As arquibancadas estão vazias e os gramados recebem - além do jogo pragmático e modorrento do atual futebol brasileiro - carros para uma pequena parcela da população assistir a shows devidamente protegida do coronavírus. O carnaval de 2021, diz o bom senso, não deve acontecer e os rituais espirituais também estão suspensos. Tampouco a convivência nas esquinas e o trago nas biroscas são possíveis em tempos de quarentena. O universo de Luiz Antônio Simas está em desencanto. O historiador, professor e escritor carioca de 52 anos tem 19 livros lançados e o mais recente ("O Corpo Encantado das Ruas", Civilização Brasileira), lançado em setembro de 2019, já está em sua sexta edição. "Dicionário da História Social do Samba", escrito em parceria com o compositor e pesquisador Nei Lopes e publicado em 2016, ganhou o prêmio Jabuti de livro do ano na categoria não-ficção.
"O Corpo Encantado das Ruas" reúne uma coleção de ensaios que exaltam a rua como o espaço de encontro - que, constata o autor, vem perdendo, ao longo dos anos, uma disputa para a lógica que entende as vias das grandes cidades como mero lugar de passagem. Assim, Simas recorre à história e às mitologias afro-brasileiras para exaltar a poesia das pipas que insistem em sobrevoar os céus das metrópoles, o drible de Garrincha, a catarse do Carnaval e as tradições do candomblé e da umbanda. Ao mesmo tempo, não esconde a melancolia e o desgosto ao observar o desaparecimento dos pequenos comércios, a substituição do antigo estádio Maracanã - tema de livro inédito que ele está terminando nesta quarentena - pela atual arena elitizada (e embranquecida), o avanço da perseguição aos templos de religiões afro-brasileiras e o descaso do Estado que, para citar só um exemplo, não evitou que o Museu Nacional ruísse em cinzas no incêndio de 2018.
Enquanto a pandemia avança no Brasil sem sinais consistentes de que as mortes irão finalmente cessar, ultrapassando a marca de 100 mil vítimas neste mês de agosto, Simas admite resignado que o momento requer uma abstinência de tudo que ele compreende como essência da brasilidade que o poder público historicamente perseguiu: rodas de samba, rituais em terreiros, a rua entendida na dimensão da vivência. Ao mesmo tempo que se declara pessimista quanto a uma reviravolta na compreensão da importância simbólica do espaço urbano por parte das classes média e alta, ele crê que o primeiro Carnaval pós-pandemia tem tudo para ser tão redentor quanto o de 1919 (pós-gripe espanhola).
"É um momento de esvaziamento grave, mas eu acredito que essas coisas serão recuperadas. As pandemias passam. A reconstrução dos afetos pela festa vai ocorrer", diz. "Eu não estou esperançoso em relação a 2021, mas quem sabe em 2022 a gente já possa fazer um fuzuê?"
De sua casa na Tijuca, Zona Norte do Rio, o escritor conversou com Ecoa por telefone.