Quando Patrícia Kisser morreu, em julho de 2022, a família estava preparada. Patricia já imaginava como seria aquele dia muitos anos antes da descoberta de um câncer. Dizia que gostaria de meias para aquecer os pés, um cobertor e um travesseiro. Era uma brincadeira mas, quando a doença se intensificou, Andreas Kisser percebeu que a fala da esposa formava uma espécie de manual de instruções.
Kisser, um dos músicos mais respeitados do mundo, é guitarrista do Sepultura, banda mineira com fama internacional e a mais importante do heavy metal no país. É um sujeito sério, ao menos no palco. Tem longos cabelos e tatuagens. A camiseta preta só é trocada pela tricolor do São Paulo.
Patrícia foi médica e produtora musical. Era acolhedora, bem-humorada e habilidosa para decifrar as angústias e se aproximar das pessoas. João Gordo a apelidou de Mãetrícia, uma homenagem à capacidade de acolher um número sempre maior de novos amigos e habilidades.
O casal criou amigos em gêneros musicais inimagináveis para um fã de metal, como Chitãozinho e Xororó, Sandy e Junior, Serginho Groisman, Carlinhos Brown e Samuel Rosa. Para comemorar o fim da quimioterapia, Patrícia sonhou com um show para reuni-los. Uma comemoração com luzes, instrumentos, com o grito da plateia. Uma celebração à vida. Sua doença, porém, se agravou.
Quando a esposa partiu, Andreas percebeu que, apesar da sensação inexplicável do luto, se sentia preparado para atender ao desejo de Patrícia. Ela o havia instruído sobre a morte e, ao mesmo tempo, o fez refletir sobre a vida dali em diante. Agora, o músico trabalha para levar conforto aos que vivem seus momentos finais. Para mudar a forma como lidamos com a morte no Brasil.