Estamos em São Paulo, "a selva de concreto e aço" fundada sobre ossos de guaranis e tupis, em 1554, e imortalizada nas rimas de Mano Brown, principal ícone do rap nacional.
Na quarta maior região metropolitana do mundo, segundo a ONU, mais de 20 milhões de pessoas vivem entre torres gigantescas de vidro e barracos de madeirite. Entre elas, 12.977 indígenas que se distribuem nos bairros urbanos da megalópole, mas também nas reservas Jaraguá, Barragem, Krukutu e Tenondé Porã.
É no extremo sul da zona sul, no bairro rural de Parelheiros, que o jovem Werá Jeguaka Mirim escreve, canta e vive com a esposa e o filho. Aos 19 anos, Werá, mais conhecido como Kunumi MC, gravou dois discos ("My Blood is Red" e "Todo Dia é Dia de Índio") e publicou dois livros ("Contos dos Curumins Guaranis" e "Kunumi Guarani".).
A arte corre em seu sangue: Kunumi MC é filho de um dos primeiros escritores indígenas a publicar um livro: Olívio Jekupé. Seu irmão Tupã Mirim é co-autor de "Contos dos Curumins Guaranis" e sua mãe, Maria, prendia sua atenção com histórias contadas antes de dormir. O MC guarani, fã de Brô Mc's e de Aílton Krenak, já gravou com Criolo e ficou famoso, no mundo todo, por erguer uma faixa escrita "Demarcação" na abertura da Copa do Mundo 2014, para a qual tinha sido convidado para soltar uma pomba da paz no estádio.
Em busca de paz, mas sabendo que seu povo vive em guerra com os brancos, situação que piorou no governo Bolsonaro, Kunumi acaba de lançar o impressionante vídeo "Xondaro Ka'aguy Regua? ("Guerreiro da Floresta", em português), uma ficção científica que flerta com o futurismo indígena e nasceu de uma parceria com dupla de cineastas ANGRY. Formada por Gabe Maruyama e Bruninho Silva, o duo queria transmitir no vídeo a imagem de que os indígenas não vivem congelados no passado e que seus saberes, muitas vezes, são "mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias".
Foi sobre ser um jovem indígena na maior cidade das Américas na busca de "um bom lugar", que a coluna Arte Fora Dos Centros conversou com Kunumi MC e, de quebra, ainda trocou umas palavrinhas com seu pai, pioneiro da literatura nativa, Olívio Jekupé.