Luisa Mell

Muito além do resgate de cães e gatos: "Meu trabalho é de amor, mas desperta muito ódio"

Diana Carvalho De Ecoa Mariana Pekin/UOL
Reprodução/Instagram

"Meu médico já falou que não sabe como estou viva. Meu nível de estresse é muito alto. Eu lido com muita maldade, o tempo todo, e não consigo fechar os olhos para isso."

O desabafo acima pode até parecer de uma pessoa cansada, mas não. Luisa Mell só está preocupada com a sua saúde e, claro, com os animais. A ativista que resgata, cuida e dá abrigo para cães e gatos no instituto que leva seu nome se prepara agora para uma nova etapa: a construção de um santuário para animais silvestres.

"Comecei resgatando cavalos sem ter onde colocar, fui me virando e alugando baias. Depois, foram galos de rinhas. Até que um dia viajei para Aracaju. Lá existia um hotel, que faliu, com um pequeno zoológico dentro. O novo proprietário não queria os animais", conta Luisa, que faz uma pausa e chora.

Cena horrível

"Desculpa, tenho muita dificuldade para falar sobre isso", explica a ativista, antes de relembrar o que a levou às lagrimas. "Quando cheguei naquele lugar, tinha um urso em um espaço minúsculo. Ele ficava olhando fixamente para a parede. Um calor, tudo abafado e uma única bacia com água. O urso tentava sobreviver, respirava ofegante, aquilo ficou na minha cabeça: 'Como assim não posso ajudar? Preciso dar um jeito'".

O jeito foi "infernizar" o marido e contar com a ajuda dos amigos. O empresário Gilberto Zaborowsky comprou a ideia e acompanhou a mulher em um um jantar, promovido pelo Instituto Luisa Mell, que contou com a participação de famosos e arrecadou fundos para a construção do novo espaço.

"O urso de Aracaju morreu, não consegui ajudar. Mas, assim como ele, existem milhares de animais abandonados dentro de zoológicos. Quero ter a oportunidade de fazer a diferença para todos", afirma.

Mariana Pekin/UOL Mariana Pekin/UOL

O santuário para animais silvestres, ainda sem nome definido, deve sair do papel em 2020. Ele fica em um terreno de 1 milhão de metros quadrados, em Rio Grande da Serra (SP), num local de difícil acesso.

A equipe de reportagem acompanhou Luisa até lá de jipe, onde a ativista fez as fotos em meio à natureza e gravou um dos episódios da série que protagoniza em MOV, produtora de vídeos do UOL, em parceria com o Facebook. Na série Livre Acesso, um reality show semanal em oito episódios, Luisa mostra a vida em família, bastidores de resgates e momentos da sua rotina.

Gabi Di Bella/UOL

"Sou privilegiada, mas não sou rica"

Criticada por expor imagens fortes de animais vítimas de maus-tratos e chorar em frente às câmeras, Luisa Mell foi se acostumando ao longo dos anos com os "haters" [pessoas que postam comentários de ódio na internet], mas repudia veemente quando dizem que ela é rica e que vive em uma "bolha branca".

Entendo quando me chamam de privilegiada. Sempre estudei em escola particular, me formei em Direito, meus pais têm uma boa condição financeira, mas não nasci e nem sou rica. Batalhamos muito. Hoje, não me preocupo com as contas de casa, mas com as do instituto, sim. Perco o sono todo final de mês quando ficamos no vermelho."

Fundado em 2015, o Instituto Luisa Mell realizou no começo do ano o maior resgate da história da ONG: 1.500 animais foram retirados em um só dia de um canil irregular no interior de SP. A ação refletiu em uma das maiores redes de pet shop da cidade, que comprava os animais e decidiu encerrar a venda dos filhotes em todas as lojas.

"Vida não pode ter preço, tem que ter valor. O meu trabalho faz com que eu bata de frente com todas as indústrias: a de moda, a indústria de cosméticos, a indústria alimentícia, de entretenimento, de criador de cachorro, incluindo o mercado pet. Sempre ganho mais inimigos e pago caro por isso."

Mariana Pekin/UOL

Amor e ódio

Recentemente, a ativista se envolveu em uma polêmica ao falar sobre um cachorrinho que estava com as patas e orelhas cortadas. Segunda ela, o animal foi vítima de um ritual.

