O sonho de ser 100% africano

Fã, jogador e agora comentarista de Copa, Grafite descobre pelo DNA que jogou torneio no lar de antepassados

Mariana Moreira Colaboração para Ecoa, do Rio de Janeiro (RJ) Deborah Faleiros/UOL

Quando este capítulo do projeto Origens estiver no ar, a personalidade desta edição, Edinaldo Batista Libânio, mais conhecido pelos torcedores como Grafite, já estará na Península Arábica. Ele comentará os jogos da Copa do Mundo 2022 no SporTV.

Aos 43 anos, o jogador vai acompanhar o mundial pela primeira vez com a confirmação do que apenas supunha sobre a própria ancestralidade. Após topar fazer um teste de DNA que identifica as origens genéticas, descobriu que boa parte de sua composição genética vem da África.

O boleiro ficou emocionado com a proporção, mas também contrariado. Pairava até o último minuto a esperança de um resultado ainda mais africano. A porcentagem, que diz ser insuficiente, o surpreendeu.

Eu achei que grande parte seria na África, mais de 95%. Eu imaginava que seria 100% africano."

No entanto, isso está longe de ser uma decepção. Ainda mais porque Grafite se deu conta que disputou a Copa de 2010, realizada na África do Sul, em um dos países que, no passado, abrigou seus antepassados. O exame trouxe ainda outras descobertas.

Por ter tido pouco contato com os avós, Grafite não buscou na infância saber sobre sua ancestralidade. Isso mudou, após os filhos colocarem a pulga da curiosidade atrás da orelha dele. De certo modo, o teste genético expandiu a geografia do interesse ao mostrar a Grafite que há em seu DNA traços das Américas, Europa e Ásia.

Eu não sabia que teria origem, praticamente, de todos os cantos do mundo. Fiquei surpreso com a diversidade de locais

Grafite, ex-jogador de futebol e comentarista esportivo

Tríplice Coroa de Copa do Mundo

Enquanto estiver analisando o desempenho das seleções, Grafite tomará contato com o lugar que já foi sua casa. Ele morou no Qatar por cinco meses em 2015 durante o período de dois anos em que jogou por times do Oriente Médio (o qataria Al-Sadd e o Al-Ahli, dos Emirados Árabes). Na mala para acompanhar os jogos, o ex-artilheiro levará o impacto do resultado do teste genético como um dos registros mais emocionantes da carreira e da conexão com suas origens.

Em Doha, Grafite irá completar o que ele tem chamado Tríplice Coroa de Copa do Mundo. Durante novembro, os filhos cansaram de ouvir a explicação.

Até 2006, vi como telespectador. Em 2010, fui como jogador. Agora, vou como comentarista".

Antes de chegar às TVs, brilhar em campos franceses e alemães e vestir a camisa de grandes clubes, como São Paulo e Grêmio, Grafite surgiu em clubes do interior.

Ele nasceu em Campo Limpo Paulista, em 1979, e passou a infância na casa dos pais, uma família tradicional do interior paulista. O pai, o metalúrgico Odair Batista Libânio, é de Salesópolis (SP). A mãe, Ilma de Castro Libânio, nasceu em Cardoso (SP).

Devido aos pais terem essa origem e saber que outros parentes não viveram muito distante, Grafite nem imagina de onde viria uma parte curiosa de seu DNA. Ainda que o Brasil não apareça no resultado, a América está contemplada. O teste genético indica que 4% de seu material genético vêm da região andina, que compreende do Chile à Venezuela, passando por Peru e Colômbia, e 1% remonta à América Central.

Sem lembrança

Sobre os avós paternos, Grafite sabe que eram mineiros e negros. A respeito dos maternos, imagina também eram do interior de São Paulo e que a avó era branca e tinha olhos claros, enquanto o avô era preto. Na infância do jovem Edinaldo nos anos 1980, as conversas sobre a bisavós, tetravós e outros familiares mais longínquos não eram assunto.

A lembrança sobre os avós é restrita a pedaços da infância e da adolescência. Os avós maternos morreram quando Grafite tinha quatro ou cinco anos.

A lembrança mais viva que tenho deles é da minha avó por parte do meu pai, Margarida. Quando ela faleceu, eu tinha 14 para 15 anos. Ela teve um AVC (acidente vascular cerebral) e ficou morando um tempo em casa enquanto se recuperava. Dos outros, eu não consigo ter nem lembrança."

Sem essa de 'frango de macumba'

A nacionalidade dos filhos de Grafite reflete a carreira dele no futebol. O caçula Benício, 7, é brasileiro como o pai e a mãe. Já Sofia, 13, nasceu na Alemanha, quando ele jogava pelo Wolfsburg. Cecília, 19, chegou quando a família estava na Coréia do Sul, enquanto ele defendia o Seoul.

É com os filhos e a esposa Grace Kelly Santos que Grafite tenta alinhar o que descobriu com o mapeamento genético e a árvore genealógica.

