De volta a junho de 2020. Neste ano em que tudo está fora da ordem, a liga anunciava seu plano ambicioso para a fase final da temporada, que consistia em isolar a partir de julho centenas de jogadores, familiares, equipes de apoio, jornalistas e outros profissionais em Orlando, com protocolos rigorosos para evitar a transmissão da Covid-19.
A proposta, no entanto, não foi aceita de cara pelos jogadores. Em junho, Kyrie Irving, do Brooklyn Nets, mobilizou outros 80 atletas para discutir a "bolha da Disney" em uma videoconferência que durou uma hora e quarenta minutos. Participaram nomes como Kevin Durant, Carmelo Anthony, Dwight Howard e Donovan Mitchell, assim como Tiffany Hayes, Kristi Toliver, Renee Montgomery e Natasha Cloud, todas jogadoras da WNBA, a liga feminina profissional, que teria começado sua temporada 2020 em maio.
A pauta não era sobre os riscos de saúde que enfrentariam. A questão era se, em vez de jogar as finais, não seria melhor usar a visibilidade dos astros para protestar contra o racismo e levantar discussões sobre a morte de George Floyd. Havia argumentos pró e contra retomar a temporada, mas o consenso era que a decisão, seja ela qual fosse, teria que ser unânime. Os jogadores também não estavam felizes com o fato de não terem sido consultados pela liga se queriam retomar os jogos.
Mas nem todos concordaram com uma possível greve. O superastro LeBron James, que não participou da videoconferência, queria tanto terminar a temporada quanto usar os playoffs para promover o movimento Black Lives Matter e incentivar o voto nas eleições presidenciais de novembro.
A ideia de aproveitar o palco das finais em meio à pandemia para chamar atenção para o movimento foi acatada por todos. E a NBA aceitou as condições. Os playoffs, então, transformaram-se em um grande ato contra o racismo: joelhos ao chão durante o hino nacional - atitude que em 2016 rendeu a Colin Kaepernick, quaterback do 49ers, posto de persona no grata na NFL-, camisetas estampadas com dizeres como "Black Lives Matter" e "Justice" no lugar do nome dos atletas, entrevistas engajadas e várias outras manifestações passaram a ocupar a quadra e as transmissões da TV.
A meta havia sido alcançada, e a NBA, por sua vez, amplificado o alcance da luta antirracista. Isso até 26 de agosto, quando a realidade se mostrou muito mais cruel. Três dias antes, um vídeo havia viralizado nas redes sociais. Nele, Jacob Blake, 29, recebia sete tiros pelas costas de um policial ao tentar entrar em seu carro, onde estavam três de seus filhos.
Diante de mais um caso de violência policial nos Estados Unidos contra negros, os jogadores do Milwaukee Bucks decidiram não disputar o jogo daquela rodada contra o Orlando Magic — Milwaukee fica a 65 km da cidade de Kenosha, em Wisconsin, onde Blake foi alvejado. Argumentaram que era impossível continuar jogando enquanto a realidade não mudava "fora da bolha".
A NBA acabou suspendendo as outras duas partidas do dia. A decisão dos Bucks foi tomada no vestiário, minutos antes da partida. Apesar de não ter sido informada com antecedência, a direção do time deu respaldo aos atletas. Mas o ato unilateral incomodou membros de outras equipes.
Todos os jogadores e técnicos, então, foram chamados para uma reunião no complexo da Disney para definir se a temporada deveria acabar ali. Alguns queriam furar a bolha, outros argumentaram que não era a hora de perder o palco.
O conselho final foi dado por Barack Obama, ex-presidente norte-americano e fã de basquete. Chris Paul, atual presidente do sindicato dos jogadores, e LeBron James procuraram Obama para conversar. James estava nervoso e frustrado. Queria encerrar a temporada ali mesmo. Obama o ajudou a mudar de ideia e incentivou os atletas a aproveitarem o momento para ampliar o alcance do movimento, mexendo com os donos dos times, que detêm o dinheiro, e influenciando o cenário político e as próximas eleições.