Construindo a sobrevivência

Na Cracolândia (SP), teatro vira base de apoio e coletivos criam laços para reduzir impacto da Covid-19

Thais Regina Colaboração para Ecoa, em São Paulo Edson Lopes Jr./UOL

Na praça da República, o relógio marca 10h30 de uma segunda-feira ensolarada de inverno. Cleiton Ferreira, artista visual de 41 anos conhecido como Dentinho, avisa uma pessoa em situação de rua que logo mais há distribuição de marmitas a 3 km dali, no Teatro de Contêiner Mungunzá. "Onde é esse lugar?". Ele responde que é perto do fluxo, no bairro da Luz. "Cracolândia? Eu tô fora", diz a pessoa. E vai embora. "Nem todo mundo da rua vai na Cracolândia", explica Dentinho.

São mais de 24 mil pessoas sem moradia na cidade de São Paulo, segundo o Censo da População em Situação de Rua de 2019, apresentado em janeiro deste ano pela Prefeitura. Dessas, 45% (ou seja, 10.955) vivem transitoriamente na Subprefeitura da Sé, onde fica a chamada Cracolândia.

"A Cracolândia nunca é pautada pelo aspecto social e da saúde, ela é sempre pautada pelo lugar do ilícito, do que está fora da lei", diz Marcos Felipe, de 36 anos, que faz parte do coletivo de artistas e educadores que distribui as marmitas desde que começou a quarentena por ali. De um espaço de peças e apresentações, o teatro se transformou nos últimos meses: hoje ele é ponto estratégico para ações comunitárias.

Com a pandemia do novo coronavírus, as ruas do centro de São Paulo viraram palco de desespero. Marcos conta que o que gera algum dinheiro para quem vive por ali é manguear (pedir esmola) e fazer reciclagem - o que ficou prejudicado, especialmente nos primeiros meses de isolamento, com o comércio fechado. Além disso, paira no ar outra insegurança constante. Na quinta-feira (30) passada, o titular da Secretaria de Habitação municipal, João Farias, disse que o plano da Prefeitura é revitalizar esse território, alvo de disputa há décadas, para construir unidades habitacionais populares, o que deve custar a remoção ou desmobilização gradual de quem circula ou vive naquelas vias.

Foi ao perceber como o momento afeta essas pessoas que a Mungunzá, como outros grupos culturais da região, deixou seu propósito original em segundo plano e começou a se organizar para outro fim: a sobrevivência de quem está tão perto.

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Ajuda de quem já esteve lá

"Um dia eu me encontro na saída do metrô São Bento e falo 'que se foda, não volto mais'. Assassino o Cleiton e nasce o Dentinho", conta o artista enquanto caminha. "Sempre tive vergonha de sorrir, tá ligado? A sociedade te põe critérios muito injustos. Todo mundo tem dente cariado, mas o pessoal esconde. Eu valorizo muito o sorriso banguela, o abraço sujo. Porque é verdadeiro", diz ele. Dentinho sorri bastante e ri alto. Andar com ele pelas ruas do centro de São Paulo é distribuir (e receber) calorosas saudações de "bom dia", olhar para tudo e falar com todos. Ele conhece a área como a palma da mão e sempre sabe a hora de atravessar a rua, mesmo com o sinal aberto. Morar oito anos na Cracolândia não é para qualquer um.

Dentinho está desde 2015 no processo de parar de consumir crack e reconstruir seus vínculos sociais. Ele participou do programa De Braços Abertos, da gestão Fernando Haddad (PT), que atuou na região de 2013 a 2017 e pregava uma política de redução de danos. As recaídas são boicotes que, eventualmente, todo usuário vai pregar em si mesmo, acredita. "É uma substância mais compulsiva, mas não é diferente das outras drogas que tem nas farmácias, nas raves e nas festinhas da faculdade", provoca. "Aqui o cara é 'noia', mas o cara que está lá na rave é o quê? Ele é frito - 'ah, eu fritei!' Às vezes usa química mais pesada que o crack, mas essa é a droga da rua, a droga do pobre. Crack é um crime de eugenia", completa.

