GUARDIÃO DA FLORESTA

Oskar Metsavaht, diretor criativo da grife Osklen, alia arte e ativismo em busca de uma moda mais responsável

Fernanda Canofre Colaboração para Ecoa, de Porto Alegre (RS) Chico Cerchiaro/ Divulgação

Oskar Metsavaht, 60 anos, sempre foi ligado à natureza: seu sobrenome significa "guardião da floresta" em estoniano. Vivendo no Rio de Janeiro, o diretor criativo da grife Osklen e do estúdio OM.art teve a oportunidade de assistir a Eco-92 —mais tarde, o idealizador da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Maurice Strong, se tornou seu mentor.

"Foi ali onde se cunhou o conceito de desenvolvimento sustentável. Ele é muito importante e simples de compreender. A minha geração pensava: temos de preservar o planeta, não podemos tocar na natureza para o desenvolvimento econômico. Mas era muito romântico, porque a história da civilização humana é se desenvolver economicamente, até para poder distribuir renda, melhorar a qualidade de vida das pessoas", diz.

Em 1994, já envolvido com as questões ambientais, Metsavaht embarcou em uma expedição na Amazônia que influenciaria definitivamente em sua decisão de se tornar um ativista pelo meio ambiente.

"Lá, você vê aquela riqueza da biodiversidade, das culturas e conhecimentos ancestrais indígenas, são coisas muito potentes, mas ao mesmo tempo vê a extração do garimpo, o impacto de madeireiras. É a riqueza da natureza e do espírito humano versus a força econômica de uma coisa destruidora. Você olha e diz: que coisa antiquada."

Hoje, aliando sua atuação na moda e como artista às atividades de ativista socioambiental, ele defende conceitos como o ASAP, de transição de empresas para cadeias mais responsáveis. E, à frente do Instituto-E, ajuda a conectar instituições acadêmicas e científicas, ONGs, iniciativa privada e outros agentes para promover projetos e ideias de desenvolvimento sustentável.

Chico Cerchiaro/ Divulgação

Ou você era o naïve [ingênuo] romântico que queria proteger a natureza ou era o empresário destruidor. E eu não me encaixava em nenhum desses perfis. Foi quando descobri o conceito de que, sim, nós humanos podemos usar os recursos naturais do planeta para o desenvolvimento econômico, se os mantivermos iguais ou melhores para as próximas gerações.

Oskar Metsavaht, diretor criativo da grife Osklen e do estúdio OM.art

ECOA - Sua formação é em medicina, depois você migrou para a arte e para a moda. Como foram essas transições de carreira?

Oskar Metsavaht - Eu comecei como artista não profissional, então, meu verdadeiro espírito é o de artista. Eu não só fiz a formação, mas trabalhei como médico por um bom tempo, fiz parte dos meus estudos na França.

O que me levou a me tornar designer de moda foi uma expedição que fiz nos anos 1980 aos Andes, em que fui como médico do grupo e alpinista. Fui realizando um trabalho de pesquisa do comportamento humano, de atletas em alta montanha, e fui responsável pela roupa técnica. Usei meus conhecimentos científicos —biofísica, anatomia, ergonomia— para criar uma camada física que protegesse do frio e das intempéries.

Criei casacos e calças que funcionaram bem e, esteticamente, ficaram cool. Abri uma loja em Búzios (RJ) com o dinheiro que eu tinha, com uma namorada e meu irmão, que me ajudou a fazer o primeiro casaco —ele trabalha como médico até hoje.

Foi um sucesso no primeiro instante porque, quando você cria uma coisa original, numa estética universal, com a qual mais pessoas se identificam, orgulhosamente feita no Brasil, você tem propriedade de poder falar daquilo.

Fomos melhorando as práticas, tivemos vários projetos que falharam por diversas questões, mas continuamos fazendo coisas novas e hoje temos vários projetos, através de fibras, materiais, pigmentos. É uma transição.

Oskar Metsavaht, diretor criativo da grife Osklen e do estúdio OM.art

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Como foi inserir conceitos de sustentabilidade em uma empresa, quando esse tipo de preocupação não estava tão em voga?

Minha primeira experiência foi no interior do Ceará, com a ONG Esplar, de projetos sociais, em parceria com a Embrapa, para criar a primeira produção de algodão orgânico do Brasil. A Embrapa já tinha os estudos e a ONG ajudava agricultores familiares a entenderem a importância de não se contaminar nem contaminar o solo e os lençóis freáticos. Eles recebiam a metodologia da Embrapa, as sementes, e eu entrava com o compromisso de, no primeiro plantio, comprar o algodão e estudar como transformá-lo numa commodity.

Recebi um telefonema da cooperativa sobre a colheita, mas surgiram os primeiros desafios -eu tinha comprado o fardo de algodão, mas o que poderia fazer com ele? Eu não sou indústria, e não encontrava quem tecesse para virar fio. Achamos um amigo que tinha uma máquina parada há um tempo, mas quando fui certificar o algodão, não dava, porque o maquinário que usamos para tecer era antigo e podia estar contaminado.

O algodão orgânico é igual ao outro algodão, não muda nada no aspecto. A importância de a cadeia ser ética é que, com ele, não estamos contaminando os trabalhadores, o lençol freático, a água para as próximas gerações.

A camiseta, naquele momento, custava uma fortuna, inovação é caro -eu lancei abaixo do preço e, se eu olhasse só pelo custo empresarial, nunca iria fazer. Quando chegou para a sociedade de consumo, as pessoas não valorizavam. A gente ainda consome mais por ser mais barato, não temos como opção de compra ser nobre eticamente, sustentavelmente. Naquela época, mais ainda.

