A jardineira

Após 10 anos de luta, a americana Marsha Hanzi conseguiu criar uma floresta no sertão da Bahia

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo Reprodução

A americana Marsha Hanzi, 76, vive em Tucano, uma cidade no interior da Bahia onde chove pouco. As temperaturas são altas e a terra é fina como areia, mas ela tinha o desejo de florestar, criar jardins e produzir alimentos de maneira sustentável na seca da Caatinga. A compra do terreno parecia mau negócio — o que era verdade. O ano era 2002. Nos dez anos seguintes, ela fracassou.

A agrofloresta tradicional foi a primeira tentativa de Marsha. Nesse método, várias plantas diferentes são cultivadas para criar uma floresta "produtiva". Com o tempo, espera-se o aumento de microorganismos para a criação de um ambiente equilibrado e um solo mais fértil. As agroflorestas excluem agrotóxicos e são famosas no Brasil, mas poucos arriscavam erguê-las na seca.

Marsha misturou um pouco de tudo. Ela uniu vacas, capim, adubo, poços e permacultura para fortalecer o solo e gerar comida o ano inteiro. Em seus cálculos, foram 15 anos para aperfeiçoar o próprio estilo. A aposta foi alta: custou dinheiro, muito trabalho e até um casamento. "Eu quis provar para mim mesma que era capaz", diz.

Reprodução

Marsha nasceu na Flórida, Estados Unidos, e viveu na Inglaterra e na Suíça, onde começou a cultivar hortas orgânicas e se apaixonou pelo manejo da terra. Mudou-se com o marido para São Paulo nos anos 70. Entre os anos 80 e 90, foi pioneira da permacultura no Brasil. A técnica ensina formas de organizar a plantação, animais e pessoas para criar um ecossistema em um espaço delimitado. O objetivo é produzir mais e diminuir o trabalho individual.

O geógrafo e historiador da permacultura Paulo Campos afirma que Marsha simplificou conceitos sustentáveis complicados para os brasileiros na Amazônia, Mata Atlântica ou nos Pampas. Segundo Campos, foi a primeira a traduzir os manuais do inglês para o português e a fundar um instituto de permacultura na Bahia, em 93. "Ela foi o elo", diz.

Marsha nunca gostou da vida doméstica imposta às mulheres. Os cursos que ministrava permitiam sair de casa e da cidade grande, o que era um alívio: ela odiava o barulho e as "ondas eletromagnéticas" urbanas. Acredita na comunicação "energética" entre os seres humanos e o espaço onde vivem — incluindo as árvores, plantas e animais —, o que nos permitiria interpretar e nos conectar com a natureza. A crença aumentava o incômodo com a cidade e alimentava o sonho de plantar em um lugar inóspito, como a Caatinga.

O então marido foi contra a ideia de partir para o sertão baiano. Marsha não abriu mão do seu sonho: comprou o sítio e o casal se divorciou após cerca de 30 anos de casamento.

Reprodução
Terreno no início dos anos 2000 tinha solo arenoso, difícil de cultivar

O fim foi apenas o início de outras adversidades. Os hectares recém-adquiridos pareciam desenganados. "Ela pagou um preço alto: não produzia por falta d'água. Os vizinhos tocavam fogo ao lado para abrir o pasto. Era um experimento, pois ela não nasceu ali e tinha que viver da terra como os outros. Mas ela sabia que existiam outras fontes de recurso", diz Campos.

A terra arenosa do sítio é formada por vestígios de rochas do fundo de um rio existente há 100 milhões de anos. (A título de comparação, a primeira forma de escrita humana data de 6 mil anos antes de Cristo). Segundo o doutor em geociências e professor da USP Mario Assine, as plantas não extraem nutrientes do solo arenoso, mas esse não é o maior desafio.

Há milhões de anos, as chuvas tornaram-se cada vez mais escassas na região e formaram a paisagem atual do semiárido. Assim, as plantas que extraem água de camadas mais superficiais — como as gramíneas — sofrem com o sol e com as poucas sombras e chuvas. Tudo o que tem é um orvalho, que parece cair invisível à noite sem nunca ser o suficiente para refrescar.

Nos meses mais quentes, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) já registrou 60 °C no solo da Caatinga. Além do solo arenoso de Marsha, a temperatura dificulta a criação de uma camada de terra mais fofa, úmida, com mais insetos, microorganismos e mais fértil. "Fica muito mais difícil produzir agricultura nestas condições", avalia o professor.

Era ainda mais difícil criar comida orgânica sem o uso de produtos químicos. "Eu comprei a terra por romantismo, mas era um jogo de futebol totalmente diferente da região de mata, com outras regras e outros jogadores", diz Marsha.

