Você já tem um próximo romance engatilhado? Quais questões têm te motivado a escrever?
O título provisório do próximo romance é "De onde eles vêm?". Eu vou contar a história de três estudantes universitários que entram pelo sistema de cotas, cada um num curso diferente: letras, história e medicina. Vou narrar os embates que eles vão encontrar dentro da universidade a partir da entrada de pessoas negras, os assuntos que vão surgir, como os professores lidam com esses alunos.
A pergunta do romance é de onde vêm esses professores brancos, de classe média e esses alunos negros. É preciso contar a história do que aconteceu dentro da academia, que vai depois reverberar fora dela.
As políticas afirmativas foram fundamentais pra mim. Sem elas, talvez eu nem tivesse entrado na universidade. Foi um momento muito importante e, logo quando as cotas foram efetivadas, eu não queria mais discutir se deveria ou não ter cotas, isso não era mais uma discussão pra mim - e, na verdade, ainda não é. A discussão para mim era se deveria ampliar.
Os dados vêm mostrando que as cotas fizeram uma grande diferença na sociedade, principalmente para a população negra. Eu sempre digo que as cotas não são para sempre, acho que em algum momento, quando houver um equilíbrio de pessoas negras na universidade, a gente pode pensar em rever. Mas a gente ainda precisa manter por uns bons anos ainda.
A literatura pode ser antirracista? O que uma literatura antirracista pode fazer?
Eu não sei se acredito numa literatura antirracista, acho que é de novo colocar um rótulo. É claro que, como movimento político, eu acho interessante colocar o meu livro e outros como literatura. É preciso ser objetivo para se comunicar com uma grande massa.
Do ponto de vista pragmático acho que a literatura pode quase nada. A gente não está fazendo livros para serem antirracistas, mas que falam de personagens que têm sonhos, que têm suas contradições. A gente está falando de humanos, de outras questões que extrapolam ser ou não antirracista.
O que a literatura pode fazer é sensibilizar as pessoas para a causa. Mas não acredito que alguém vá ler "Torto arado" num dia e no outro dia vá virar antirracista. É uma construção interna que a pessoa vai fazendo. A literatura pede para o leitor esse tempo da lentidão, da reflexão, e a partir dessa sensibilização é que talvez essa pessoa possa tomar algumas atitudes mais práticas. A literatura tem grande poder, mas interno, individual.