Meio ambiente nas urnas

Ecoa analisa candidaturas à prefeitura para saber se teremos cidades mais verdes em 2021

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo

As novas lideranças municipais brasileiras serão escolhidas a partir do próximo dia 15 de novembro, primeiro turno das eleições. Enquanto muito se falou nos últimos meses sobre a pauta ambiental e o aquecimento global, o tema passou longe de debates e entrevistas com candidatas e candidatos. Afinal, quais são seus planos em relação ao meio ambiente?

Para descobrir, Ecoa analisou o programa de governo de quem está se candidatando à prefeitura de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Cuiabá e Belém. As capitais foram escolhidas por possuírem altos índices de poluição atmosférica, número elevado de emissores de gases poluentes a nível municipal ou estadual, originados de carros, fábricas ou queimadas. Também são municípios com desafios peculiares, que podem criar soluções nacionais para um meio ambiente saudável, um direito constitucional de todo brasileiro.

A agenda ambiental furou a "bolha" entre esquerda e direita entre as possíveis futuras lideranças dos executivos municipais. Quando o assunto é meio ambiente, o representante de um partido conservador, como o Republicanos, pode defender ideias similares às de um candidato do progressista PSOL, por exemplo.

Um aspecto comum, porém, são as propostas em boa parte genéricas, com poucas ideias que demonstram um aprofundamento em ações em prol do meio ambiente nas grandes cidades. como os "empregos verdes". Mas não faltam defesas a temas importantes e "da moda", como sustentabilidade.

Em Cuiabá, o combate às queimadas é um tema de destaque, pela proximidade à destruição causada pelo fogo no Pantanal. Já em São Paulo, o enfoque é maior em problemas globais, como "aquecimento global", do que na amazônica Belém.

Ecoa mapeou 13 termos usados nos programas de governo de cada um dos 45 candidatos, pertencentes a partidos com participação mínima de cinco representantes eleitos no Congresso Nacional.

Como está seu candidato?

A cada eleição, candidatos apresentam uma proposta de governo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os documentos são públicos e podem ser acessados por qualquer pessoa com acesso à internet. Não há regras para apresentá-lo. Um programa pode ser detalhado, com metas exatas a serem cumpridas. Ou serem um conjunto de diretrizes e defesa de ideias sem apontar caminhos concretos. Propostas da campanha eleitoral podem ficar de fora do documento. De qualquer maneira, o plano de governo demonstra o grau de compromisso dos candidatos com temas relacionados à cidade, que podem (e devem) ser cobrados pela população caso o representante seja eleito.

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Rio de Janeiro (RJ)

Mesmo com a natureza exuberante, o Rio de Janeiro já foi listado pela ONU em uma lista com 1,600 cidades mais poluídas do mundo. Atrás só de Santa Gertrudes, município paulista conhecido como a cidade "mais poluída do Brasil" devido à indústria cerâmica. O município ficou na 262º posição do ranking.

A vendedora de cosméticos Alexandra Kritkos, 32, ainda não tem candidato, mas deseja que o escolhido mantenha o verde da cidade e traga pautas favoráveis ao meio ambiente. "O meio ambiente é parte da sobrevivência da gente como sociedade. Tem que cuidar do planeta", diz a moradora da Barra da Tijuca. "Não dá para desmatar uma área e fazer rodovia. Tem que ver antes", diz ela.

Entre os candidatos à prefeitura do Rio, muitos denotam que a cidade "tem a maior floresta urbana do mundo" e exploram a manutenção a parques já existentes (47 menções) e áreas verdes (14 menções). As menções aos gases do efeito estufa, responsável pelo desconforto térmico, porém, têm menos da metade (7) das citações do que dos candidatos à prefeitura de São Paulo (16). Mas como o Rio é palco de grandes convenções da ONU, os candidatos apostam em pautas globais como a crise climática (13 menções) - ainda que o tema esteja restrito a quatro partidos (PSOL, Republicanos, PDT e PSL).

O PSOL, à esquerda, concentra 30% de todos os 282 termos relacionados ao meio ambiente nos projetos de governo analisados. A candidata Renata Souza é também quem mais apresenta sugestões para a criação de mais parques nas cidades (15).

