Não por coincidência, no mesmo dia e horário que o Engenho de Dentro cai no samba, a histórica Paraty, conhecida pela exuberante natureza, pela cultura das populações tradicionais e por realizar a maior festa literária do país, recebe o bloco Caps Mania. A inspiração veio da capital, por meio da experiência que Januária Moreira, psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)* da cidade, teve no Loucura Suburbana como oficineira. "Eu já tinha isso bem vivo, de como é potente para os usuários da saúde mental, de como isso é produtor de reinserção social, de como isso de fato deveria ser o foco da luta antimanicomial", afirma.
O encontro com Eloa Moraes, assistente social, parceira de trabalho no CAPS e também militante da luta antimanicomial, potencializou a ideia de criar o bloco, em 2014. Desde então, o desfile abre o carnaval paratiense, mesmo ainda não fazendo parte do calendário oficial do evento, partindo do samba e da alegria para ser uma ferramenta de cuidado, de reinserção social e de aproximação dos usuários com a comunidade e a cidade.
"Durante o trabalho que a gente faz com eles, a gente traz isso para as discussões, de que a gente só tem um bloco de usuários da saúde mental porque a gente tem um modelo, uma luta antimanicomial, pessoas que lutam para que o tratamento continue sendo em liberdade, para que não perca esse caráter político", reforça Januária.
A iniciativa tem mostrado sua relevância na construção de uma comunidade saudável e fortalecida para lidar com as suas diferenças. Após cinco anos, o bloco conseguiu apoios importantes para a sua realização, que inclui, além da bateria, oficinas para a preparação dos estandartes e dos adereços com o uso de materiais recicláveis. Ainda assim, a participação das famílias e da comunidade é bem menor do que a equipe espera. "Mas é essencial porque é um trabalho de reinserção social para eles, então, ter pessoas da comunidade é imprescindível", afirma Januária. A ideia de se juntar a outros blocos da cidade é um exemplo de integração da comunidade. Em 2017, o bloco de jovens do Campinho, um Quilombo localizado em Paraty, se juntou ao bloco do CAPS para fortalecer a bateria e o desfile.
O trabalho do CAPS, para além do bloco, conta com um Afro-sarau, que apresenta obras de escritores e escritoras negras, se unindo à ideia de ser uma clínica antirracista, e oficinas para geração de renda, com venda de artesanato em todos os eventos da cidade. Para o futuro, além de envolver mais a comunidade, a ideia é batalhar para o bloco entrar na programação oficial do carnaval, firmar apoios para estruturar as atividades e, quem sabe, remunerar os usuários, como acontece com os outros blocos da cidade. O CAPS Mania segue afirmando sua luta contra o estigma da loucura e da saúde mental e para resgatar a cidadania usando a arte como ferramenta de cuidado.
"A gente tem um propósito, que é mostrar para a sociedade que a gente pode cuidar das pessoas em liberdade, que a gente pode ter a reabilitação psicossocial dessa maneira, essas pessoas estando na sociedade, participando ativamente da sociedade como outra qualquer, e que a sociedade precisa acolhê-las", afirma Januária.