A exclusão social de certos tipos de droga, e consequentemente de certos usuários também, remonta a chegada do crack em São Paulo, nos anos 1990. O jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP) Bruno Paes Manso, que estudou a variação dos homicídios na capital entre 1960 e 2010 em sua tese de doutorado, conta em sua pesquisa que o crack construiu uma nova organização de tráfico nas comunidades, na qual o "noia" - termo usado para designar pessoas viciadas na substância por conta da paranoia que a pessoa entraria sem o uso - representa "a essência do que não se pode tolerar nesse novo contexto." Logo, ele é indesejado e o alvo mais fácil da guerra às drogas. A falta de pertencimento social e a violência sobre essas pessoas em suas comunidades culminou, ainda nos anos 1990, em um território transitório, exposto e aterrorizado: bem-vindo à Cracolândia.

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Tudo bem, meu querido?

É nesse contexto que os coletivos Tem Sentimento, Pagode na Lata, Paulestinos, Craco Resiste, além da já citada companhia Mungunzá articulam ações sociais hoje. Existem algumas parcerias com o centro de convivência É De Lei, o espaço cultural Casa do Povo, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, e também com políticos como os vereadores Eduardo Suplicy (PT) e Soninha Francine (Cidadania).

Em abril, a SMDHC publicou um edital chamado Projeto Rede Cozinha Cidadã, com o objetivo de gerar renda para restaurantes e atender as necessidades básicas das pessoas na rua. Assim, a Prefeitura custeia refeições entregues diariamente em pontos estratégicos da cidade, nas Subprefeituras da Sé, Mooca, Lapa, Santo Amaro, Vila Mariana, Santana e Pinheiros. Desde 23 de abril, quando se iniciou a distribuição das marmitas produzidas pelos estabelecimentos credenciados, foram distribuídas 799.475 refeições.

Já as unidades Emergenciais de Atendimento (ATENDE) registraram, entre 16 de março e 23 de julho, 159.030 apoios entre banhos, refeições, pernoites e oficinas, informa a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS).

No Contêiner, a ação dura em torno de vinte minutos. Dez minutos antes de abrirem os portões do teatro, duas filas vão se organizando sem muito espaçamento entre as pessoas, a maioria com máscaras de pano. Os portões são abertos. Duas pessoas se posicionam no início de cada fila: a primeira passa com um borrifador, e as mãos se prontificam para receber e espalhar o álcool em gel; a segunda entrega as marmitas uma a uma. Enquanto isso, outras duas pessoas vão levando as marmitas em pilhas de cinco, da mesa até quem distribui.

Como o espaço tem recebido doações, entre roupas, cobertores, itens de higiene, no final da entrega da alimentação as pessoas do teatro fazem uma distribuição pontual, a partir das necessidades expostas. A caixinha de som do Contêiner suaviza a dura natureza da rotina: toca-se pagode, samba, e Dentinho traz sorrisos à tona com seus "bom dia", "boa tarde", "tudo bem, meu querido?", cheios de carinho. São 500 marmitas no total e, ainda assim, todos os dias, poucos minutos após o encerramento, aparecem mais pessoas em busca de refeição.

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Território complexo

Também em abril, a organização Médicos Sem Fronteiras, conhecida por sua atuação global durante crises humanitárias, passou a trabalhar na região. Geógrafo de formação, Bruno Trindade era da equipe de captação de recursos para a entidade antes da epidemia. Ele estava em casa quando recebeu uma ligação. "Era um convite de treinamento para me tornar promotor de saúde e atuar no projeto contra a Covid-19. Lógico que topei", conta. Como a maior parte das pessoas da capital, Bruno cresceu sabendo da existência da Cracolândia mas, aos 33 anos, pisou pela primeira vez no território. Com uma equipe de dois promotores de saúde, dois enfermeiros (ou um enfermeiro e um médico, a depender do dia) e uma pessoa para alinhar a logística, a MSF construiu uma base no espaço do Ação Retorno, projeto de auxílio a usuários abusivos de drogas, com sede próxima ao fluxo.