O partido Republicanos de Crivella, no Rio de Janeiro, e o ambientalista Rede, em São Paulo, foram os únicos a utilizar o termo "empregos verdes" (2 cada), cunhado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Isso denota certa especialização dos candidatos à ideia de criar uma economia e produção de dinheiro a partir de pesquisa, agricultura e consumo sustentável com baixa (ou nenhuma) emissão de carbono.

O candidato do MDB, Paulo Messina, não apresentou plano de governo, enquanto que o candidato do Novo, Fred Luz, não apresentou propostas relacionadas ao meio ambiente.

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Belo Horizonte (MG)

O PSOL ainda é o partido que apresenta maior número de termos relacionados ao meio ambiente. Desta vez, com 40 deles ligados à candidatura de Áurea Carolina, com 21% de todas as propostas ambientais do município. É também onde há 4 citações à crise climática, o maior número de citações deste termo no município, à frente do PCdoB (2) e do Cidadania (1).

Alexandre Calil, do PSD, atual prefeito, é o segundo com maior número de propostas: 38. O candidato, porém, mescla o programa com cuidado aos animais - sem especificar quais, faz sentido tratar-se de animais domésticos, como gato e cachorro —, juntamente à pauta ambiental.

Belo Horizonte tem a terceira maior frota de veículos do país, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. São 2 milhões de veículos registrados na capital mineira, sem considerar os que circulam pela região metropolitana. Há 21 menções aos automóveis em BH, pouco à frente do Rio de Janeiro (18).

A reportagem considerou propostas de restrições veiculares e medidas que relacionam os automóveis à poluição. Em cidades como São Paulo, há de ideias para incentivar o carro elétrico a aumento da oferta de transporte coletivo para reduzir índice de emissões. Em Belo Horizonte, por exemplo, o candidato Wadson Ribeiro (PCdoB) propôs um dia sem carro para diminuição da poluição. Com seis citações, empata em primeiro lugar no maior número de proposições com Rodrigo Paiva (Novo), embora o comunista seja mais preciso.

Comum em planos de governo, o meio ambiente parece muitas vezes como política de menor escala, como reciclar lixo. Apenas PSOL, PcdoB e Cidadania citam preocupações de ordem macro, como o aquecimento global.

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Cuiabá (MT)

A professora Thainá Oliveira, 29, é obrigada a varrer as cinzas carregadas pelos incêndios que destroem a região do Pantanal. A casa é repleta de umidificadores de ar. Cuiabá, onde nasceu e vive, é conhecida pelas altas temperaturas. Mas ela não se recorda de ter vivido dias tão quentes. "Não vejo políticos batendo muito na tecla para nos alertar sobre o aquecimento global. E dá medo. Aqui bateu 46ºC, com umidade do ar a 4%", diz. Para piorar, ela reclama que árvores foram cortadas pelas prefeituras para implementar um veículo leve sobre trilhos para a Copa do Mundo de 2014. "Até onde vai isso?", questiona.

Um estudo de 2019 da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) calculou que a concentração de material particulado e outros poluentes chegam 86,3 µg/m³ durante a noite, quando há a chamada "inversão térmica" e o ar quente acumulado na atmosfera impede a dissipação de poluentes. A Organização Mundial da Saúde sugere que o índice de poluição aceitável é na média de 50 µg/m³. "Os prefeitos precisam reconhecer que há um problema", acrescenta a docente. Por isso, ela pretende votar na candidata que criou a meta de plantar 1 milhão de árvores na capital do Mato Grosso, Gisela Simona (Pros).

A cidade se diferencia das capitais do sudeste por ter candidatos à direita ou centro que dão destaque à temática ambiental. O prefeito que disputa a reeleição Emanuel Pinheiro (MDB) tem o maior número de citações a pautas ambientais em seu programa de governo, com 28 menções a defesas ambientais. A seguir aparece o candidato Abílio, com 26.

