao contrário do das galinhas livres, o método convencional é chamado "gaiolas em bateria" — e costuma ser sangrento. Neste modelo, as aves ocupam o espaço de uma folha de sulfite A4, com luzes acesas, onde, costumeiramente, praticam canibalismo. Por conta dos ataques de uma ave a outra, muitas têm os bicos cortados.

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Há problemas críticos de bem-estar animal", explica Elsa Helena Barreto, coordenadora de certificações de cuidados animais. Segundo ela, 90% dos ovos consumidos no Brasil originam-se das gaiolas em bateria.

Quero uma granja no campo

As galinhas livres são criadas no modelo caipira. Sim, esse é o significado de caipira. Além de soltas em um galpão, as aves têm acesso ao exterior, hora de descanso, mais espaço e comem ração sem proteína animal. Não é permitido o uso de antibióticos preventivos para impedir doenças futuras.

Já o ovo orgânico também usa o sistema caipira, mas toda a alimentação também precisa ter certificação orgânica. Nos dois modelos, Elsa explica que as galinhas vão para abate após o período produtivo, mas podem ciscar, abrir asas e conviver com mais bem-estar.

O cocô da galinha é misturado à "cama" de terra, onde há micronutrientes usados posteriormente como adubo. Uma curiosidade: a cor do ovo marrom significa que a galinha é marrom. O ovo branco, de uma galinha branca. Por outro lado, o ovo marrom não significa que o método é caipira, como muitos costumam pensar ao ver ovos mais escuros no supermercado.

Na distribuidora, após serem lavados e secados, os ovos das galinhas livres são "tatuados" por um laser para receber o código de origem e data de validade. Depois, são organizados em embalagens de plástico, de 10 a 30 unidades, e colocados em caixas de papelão para serem transportados.

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O ovo filosofal

Luiz Demattê, presidente da Kórin, explica que a empresa foi criada por adeptos da filosofia de Mokiti Okada, japonês espiritualista que fundou a Igreja Messiânica Mundial e morreu em 1955. Okada introduziu o próprio conceito de agricultura natural - uma forma de entender que a natureza possui um equilíbrio inerente.

"Ele sempre objetivou o que chamava de construção de um mundo ideal, isento da doença e da pobreza (...) Uma das coisas fundamentais para se atingir [este mundo] é uma agricultura baseada nos princípios da natureza", diz.

Hoje, a concorrência é maior do que nos anos 1990, quando a empresa foi fundada. E deve aumentar. Redes mundiais de lanchonetes, como o Burger King, e de supermercados, como o Carrefour, além de grandes hotéis, pretendem parar de comercializar e usar ovos de bateria.

No Brasil, o Movimento Brasil sem Gaiolas articula projetos de lei entre vereadores e deputados para proibir os ovos "de bateria" na merenda e em hospitais públicos e reivindica a educação da população sobre o modelo.

Demattê espera que haja mais estímulos para criar um mercado mais competitivo. Em uma rede de mercados em São Paulo, uma dúzia de ovos tradicionais custa R$ 10. Já dez ovos caipiras custam quase R$ 20. Mas ele também se diz feliz sobre o futuro: "A gente se sente orgulhoso de dizer que grandes empresas também estão fazendo [o que nós fazemos]".

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Publicado em 13 de outubro de 2022.

Edição: Fred Di Giacomo

Reportagem: Marcos Candido

Edição de Imagem: Lucas Lima

Fotos: Mariana Pekin

Direção de Arte: René Cardillo

Design: Bruna Sanches