Dados em alta

Na primeira pandemia acompanhada em tempo real, analista de dados mostra a importância da cultura analítica

Ricardo Cappra Especial para Ecoa

[Tecnologia e análise de dados]

Ainda somos uma sociedade sem cultura analítica. Não somos preparados para pensar sistematicamente, entender os dados, tomar decisões e monitorar as métricas do impacto das ações. A cultura analítica não concorre com a criatividade. Decisões humanizadas são potencializadas por meio da orientação por dados. Precisamos treinar essas habilidades desde a nossa infância, exercitando uma nova forma de pensar para poder usar a ciência e os dados como fortes aliados.

Ecoa traz na série O Mundo Pós-Covid-19 um grupo de especialistas que, em depoimento a jornalista Mariana Castro, contam como imaginam uma civilização pós-pandemia a partir de temas como Tecnologia, Trabalho, Educação, Ciência, Alimentação, Cidades, Novas Economias, Espiritualidade, Meio Ambiente e Comportamento. Além de desenhar possíveis cenários para o que vem depois, eles falam sobre como as escolhas de agora podem contribuir para a construção de um futuro mais desejável.

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Cientistas estão usando grandes volumes de dados processados em alta velocidade por sistemas tecnológicos avançados, permitindo investigar cada detalhe da evolução do vírus. O genoma do novo coronavírus foi decodificado em 48 horas e os dados de proliferação da doença estão disponíveis em dashboards por toda a internet.

Mas a quantidade de informação disponível também trouxe riscos para a sociedade. Governos ao redor do mundo usaram dados de indivíduos desrespeitando regras de privacidade, monitorando a circulação das pessoas por meio de seus smartphones. Em alguns locais, nomes de pessoas infectadas foram expostos nas redes sociais, para que outras evitassem o contato direto. Na maioria das vezes o objetivo foi de barrar a evolução de um vírus mortal, mas as ações para isso aconteceram de forma invasiva e ilegal.

Outro risco é a quantidade absurda de informação que chega pelas redes sociais e por aplicativos de mensagem. As pessoas não estão preparadas para filtrar e analisar tanta informação, gerando interpretações equivocadas e por isso amplificando o medo social em relação à pandemia.

Enquanto isso, os protocolos de saúde global sucumbem com a velocidade do vírus. O sistema de saúde mundial não é analítico e não utiliza métodos ágeis para responder em tempo real. As habilidades analíticas para coletar, qualificar, organizar e analisar os dados não fazem parte do currículo dos profissionais de saúde. Eles são treinados em protocolos com base na repetição de procedimentos pela similaridade de outros casos, mas com toda a tecnologia disponível no mundo isso não é o suficiente para o futuro.

Os protocolos tradicionais não funcionam para a pandemia.

A medicina personalizada já é totalmente viável, mas os profissionais de saúde precisarão desenvolver habilidades analíticas desde sua formação. Esses profissionais estão salvando muitas vidas, mas não de uma forma segura para eles, nem para os pacientes. Os protocolos tradicionais não funcionam para a pandemia.

O despreparo para lidar com a tecnologia da informação e a necessidade de uma mentalidade mais analítica se espalha por todos os setores da economia. O futuro do trabalho chegou de um dia para o outro, fazendo com que as pessoas precisassem sair dos escritórios sem nenhuma expectativa de quando vão voltar, assumindo suas próprias casas como extensão das empresas.

Mas ninguém foi preparado para isso. A infraestrutura para a transformação digital estava à disposição, mas não em uso, e agora é preciso criar novos hábitos para atuar remotamente. Os profissionais também não foram preparados para tomar decisões com distanciamento físico. As decisões sempre são negociadas e raramente, orientadas por dados. Os métodos ágeis tornaram-se uma prática das empresas, mas sem decisões baseadas em dados, essas operações ficam instáveis e frágeis.

Outro aspecto de toda essa tecnologia disponível é o de conectar as pessoas para reduzir os efeitos do distanciamento social. As reuniões de família em vídeo, shows ao vivo da casa de artistas, aulas remotas são alguns exemplos. Tudo ficou diferente. Obviamente que voltaremos com os encontros físicos no pós-pandemia. Eles possuem características insubstituíveis. Mas descobrimos novas formas de interação que podem ser muito úteis - e isso não tem volta.

Atualizamos nossos "mecanismos sociais" para manter as relações humanizadas. É um novo hábito que está entrando na vida das pessoas. Isso já aconteceu antes, com as redes sociais e os sistemas de mensagens instantâneas. É natural uma certa estranheza inicial, mas esses novos hábitos serão rapidamente incorporados.

Mas ainda somos uma sociedade sem cultura analítica. Nossas escolas não nos prepararam para pensar sistematicamente, analisar os dados, tomar decisões e monitorar as métricas do impacto das ações. Geralmente fazemos isso de forma empírica, baseados em nossas crenças e experiências anteriores, mas não em dados. A cultura analítica não concorre com a criatividade. As decisões humanizadas são potencializadas por meio da orientação por dados.

Precisamos treinar habilidades analíticas desde a nossa infância, exercitando uma nova forma de pensar. Algumas escolas já possuem dinâmicas para exercitar a visualização de dados em suas séries iniciais, fazendo com que as crianças desenvolvam o senso crítico e analítico desde cedo. Sem trabalhar essa mentalidade analítica, continuaremos repetindo velhos protocolos que nos levam a erros já conhecidos. Vamos sair dessa crise mais analíticos, usando a ciência e os dados como fortes aliados para o futuro.

  • Ricardo Cappra

    É cientista de dados. Lidera o Cappra Institute for Data Science, formado por pesquisadores e cientistas espalhados pelo mundo que trabalham para entender e explicar o impacto dos dados na sociedade e nos negócios e, a partir disso, criar métodos para acelerar o desenvolvimento analítico.

    Imagem: Divulgação

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+ Sobre a série

Ecoa ouviu pessoas de diferentes áreas para saber o que elas estão pensando. É um exercício para tentar dar uma cara a esse futuro que nos espera - e assusta.

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