Reprodução Terreno em 2005, quando método agroflorestal ainda não dava certo

Terreno em 2005, quando método agroflorestal ainda não dava certo

O fracasso corre rapidamente, especialmente se envolve uma americana de olhos claros, sotaque estrangeiro e ainda moradora de uma cidade como Tucano, onde viviam menos de 50 mil pessoas. Alguns faziam piadas; outros eram curiosos ou bajuladores. Marsha tinha 56 anos e uma reputação a zelar. Falhar não era uma opção.

As árvores do proprietário anterior foram mantidas, como o catingueiro, cajueiro e licurizeiro, para gerar frutos e sombra. Plantas adaptadas, como a palma, foram cultivadas para dividirem espaço no futuro para o plantio de frutas e vegetais. Até então, um sistema agroflorestal convencional. Mas o sol não ajudava.

A cada três dias, a terra secava. A água vinha de um poço com 20 metros, e era usada somente para longos períodos de estiagem. A maior dificuldade era manter a umidade em todo o espaço. "Eu tinha aprendido a plantar em terras com mais chuvas e mais sombra", diz ela.

Reprodução/Google Earth
Vista aérea do sítio de Marsha Hanzi; verde contrasta com a área desértica ao redor

A prática convencional da agrofloresta não exige a criação de animais, mas Marsha apostou na alternativa para sobreviver a esse cenário. Plantou capim sob a sombra de árvores e esperou a chuva. Quando choveu, o capim cresceu e ela levou vacas para comê-lo. A saliva dos animais, cheia de micro-organismos, acelera a atividade orgânica na terra.

Após se alimentarem, as vacas são levadas a outro espaço a cada três dias para evitar o pisoteamento ou ingestão das plantinhas que começam a crescer no esterco que será transformado em adubo. O material, então, é usado nas plantações de abóbora, feijão, abobrinha, milho, amendoim preto, pimenta e para o fortalecimento de todo o solo do sítio. Além disso, Marsha afirma que, além de alimento, o capim se une às outras raízes para a retenção de umidade.

Ao mesmo tempo, havia as árvores resistentes ao calor cultivadas no terreno — como a algaroba — para produzir vagens e alimentar o gado enquanto se espera o crescimento do novo capim. "Eu precisei pensar em um sistema dentro de um sistema", diz.

Reprodução Sítio de Marsha Hanzi hoje

Sítio de Marsha Hanzi hoje

Reprodução
Marsha Hanzi: sítio em Tucano começa a florear após sistemas de agroflorestas na Caatinga baiana

O ciclo se repete, como em uma floresta — ou, ao menos, como em uma floresta com vacas. Marsha considera o método eficaz, mas ainda toma sustos. No último ano, racionou a água do poço, das cisternas e cancelou a ida de visitantes. Por outro lado, diz ter perdido menos produção na estiagem deste ano em relação às anteriores.

Hoje, afirma ser autossuficiente em comida orgânica e carne. Além disso, dá cursos e almoços para universitários, estagiários, agricultores e hóspedes - que geram dinheiro para pagar funcionários.

Mas Marsha ainda queria um toque final: a aparência. Assim, foram criados caminhos com flores, cactos e plantas em tamanhos e formatos diferentes da Caatinga ou exóticas. Em imagens aéreas dá para ver círculos e retas que levam às áreas de florestas. A inspiração dos formatos e cores são os jardins da Inglaterra, onde morou.

"Uma monocultura não é interessante visualmente — a menos que seja um campo de trigo, talvez! — e é pobre em elementos", diz. "Se combinarmos plantas diferentes de uma forma exuberante, mas organizada, pode ser um efeito que toca em algo mais profundo nas pessoas", acrescenta.

Nos últimos meses, pesquisadores foram até o local para estudar as abelhas que surgem no terreno. Um funcionário de Marsha comprou terras próximas para implementar mais agroflorestas na Caatinga, ali perto.

Reprodução Reprodução

Eu tenho esperança de que isso [o sucesso de sua 'floresta'] agora possa incentivar os vizinhos da região.

Marsha Hanzi, pioneira da permacultura no Brasil

Marcio Scavone

Walter Firmo

Com 70 anos de carreira, fotógrafo ganha exposição em SP

Ler mais
Projeto Mantis

Insetos

Dupla faz expedições para registrar louva-a-deus na Amazônia

Ler mais

Urutau

Ave fantasma vira símbolo de luta em cidade histórica de São Paulo

Ler mais
Topo