O plano de atuação era a equipe entrar no fluxo e, se identificasse um caso suspeito, tentaria convencer a pessoa ir para a base. As especificidades do território mostraram que isso não seria fácil. Bruno explica que o vício está muito relacionado com a falta de ligações afetivas. "O que a gente vê [na Cracolândia] são pessoas decepcionadas por ene motivos. Conversei com gente que fugiu de casa, alcoólatras. Por outro lado, tem aqueles que só usam crack de fim de semana porque têm trabalho. É muito louco: de semana a Cracolândia reúne de 500 a 600 pessoas, e de sexta a domingo vai para 1.000", diz. "É sobre o nível de ligação com a substância - que não é boa, nem má, crack é uma substância. Não dá para colocar juízo de valor em droga, mas é interessante estudar como a gente se relaciona com ela", opina.

Durante o tempo em que atuou com a Médicos Sem Fronteiras na Cracolândia, de abril ao fim de maio, Bruno observou que as pessoas têm apego ao cachimbo e ao ambiente, ou seja, à ferramenta e ao lugar de uso. Esse redirecionamento de afeto combinado com a ação compulsiva do crack tornaram a triagem complexa, pois as pessoas precisavam deixar o espaço e, uma vez confirmados os sintomas na base, seriam internadas por 14 dias longe dali.

Bruno entrava no fluxo para se aproximar das pessoas e, nessas incursões, deparou-se com uma doença mais popular que o coronavírus. "Tuberculose é comum entre a população em situação de rua, por agredir as vias respiratórias, onde o crack também atua", explica. "Eu perguntava 'o que que é essa tosse?'. 'TB', respondiam. O tratamento de tuberculose é de seis meses, com medicação em horários rígidos. Pessoas em tratamento não podem dormir na rua, em primeiro lugar - o Estado deveria garantir auxílio, mas os abrigos estão superlotados", explica.

"Não é só o coronavírus."

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Se a triagem é complicada, o trabalho de orientação torna-se ainda mais necessário. "A mensagem é sempre adaptada, a gente tem que entender qual é a situação da pessoa", explica Bruno. "Na Cracolândia, não dava para distribuir álcool em gel porque a pessoa tem que estar com as mãos limpas para ter efeito prático, a camada de sujeira nas mãos das pessoas faz com que o álcool em gel não higienize da maneira que deveria. Também não tem como chegar lá e falar para essas pessoas lavarem as mãos - tem um caminhão pipa para beberem água, que deveria estacionar todo dia, mas tem dia em que ele não vai. Então a gente pensava: o que eles fazem que é mais perigoso? Compartilhar cachimbo", conta.

Até 3 de agosto, a Prefeitura divulgou 80 mortes confirmadas ou suspeitas por Covid-19 na República e 123 na Santa Cecília, principais distritos que hoje abarcam, com limites flutuantes, a Cracolândia. O maior número de óbitos pelo novo coronavírus até a data era em Sapopemba, distrito na zona leste (437).

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Onde dividir é lei

Tudo é compartilhado na Cracolândia. Dentinho coloca isso quase como uma ordem natural das coisas: "Você que vá ganhando, ganhando e não compartilhe: você vai ser tomado".

Bruno relaciona o hábito a condição social. "Quanto maior a necessidade que você está, maior é o seu senso de comunidade, mais você compartilha." O geógrafo e promotor de saúde lembra de ter visto pessoas dividirem o bife da marmita na mão umas com as outras. A partir disso, a doação de piteiras para os cachimbos foi uma forma de prevenção, tanto para a tuberculose - que se transmite pela saliva, tosse e espirro - quanto para o coronavírus. Eram recomendados ainda cuidados de higiene: tentar dormir mais longe um do outro, manter um único parceiro sexual e usar máscaras.