Como empreendedor, decidi investir nisso porque acredito na questão ética, no futuro da economia, que faz parte da ideologia, dos valores da cultura da marca, que são meus e expresso na Osklen, sabia que estaria sendo vanguarda.

Em 2005, cunhei o termo 'new luxury' com espanhóis e italianos, para identificar produtos vindos de origem sustentável. É o novo luxo do século 21 entender a cadeia de suprimento que protege o meio ambiente, que melhora a qualidade de vida de comunidades. Acho que essa coisa do desenvolvimento sustentável já engatou, estou pensando o pós-sustentável.

Oskar Metsavaht, diretor criativo da grife Osklen e do estúdio OM.art

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Pode falar mais sobre o conceito ASAP?

As sustainable as possible, as soon as possible (o mais sustentável possível, o quanto antes possível). Peguei os últimos 20 anos da Osklen, convidei a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a Coppead, para mergulhar nos meus números sustentáveis, e eram maiores do que a gente imaginava.

Quis mostrar para todo mundo isso, o pensamento ASAP, porque ele dá um alívio para o empresário. Eu não tenho que começar 100% sustentável, é difícil. O importante é que 1%, 5%, 10% sejam transparentes, sustentáveis ambiental e socialmente e que gerem, realmente, economia local de transformação, que você vai escalando ao longo do tempo.

O senhor defende que sustentabilidade tem de fazer parte da cultura de uma marca, além do marketing, e que hoje uma peça vale mais pela ética do que pela grife. Como vê isso dentro da própria indústria?

A Osklen nunca teve cara de marca gringa, é uma marca de moda, de design, a sustentabilidade está por trás, não tem que aparecer. Você não precisa estar dizendo, olha eu sou bonzinho, eu sou ético. Óbvio que tem que ser. Jornalistas internacionais, da Vogue, vinham para semanas de moda, viam a Osklen, "pô, que legal como conceito, cultura de Brasil", e quando viam que era sustentável faziam "uau".

Muitas marcas estão comprando créditos de carbono que, para mim, é importante, mas é tipo: estou fumando na calçada, eu jogo a guimba no chão porque estou pagando alguém para recolher. Me odeiam quando digo isso. Acho que se a marca não consegue fazer projetos sustentáveis, ok, mas caramba, já são 30 anos.

Se você olhar, hoje em dia se compra carro, comida sustentável, as empresas mudaram mais do que a sociedade. Para mim, hoje é um dever, não curiosidade, sabermos a origem dos produtos que a gente consome.

Oskar Metsavaht, diretor criativo da grife Osklen e do estúdio OM.art

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Sobre consumidores, há a questão financeira diante disso, do valor final dos produtos. Como tornar esses produtos acessíveis?

Como as empresas vão diminuir custo se a gente ainda compra o que é mais barato, o que é cópia, o que dá mais status? A gente ainda não faz nossa escolha por ser mais sustentável ambientalmente, nem socialmente, nem legalmente em termos de respeito autoral. É difícil compreender as cadeias, a gente precisa mostrar para as pessoas o quão bela e importante é a cadeia, como ela é um luxo, como ela é cool.

Em um país em crise, onde as pessoas não têm dinheiro, como tornar isso acessível?

Diziam que o fast fashion era legal porque era uma democratização da moda, porque o custo era mais viável. A educação tem que ser democratizada no país, não o consumo.

Fazer roupa mais barata não é sustentável socialmente, nem ambientalmente, você acha que temos que estar comprando roupa toda hora?

Você pode curtir a moda sem ter de estar comprando. Compre pouco, mas compre aquilo que significa muito para você e para quem fez a cadeia por trás. Nosso consumo tem que ser consciente. Democratizar não é estar com o guarda-roupa lotado de peças, que você nem sabe o que vestir pela quantidade, mas usar peças originais, de preferência sustentáveis.

Está na hora de termos nossa Apple, nosso Vale do Silício dentro da Amazônia. Se pegarmos nossas instituições de pesquisa, junto com os povos da floresta, junto com uma visão empreendedora, ao lado de uma zona franca que já tem incentivos, por que não fazer a mesma coisa, trazendo instituições de fora do país?

Oskar Metsavaht, diretor criativo da grife Osklen e do estúdio OM.art

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O senhor disse em uma entrevista que "o Brasil tem todos os elementos para ser um dos líderes da nova economia do século 21, a economia verde". O que falta?

A gente olhar para nossa terra fértil, olhar que nossa biodiversidade nos dá uma gama enorme de materiais, que a gente pode aprender com as comunidades ancestrais e, ao mesmo tempo, com nossa indústria, instituições de pesquisa, como Embrapa e outras.

Se olharmos isso, se unirmos a nossa criatividade que é diferente de outras culturas, na nossa miscigenação temos uma coisa muito rica. O mundo deseja adquirir produtos que tenham a expressão da nossa cultura em uma estética universal.

Se eles forem sustentáveis ambientalmente, que ajudem a Amazônia, outros biomas, a caatinga, o pampa, o cerrado, e as comunidades, são esses os valores econômicos do século 21.

Por parte de quem falta esse olhar?

Dos empreendedores, empresas que enxerguem isso. As instituições de pesquisa e acadêmicas já são parceiros. Falta o nosso governo, da mesma forma que incentivou a zona franca de Manaus para crescer industrialmente, botar isso como prioridade.

Temos todos os elementos para poder, juntos, empacotarmos desde a semente, passando por todo o processo de transformação, de design, de criar valor agregado. E botarmos um made in Brazil, um selo que mostre o quão cool nós somos e que isso é ambiental e socialmente correto, ajuda a manter a Amazônia em pé e que seja valor de marca lá fora.

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