Juventude política

Candidato indígena mais jovem do Brasil, Junior Manchineri quer recolocar o Acre no mapa da transformação

Lígia Nogueira Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

'Para contar a minha história na luta indígena é preciso primeiro falar sobre quem veio antes.

Meu avô paterno, Zé Urias Manchineri, é uma grande liderança que esteve presente na formação do movimento indígena acreano e nacional. Ele lutou pela demarcação da Terra Indígena Mamoadate, entre os municípios de Assis Brasil e Sena Madureira, no estado do Acre, ao lado de minha avó, Maria Manchineri, que faleceu antes de eu nascer. Ela era uma mulher que dominava a medicina tradicional, sabia como lidar com questões relacionadas à saúde indígena, e usava frutos e folhas da floresta para nos curar de algumas doenças.

Meus avós maternos, Expedito Ferreira da Costa e Adalgisa Pinto da Costa, eram seringueiros em Boca do Acre (AM) e faziam um trabalho social muito comum na época, que era receber outros trabalhadores oferecendo apoio e um prato de comida. Minha mãe, Maria das Graças Costa Silva, não é indígena e eu nasci e fui criado em um contexto urbano em Rio Branco, capital do Acre.

Meu pai estava com 18 anos quando conheceu minha mãe, que tinha 19, em Xapuri, no enterro do ativista Chico Mendes, assassinado, em dezembro de 1988, por defender os trabalhadores dos seringais e a floresta amazônica. Meu pai, Elcio Manchineri, nasceu em aldeia e costuma dizer que a gente vem de um clã de lideranças que cuidam desse processo de luta por nossos direitos. Desde muito cedo ele acompanhou meu avô e participou dos debates.

Ter sido o candidato indígena mais jovem do Brasil nas eleições de 2022 é uma forma de levar adiante esse legado e mostrar para a juventude que ela é capaz.'

Odair Leal
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'É preciso que os jovens ocupem os espaços'

Mais novo de cinco irmãos, Junior Manchineri, 22, passou a infância visitando quase todas as aldeias do Acre ao lado dos pais. Andar de barco e tomar banho no rio eram uma forma de ficar mais perto de suas origens. 'Nessas viagens eu escapava do racismo que sofria na escola', conta. 'Nós não nos sentíamos confortáveis naquele espaço. Então, quando estava na aldeia, eu me sentia pertencente àquele lugar.'

Durante essas viagens Junior desenvolveu a boa relação que mantém com as lideranças indígenas até hoje, mas considera que esse é um movimento desunido atualmente.

'No contexto da região Norte, o Acre teve muitas lideranças indígenas que foram protagonistas na Constituinte de 1988', afirma. 'O povo indígena parece muito unido quando a gente se encontra em Brasília, mas ao mesmo tempo é muito disperso, porque cada liderança está na sua região, na sua aldeia, por isso é preciso fortalecer o movimento.'

Junior morou no Distrito Federal com a família entre 2011 e 2016 e, quando retornou a Rio Branco, conheceu o programa Jovem Parlamentar Acreano, que contemplava mais de 20 instituições de ensino no estado.

Com 170 votos, foi eleito deputado estadual mirim em sua escola e teve a oportunidade de acompanhar alguns projetos na Assembleia Legislativa do Acre, em 2018. 'Isso me fez pensar na vida de um parlamentar e o lugar onde ocorrem as votações mais importantes. É um espaço da esfera pública onde ocorre tudo o que vai afetar as nossas vidas.'

Uma coisa que eu sempre reforço é que a política é uma ferramenta de transformação. Assim como é usada como ferramenta de manipulação, ela pode ser uma ferramenta de mudança na vida de muitas pessoas.

Junior Manchineri

Odair Leal

Trabalho social durante a pandemia

Junior ingressou no curso de ciências sociais na Universidade Federal do Acre (UFAC) em 2019 e no ano seguinte já estava ocupando o centro acadêmico e compondo o movimento estudantil, dialogando com outras lideranças e participando de atos políticos.