"Em nenhum momento falei o nome de qualquer religião. Existe um grupo de criadores de cachorros de raça que está fazendo de tudo para me destruir. Eles [membros do grupo] espalharam que eu havia falado sobre candomblé e o boato viralizou. Isso nunca saiu da minha boca. Fui massacrada nas redes sociais, mas estava com a consciência tranquila. Falei ritual. Não xinguei e nem ofendi ninguém, muito menos a religião de alguém", diz.

Atualmente, além de fazer resgates de animais, ela luta contra rodeios, vaquejadas, testes em bichos e toda e qualquer exploração animal. "O meu trabalho é de amor, mas às vezes acaba despertando muito ódio. Chego a receber até ameaças".

A primeira conquista

Com um estilo de vida vegano, a ex-apresentadora de TV tenta incentivar todos ao seu redor a seguir o mesmo caminho.

Para ela, é complicado defender o meio ambiente e lutar pela causa animal sem parar de comer carne e consumindo produtos de maneira irresponsável. "Podem me chamar de tudo, mas não podem dizer que sou incoerente. Luto e sigo o que acredito."

E acreditar foi o que levou Luisa a conquistar a primeira vitória em defesa dos animais. Tudo começou em 2002, quando entrou pela primeira vez em um Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), em São Paulo, durante a gravação do seu extinto programa Late Show, da Rede TV!. Jovem e ainda inexperiente em frente às câmeras, ela se desesperou ao ver uma fila de cachorros, capturados pela carrocinha, prontos para serem sacrificados.

O corredor do CCZ cheirava morte. Ali fiz a minha primeira promessa sem saber que já estava me tornando uma ativista. Prometi que iria acabar com aquele assassinato covarde. Seis anos depois, em 2008, [José] Serra, governador na época, assinou na minha frente a lei do deputado estadual Feliciano Filho, que proibiu a eutanásia de animais sadios em todos os CCZs do estado de SP."

Luisa Mell, ativista pela causa animal

Gabi Di Bella/UOL  Gabi Di Bella/UOL

Por uma causa maior

Ao longo dos anos, Luisa Mell vem defendendo não só os animais como também protestando contra os impactos gerados pelo homem ao meio ambiente. Para a ativista, o ano de 2019 tem sido um dos mais difíceis.

"Choro quase todos os dias. Hoje, não tem como defender o meio ambiente sem bater no governo. É um absurdo o que estão fazendo. O desmatamento que só cresce na Amazônia, óleo nas praias do Nordeste... E o desmonte do Ibama? Tenho muitos amigos que faziam um trabalho sério por lá e foram exonerados sem motivo algum. Trocar ambientalista por policial, como pode isso?", questiona.

Luisa reflete ainda sobre a polarização política que dividiu o país e condena o pensamento radical de quem acha que apoiar um ou outro governo significa aceitar tudo calado.

"Todos nós precisamos do mesmo para viver: ar, água, comida... Não dá para ter uma divisão quando o assunto é defender nossa terra. Tenho um filho de quatro anos; que planeta vou deixar pra ele? Não é porque você votou em alguém que você tem que concordar com tudo o que ele faz. Não entendo de economia, mas de meio ambiente sim. Eu vou aos lugares, converso com as pessoas, e o que está acontecendo é uma tragédia sem precedentes."

Gabi Di Bella/UOL Gabi Di Bella/UOL

"Quem deu risada hoje chora comigo"

Ao lembrar do passado e dos momentos pelos quais passou ao deixar a TV, enfrentando inclusive uma depressão, Luisa se orgulha da mulher que se tornou. "Sempre digo que os animais salvaram a minha vida. Eu era muito egoísta, só pensava em mim, agora não."

Apesar de se sentir ainda "fora do mundo", por dedicar parte da sua vida para ajudar os animais, a ativista reconhece que hoje as pessoas a escutam um pouco mais e dão valor ao seu trabalho.

Muita gente fala que, na época do Late Show, me achava histérica, riam quando eu chorava com os bichos e, hoje, choram junto comigo. Eu sou assim. Às vezes, sabe o que penso? Que sinto todas as dores do planeta, porque sofro muito com tudo. Sei que não vou conseguir mudar o mundo sozinha, mas não vou parar de tentar."

Mariana Pekin/UOL  Mariana Pekin/UOL

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