Outra ação emergencial na pandemia é a Vidas no Centro, que consiste em instalações com estruturas de banheiro em sete pontos da cidade. Fruto da união das secretarias municipais de Turismo e Assistência e Desenvolvimento Social, a iniciativa proporciona uso de sanitário e banhos quentes para pessoas em vulnerabilidade social. São distribuídos no local kits para higiene bucal, toalhas e sabonetes descartáveis. Há postos na Praça da Sé, Praça da República, Praça Cívica Ulisses Guimarães (Parque Dom Pedro II), Largo do Paissandu e Largo São Francisco, que funcionam diariamente, das 7h às 19h. Até o dia 5 de agosto, foram realizados 522.700 mil atendimentos.

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Tem que ter sentimento

"Para mim, a Cracolândia passou a existir a partir do primeiro dia que eu pisei aqui para trabalhar - foi no fim de 2013, na implantação do programa De Braços Abertos. Comecei fazendo abordagem de rua e esse território me assustou muito. A primeira vez tem um impacto muito grande, tanto que até eu voltei para casa naquela incerteza: será que eu quero trabalhar nesse lugar?", lembra Carmen Lopes, de 49 anos. Ela quis. Foi parte do programa da prefeitura até seu desmantelamento, em 2017 e, depois disso, criou e passou a atuar por meio do Tem Sentimento, coletivo formado por mulheres da Cracolândia, cujo objetivo era dar oficinas de autocuidado no largo General Osório. Com a epidemia, o grupo tem focado na geração de renda, então tem ensinado a costurar e ajuda na venda dos produtos feitos, tais como máscaras e bolsas.

Carmen se tornou uma referência ali, uma mulher com um olhar muito sensível para as pessoas - que, por sua vez, a veem como inspiração. "Eu saí [do De Braços Abertos] e continuei fazendo esse trabalho, não quis sair do território. Eu não tenho essa opção de desistir. Você vai caminhando em frente, vai caindo, levantando, mas vai em frente", diz a assistente social. Segundo ela, não há iniciativa tão inovadora na política de drogas quanto o De Braços Abertos, por ter sido um programa construído de forma participativa.

Para Dentinho, "para você fazer trabalho com população de rua você tem que ter vínculo".

Tem que olhar o cara no olho e saber que ele é igual a você - nem melhor, nem pior. Aí você vai ter credibilidade para ele se abrir. Eu já deitei aí, eu sei o que é: dia de frio, dia de calor, ir no comércio e ser olhado diferente, não poder tomar uma água, ir ao banheiro

Cleiton Ferreira 'Dentinho", artista visual

Sucessor do De Braços Abertos, o Programa Redenção é a política pública em vigência na Cracolândia hoje. Focada na estratégia de desintoxicação seguida de abstinência, a ação da gestão João Dória (PSDB) prioriza acolhidas em comunidades terapêuticas de maioria religiosa e fez parcerias com hospitais para disponibilização de leitos para internações. Já houve tentativas para que essas se tornem involuntárias. Com o atual prefeito Bruno Covas (PSDB), o projeto entra em sua segunda fase, mais alicerçado com propostas de trabalho e abrigo, mas com apenas dois dos sete hotéis sociais, herança do DBA, em funcionamento.

Consta também na proposta de 2017 o "combate contínuo ao tráfico por meio da Polícia Civil" com ações programáticas de "policiamento preventivo com efetivo de GCMs e viaturas" e "monitoramento eletrônico via programas DronePol e CityCâmeras". Dentinho descreve as ações da polícia no território como efeito formigueiro. "Se você olhar com atenção, tem uma base [da GCM] ali, tem outra ali, outra lá e outra lá: um quadrado", ele aponta, desenhando no ar. "Nesta vida transitória, a gente é monitorado 24h por dia. Se o cara está com o cachimbo na mão, a arma dele é o cachimbo. Há uma ação de autodefesa, que vira o motivo para eles (os policiais) dizerem que foram atacados. É aí que eles entram, a gente sai e nas proximidades estão as contingências da Militar, que busca e prende", conta. No dia 9 de abril, com a curva da Covid-19 crescente na cidade, houve uma ação da GCM no fluxo da Cracolândia em que se pode observar o efeito formigueiro. Em 28 de julho, Dentinho estava a caminho do hotel em que mora quando viu uma operação policial em curso.