Ao mesmo tempo, ainda em 2020, criou ao lado da família a organização Matpha, que significa algo como 'indígenas da cidade reunidos', idealizada por seus pais. 'Trabalhamos com mentoria e assessoria para ajudar outros povos a se fortalecer', diz ele.

Durante a pandemia, o grupo atuou em parceria com outras organizações, como o Greenpeace, entregando alimentos, itens de higiene e limpeza, e no combate à desinformação relacionada à vacinação contra a covid-19. 'Tivemos um trabalho gigantesco para combater fake news e reverter a situação. Conseguimos que os indígenas se vacinassem em caráter de prioridade.'

Um dos projetos ainda em curso realizados com indígenas em contexto urbano na capital acreana consiste em criar uma horta de quintal para o cultivo de legumes e verduras. 'Damos formação com pessoas da área sobre como plantar, para que eles tenham alimento no dia a dia.'


Odair Leal Odair Leal

A hora das novas gerações

Em agosto de 2022 a candidatura do indígena mais jovem do Brasil foi homologada na convenção da Federação Brasil da Esperança, que reúne Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Verde (PV) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

'Temos outras pautas na campanha — movimento negro, indígena, universitários, professores, mulheres, ala cultural. São muitos contextos inseridos, e isso fez com que o projeto fosse muito plural, unindo aqueles e aquelas que querem ser ouvidos, que foram esquecidos durante a pandemia. A gente quer conversar com quem passou fome, a mulher que sofreu violência, a juventude que não é reconhecida pelas políticas públicas', afirma Junior.

Segundo ele, se as novas gerações não ocuparem esses espaços agora, quando elas forem um pouco mais velhas não vão ter consciência de como funciona o processo político. "É necessário aprender desde cedo como as coisas funcionam."

Odair Leal Odair Leal

Coordenador regional da Funai

Apesar de não ter sido eleito em sua estreia, Junior sabe que tem um papel importante a cumprir. Recentemente ele foi indicado para ser o novo coordenador regional da Funai do Alto Purus (localizada em Rio Branco), que contempla terras indígenas no Acre, sul do Amazonas e noroeste de Rondônia.

Junior será provavelmente a pessoa mais jovem a assumir a coordenação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas. 'Isso é de extrema importância porque quero me especializar em antropologia e é um espaço em que não me desassocio da política. Vou poder conversar com mais lideranças do que pude durante a minha campanha', comemora.

Penso em seguir na vida política. Porque quando olho para o cenário de lideranças que podem sair a estadual ou federal não me sinto contemplado. Há lideranças indígenas que optam por sair por partidos de direita e que votam contra os povos indígenas, o que eu vejo como uma grande contradição. A mudança precisa vir de dentro.

Junior Manchineri

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Referência entre os estudantes

Ian Costa Paiva, 20, é estudante de história na Universidade Federal do Acre e conheceu Junior por meio dos movimentos estudantis na UFAC, e entre a militância partidária progressista.

Ele destaca a importância da mobilização organizada por Junior Manchineri, o que possibilita a abertura do diálogo entre pessoas com diferentes vivências e experiências. "Materializar esse diálogo dentro de um partido político foi algo que me impactou", afirma o jovem.

'Ocupar espaços que naturalmente foram e são negados é também carregar diante de todas as esferas políticas um evidente processo de resistência. A candidatura motiva que lideranças de movimentos indígenas possam protagonizar a luta contra a dominação imperialista que reina nos campos políticos', diz Ian.

Engajamundo é uma organização de liderança jovem e feita para jovens que acredita na importância da atuação da juventude para enfrentar os maiores problemas ambientais e sociais do Brasil e do mundo. Ela é parceira estratégica do 2º Prêmio Ecoa na categoria Jovens Causadores. Conheça o trabalho em www.engajamundo.org

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