A Cecília ficou curiosa apegada a isso de descendência quando eu mostrei [o teste] pra ela. Tanto que saiu correndo para ver. Eu já tinha curiosidade, porque ela vai casar ano que vem, e o meu genro tem esse lado. Gosta de fazer a árvore genealógica, tanto que fez a dele e a dela. Fiquei interessado."

Os dados que fascinaram a filha mais velha são aqueles que remetem à África. A região do oeste da África, que compreende países como Camarões, Guiné Equatorial, África do Sul e Angola, responde por 42% do material genético de Grafite. Do leste africano, região dos Grandes Lagos, de povos bantus e parte do Quênia, vêm 25%.

A gente sabe que a cultura africana é muito diversificada. Então, quando a gente fala de África, pensam que é tudo igual, e não é. São culturas completamente diferentes. A partir de agora, vou ter outro olhar: saber o que se come, o que eles gostam de fazer."

Grafite reflete que o interesse em ancestralidade é fruto da vontade que as novas gerações têm de conhecer a história dos povos originários e de populações escravizadas e reconhecer que ambas fazem parte da composição genética do Brasil.

Devido a isso, ele acredita que há uma nova realidade possível de ser vivida pelos filhos. Ele lembra que, quando criança, muitas vezes não identificou situações de racismo por ele não ter acesso à história dos antepassados africanos e contato com outras perspectivas de negros que foram trazidos à força para o Brasil.

Na minha época, a gente não via como racismo, mas já tinha vários apelidos que hoje são pejorativos, tipo ?pelezinho?, ?frango de macumba?, ?kichute? [referência a um modelo de tênis preto]. Hoje, com tudo que vem acontecendo, as coisas reverberam com muito mais facilidade, e há uma procura maior por conhecimento para as pessoas saberem de suas próprias origens. Até para trazer para os dias atuais coisas e costumes que nossos ancestrais tiveram.

Grafite, ex-jogador de futebol e comentarista esportivo

Para branco saber

Deborah Faleiros/UOL

Para Grafite, realizar um teste desses faria bem a pessoas brancas, para que descobrissem que possuem ascendência africana.

A diversidade é muito interessante e houve uma migração através das etnias e dos continentes para que hoje a gente chegasse a uma população de 8 bilhões de pessoas. Até as pessoas brancas têm uma descendência parecida com a nossa. A gente sabe que o berço da nossa existência veio em grande parte por causa da África."

Além de estar em sua ancestralidade genética, o continente africano marcou o destino de Grafite de outra forma. Foi no estádio Moses Mabhida, em Durban, que ele estreou em Copas durante a partida contra Portugal pela fase de grupos. Para ele, a seleção brasileira é uma das mais difíceis de se jogar, porque há muita concorrência. Influenciado pelo teste, porém, ele balança em dúvidas quando pensa qual outra camisa vestiria.

Nasci no Brasil, sou brasileiro, minha seleção de coração é o Brasil, mas se eu não tivesse a oportunidade pela seleção brasileira, mas por outro país, e se eu pudesse escolher mesmo não sendo descendente dele, certamente seria um país africano.?, completou o ex-artilheiro.

Grafite, ex-jogador de futebol e comentarista esportivo

ORIGENS: QUARTA TEMPORADA

Deborah Faleiros/UOL

Promovido por Ecoa, Origens está em sua quarta temporada. Esta edição contou com o evento "As histórias que nos trouxeram aqui", em que celebridades e ilustres anônimos contaram como buscaram respostas sobre o seu passado ou agiram para transformar, cada qual à sua maneira, seus núcleos familiares.

Os intervalos de cada painel contaram com apresentações de slam conduzidas pela poeta e compositora Bell Puã e de stand up lideradas pela humorista e apresentadora dos programas Splash Show e Otalab, do UOL, Yas Fiorelo. A apresentação e mediação dos encontros foi feita pela jornalista Semayat Oliveira.

Além disso, esta temporada conta com perfis de ex-jogadores que disputaram a Copa do Mundo e toparam fazer um teste de DNA para explorar sua ancestralidade. Você também confere um trecho em vídeo do papo com o César Sampaio no Instagram de Ecoa. As reportagens sobre os outros atletas estão a seguir:

  • Mauro Silva

    O REI MAGO DE PÉS AFRICANOS

    Imagem: Gsé Silva/UOL
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  • César Sampaio

    AQUELES PARENTES DISTANTES

    Imagem: Gsé Silva/UOL
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  • Romário

    UM NEGRO MUNDIAL

    Imagem: Arquivo/AFP
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  • Cafu

    AQUELES NEGROS MARAVILHOSOS

    Imagem: Laurence Griffiths /Allsport/Geety Images
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  • Ronaldão

    CAMPEÃO DO TERRÃO

    Imagem: Reprodução
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  • Grafite

    O SONHO DE SER 100% AFRICANO

    Imagem: Jamie McDonald/Getty Images
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  • Ramires

    25/11

    Imagem: Antonio Scorza/AFP
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