O mundo pós-pandemia está em disputa. De um lado, as fragilidades de um sistema que já dava sinais de colapso podem acelerar mudanças, como a adoção de uma renda básica universal e investimentos em uma matriz econômica descentralizada. Tem gente exercitando a empatia e a colaboração. Mas há também os que estão ávidos para seguir na mesma toada. Neste outro campo, quem desmatou quer desmatar mais, quem garimpou quer garimpar mais, quem poluiu quer poluir mais, quem precarizou o trabalho quer precarizar ainda mais.
A avaliação é da ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. "Com a Segunda Guerra, alguns aprendizados foram feitos, e um dos resultados foi a criação do Estado do bem-estar social. Essa pandemia vai trazer o que de positivo? Se não houver medidas que reposicionem injustiças históricas, estaremos produzindo uma seleção dos que terão chances de viver e dos que estarão condenados", acredita.
No auge da pandemia, Marina afirma que os que atuam "à luz da legalidade" têm mobilidade reduzida, enquanto os que atuam "na sombra da criminalidade" estão a todo vapor — o que se revela nos índices de desmatamento e na fala do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles em reunião que foi a público na sexta-feira (22), na qual diz ver no foco à Covid-19 uma oportunidade para afrouxar leis. "Ele está lá para operar desmonte da governança ambiental. As comunidades tradicionais estão sendo atacadas pelo coronavírus, corona-grilagem, corona-garimpo e corona-governo", diz a ex-ministra, que vê total convergência entre o negacionismo quanto ao colapso climático e quanto à pandemia: "Se as pessoas não se convencem com algo posto na frente delas, imagine quando você fala: 'daqui a 50 anos, se seguir destruindo a Amazônia, não haverá chuva no Sul, Sudeste e Centro-Oeste'".
De Brasília, onde está em quarentena desde 1º de março com a família, Marina Silva conversou com Ecoa por telefone em duas ocasiões. A primeira, no dia 14, e a segunda, no sábado (23). Devido à pandemia, seu último deslocamento, a São Paulo, aconteceu em fevereiro. Desde então, ela precisou cancelar cinco viagens que estavam programadas, inclusive para o Japão. A conferência acabou ocorrendo de forma remota. "Estou no grupo de risco. Tenho 62 anos, peguei cinco malárias, hepatite, e tenho uma saúde que me deixa em maior vulnerabilidade", diz.