"Nos meus retiros espirituais / descubro certas coisas tão normais...", eram os versos de Gilberto Gil que ecoavam baixinho do outro lado da tela do computador. A música servia de trilha sonora para acompanhar a voz suave da capixaba Tayla Candido, uma jovem com black volumoso e sorriso de ponta a ponta que toda semana tem dado aula online de yoga para um grupo de mulheres negras espalhadas pelo Brasil.
"Deite no chão de barriga para cima, feche os olhos, respire e relaxe" era o pedido que ela fazia já ao final da prática enquanto Gil continuava com seu sotaque baiano cantando ao fundo. Nos aproximadamente 15 minutos que ficamos nessa posição, Tayla nos guiava para que entrássemos em um relaxamento profundo. "Se permita relaxar, desligar a mente", ela dizia. Em outros momentos, pedia para que, ainda deitadas nessa posição conhecida como savasana, pensássemos na potência da nossa existência.
Assistir a um grupo de mulheres negras tirando um tempo para pensar apenas em si e desligar do resto era uma cena nova. Historicamente, são elas que estão na posição de cuidadoras, mas raramente são cuidadas por outros ou destinam um tempo para cuidar de si. Como disse a autora norte americana bell hooks em "Vivendo de Amor" (1993): "Numa sociedade racista e machista, a mulher negra não aprende a reconhecer que sua vida interior é importante."
Para ela, o sistema escravocrata criou mecanismos que tornaram difícil o crescimento espiritual da população negra, o que dura até hoje. Porém, "falo de condições difíceis, não impossíveis", ela completa. Voltando, então, para o yoga: a prática tem sido usada por mulheres negras justamente para se contrapor a esse cenário, servindo como ferramenta para promover momentos de cuidado, reflexão e relaxamento para elas.
"Nós, mulheres negras, somos expostas a muita coisa o tempo todo. Eu decidi começar yoga e isso tem sido o meu remédio nesses últimos quatro meses. Esse é um momento que a gente tira para não pensar em tudo que está acontecendo ao redor: as notícias, a falta de dinheiro, o trabalho cancelado por causa da pandemia. A gente precisa aprender a começar a cuidar da gente, do nosso interior", conta a atriz Sol Menezes, que voltou a praticar por causa desse grupo destinado ao autocuidado de mulheres negras criado logo quando a quarentena começou no país em março deste ano.
Assim como ela, muitas outras mulheres negras contaram que o yoga foi a forma que encontraram para se reconectar com sua ancestralidade e partir dela conseguiram criar uma rede de apoio e cuidado. Também afirmaram que pela primeira se viram representadas e confortáveis dentro desse universo que por muitas vezes permeia o imaginário brasileiro sendo uma prática elitista e até mesmo considerada "coisa de branco", como algumas já ouviram falar ou assim já definiram — mesmo que historicamente não sejam essas suas origens. Há quem crave que a prática nasceu no Egito antigo, enquanto outros defendem a origem indiana.