Qual grafite vocês têm mais orgulho de ter feito?
Gustavo - É difícil falar. Às vezes a gente vai pintar debaixo de um viaduto, num lugar onde mora uma família, e aquele trabalho tem muito significado para eles. Ou chega um menino com uma caixa de engraxar sapatos e pede para a gente enfeitá-la. Ver o sorriso dele depois é muito gratificante.
O que essa exposição na Pinacoteca significa para vocês?
Otávio - É um dos projetos mais importantes que a gente já fez. Pelo fato de a gente ser daqui de São Paulo, de ter crescido no Cambuci. Vai ser uma retrospectiva da nossa história, já estamos nesse barco há mais de 30 anos.
Gustavo - O trabalho conta a história da nossa vida, que passa pelo grafite, mas também pela ilustração, pelas esculturas e instalações. Não estamos sozinhos ali. É como se estivéssemos junto com todos os que estão fazendo isso ou que acreditam nesse universo. Porque tem muita gente talentosíssima que não tem oportunidade. É uma chance das galerias, dos curadores e dos críticos enxergarem que tem muita gente boa do lado de fora. É preciso abrir as portas para essas pessoas, dar oportunidades. Esse nome "Segredos" e o fato de ser uma retrospectiva é legal para mostrar a quem está começando como chegamos até aqui. Pensamos muito em dividir qual foi o caminho das pedras, sabe?
Se fosse para dar conselhos a um moleque que está dando os primeiros passos na carreira artística, quais seriam?
Gustavo - Acreditar que é possível, andar pelo caminho certo, nunca passar por cima de ninguém. No trabalho, tentar somar, crescer e dividir com o próximo as coisas boas.
Otávio - Se você plantar o bem, vai colher o bem. Se você plantar o mal, vai colher o mal.
Vocês têm um lado espiritual muito forte e falam de um universo paralelo chamado Tritrez, de onde vem boa parte da inspiração de vocês. Acessaram muito esse lugar na quarentena?
Gustavo - Sim, porque ficamos muito tempo dentro de nós mesmos nesse período. A gente fecha os olhos, assiste a uma espécie de filme em Tritrez e materializa esse filme através dos nossos desenhos, das nossas pinturas e dos nossos grafites. Esse universo paralelo no qual a gente acredita é muito grande, é enorme. Às vezes sentimos que o tempo aqui na Terra não é suficiente para podermos materializar tudo o que a gente enxerga dentro dele. Então, para nós, o importante é estar produzindo sempre e materializar isso que está na nossa cabeça.
Vocês praticam meditação?
Gustavo - Para nós, o estado meditativo é quando a gente está contornando nossos desenhos. É o nosso momento de meditação, quando a gente se desliga de tudo ao redor.
Que tipo de reflexões esse período de isolamento provocou em vocês?
Gustavo - A gente está sempre buscando novas ideias, novas inspirações para poder dividir com as pessoas de uma forma positiva. Transformar toda essa negatividade que a gente vê no dia a dia em algo lúdico, que dê alguma esperança para alguém, que faça a pessoa sonhar. Quando você pinta a lateral de um prédio, está dividindo com o mundo o seu trabalho. No nosso caso, a gente sempre procurou transmitir uma coisa positiva porque achamos que a arte tem esse poder de modificar: seja por meio da dança, da música ou da pintura.
Qual o significado da cor amarela dos personagens de vocês?
Gustavo - É uma cor que a gente acha super universal, é muito espiritual. Tem um lance da identidade: se você tem uma característica no seu trabalho, quem olha a identifica. Era uma preocupação que a gente tinha muito no início, quando começamos a pintar. A gente discutia isso com nossos amigos grafiteiros: o Speto, o Vitché, o Binho e o Tinho. Era essa busca de ter um estilo, uma autenticidade no trabalho. Nós olhávamos os livros de grafite norte-americanos e tentávamos entender os estilos das letras e dos personagens. A gente queria descobrir o nosso, ter uma identidade que as pessoas pudessem bater o olho e sacar. Não só pelo traço, mas pela cor também. Então o amarelo serviu para isso.