Sobre a ação de abril, em nota da Secretaria de Segurança Pública veiculada no UOL, a Polícia Militar disse "que não houve uso de munição química ou disparos de elastômero por agentes da instituição. Por volta das 16h20 desta quinta-feira (9), a PM prestou apoio a uma ação da Guarda Civil na rua Helvetia, para que agentes municipais pudessem higienizar as ruas da região".

Para o artista, a especificidade da Cracolândia torna a meta de prender traficantes complexa, porque o crack é uma moeda dentro do território, e as figuras do traficante e do usuário não são tão delineadas. "Se o cara pegar uma flanelinha, ir pro farol e ganhar um real, trabalhou. Trabalhadores braçais que fazem a limpeza urbana da cidade, levam o papelão, são o braço forte da continuação do crescimento da cidade e não são reconhecidos por isso. Agora se o cara pegar a droga do uso dele, quebrar e trocar por um cigarro, por um tênis, ele está dando o jeito dele de sobreviver", diz. Como consequência, todas as pessoas ali seriam alvos fáceis de prisão por tráfico.

Edson Lopes Jr./UOL Edson Lopes Jr./UOL

Quem se importa, afinal?

Ainda que com limitações, a presença dos coletivos citados nessa reportagem na região é uma das formas de garantir a segurança, sobrevivência, reflexão e reinserção social das pessoas que vivem no fluxo.

"A Cracolândia hoje é o resultado da sociedade em que a gente vive, completamente desigual", diz Marcos Felipe, da companhia teatral Mungunzá. "É uma aglomeração de pessoas pobres e pretas, aí rola o estigma de bandidos, criminalizando o uso de drogas", completa.

O promotor de saúde Bruno Trindade, que atuou na Médicos Sem Fronteiras, faz uma comparação. "Estudando a questão da heroína na Europa, percebi que ela se tornou uma coisa perigosa nos anos 1970 - muitos jovens estavam usando e a sociedade toda se juntou em um projeto, porque quem estava usando era o filho branco do juiz, do desembargador. Quem é mais pobre no Brasil são os negros, então [crack] é droga de pobre, é droga de preto. Tem lei que dá certo e lei que não dá certo porque a sociedade precisa comprar [a ideia da] lei. A gente só não tem um projeto contra essa estrutura por causa do racismo: quem usa, quem está lá? Todo mundo sabe que existe a Cracolândia. O principal problema é o racismo. Se não, a sociedade estaria mais indignada, pressionaria o poder público", provoca.

"A cada mandato querem apresentar algo novo, eliminam aquilo que já foi feito, então nunca você vai chegar numa resposta sobre o que dá certo porque o poder público não oferece tempo de conseguir mudar algo. Se você pensar um programa para Cracolândia de 20, 30 anos atendendo essa população, seria possível ter um resultado", crê a assistente social Carmen Lopes.

Marcos Felipe diz que aprendeu na Cracolândia a resistir ao quase instintivo olhar que congela a pessoa, julga sem o exercício de entender de onde ela vem e o que viveu até chegar ali. Já Bruno Trindade diz que a Cracolândia o "ensinou a dar uma narrativa para cada ser". "O ser humano é muito complexo e mágico. Ali tinha roda de samba, de pagode [que surgiam] do nada, as pessoas rindo - olha que bonito. Eles por eles", diz. E quem são "eles"? O que os difere de "nós"? Dentinho repetiu uma frase várias vezes durante a conversa com a reportagem: "Nunca diga nunca".

Quem hoje ajuda ali com alimento, cobertor, álcool em gel, máscaras, geração de renda, auxílio médico ou uma conversa que seja aprendeu na prática: as estruturas que nos afastam das pessoas em situação de vulnerabilidade social são mais frágeis do que parecem. Os elos afetivos que nos conectam a elas também.

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