Se em outras capitais, como São Paulo, o PT saiu à frente em propostas, em Cuiabá o partido teve apenas 11 menções a termos ligados ao meio ambiente, em propostas vagas, para a candidatura do ex-juiz federal Julier. O PSOL, somou 4. O termo "meio ambiente", usado de maneira genérica, não é citado uma só vez no projeto de governo do pessolista Gilberto Lopes Filho.

A candidata Gisela é a terceira colocada na cidade, com 17 menções, mas com propostas que apresentam maior detalhamento, como a criação de grupos de trabalho com 30 pessoas exclusiva para o plantio de 1 milhão de árvores na cidade, processamento em 100% das 500 toneladas de lixo produzidas na cidade, criação de grupos anti-incêndios e parceria com o município vizinho de Vargem Grande para tratar do Rio Cuiabá.

"A formação de consórcios intermunicipais ou regionais pode ser eficiente para a limpeza de rios. Um prefeito pode achar que o problema está em seu território, quando na verdade ele pode ajudar a resolver o da cidade ao lado para resolver o problema em seu próprio município", explica a especialista Juliana Baladelli Ribeiro, analista em soluções baseadas na natureza, da Fundação Grupo Boticário.

Em seu plano de governo, o atual prefeito de Cuiabá, com o maior número de menções ao meio ambiente, não cita consórcios intermunicipais. Apesar de se comprometer contra os incêndios, ainda que sem exatidão, dedica um capítulo inteiro à integração da cidade pela luz solar. A candidata do Pros, porém, demonstra como o partido não tem uniformidade entre as capitais analisadas. Em Belo Horizonte, por exemplo, o candidato pelo mesmo partido, Fabio Cazeca, não faz menção a termos ligados ao tema.

As prefeitas e os prefeitos

O Brasil vai eleger prefeitas e prefeitos para os 5.570 municípios no dia 15 de novembro. E têm papel fundamental para mudar hábitos ambientais e lutar contra a crise climática global, segundo Mônica Sodré, diretora-executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). A rede oferece treinamentos e materiais sobre sustentabilidade de forma suprapartidárias a políticos que se interessem pelo tema.

Os prefeitos tratam de questões que afetam a minha, a sua e a nossa vida em relação ao meio ambiente. É importante que eles falem de um sistema como um todo, desde o SUS sobrecarregado por doenças respiratórias da poluição, a gases do efeito estufa, um pacto ecológico com o transporte e até no consumo de alimentos por meio de agricultura familiar e comunitária

Mônica Sodré

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Direita e esquerda, volver!

Desde o início dos anos 1990 a agenda ambiental tenta ultrapassar barreiras entre direita e esquerda política. Nem mesmo a mensagem negacionista de líderes de países grandes e ricos, como o Brasil e o ainda presidente americano Donald Trump, reduziu o empenho de grandes cidades com a diminuição dos Gases do Efeito Estufa (GEE). A iniciativa gerou grupos como o C40, documento assinado por 40 grandes prefeituras pelo mundo, em grupo liderado pelo ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg. Entre representantes brasileiros estão São Paulo e Rio de Janeiro.

Nas propostas para a capital paulista, por exemplo, fica explícita a vocação suprapartidária do tema. Das menções ambientais em planos de governo, 39,7% estão entre partidos tradicionalmente à esquerda, como PT e PSOL. A Rede, criado com foco no meio ambiente, é o terceiro colocado, com 133 menções. Mas logo atrás estão siglas conservadoras, como a de Joice Hasselmann (63 menções), do PSL, e Celso Russomanno (50 menções), do Republicanos, partido ligado à família do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O cenário paulistano é similar no Rio de Janeiro, onde Marcelo Crivella do Republicanos só fica atrás do PT e PSOL em números de menções.

A complexidade da agenda, porém, é alterada entre as capitais. Na cosmopolita São Paulo, o candidato Jilmar Tatto (PT) dedica um capítulo às mudanças climáticas. O mesmo assunto é citado apenas uma vez entre todos os candidatos a prefeito em Cuiabá, no programa de Abilio Junior (Podemos). Outra diferença é a aplicabilidade. "Um dos maiores desafios é colocar a pauta ambiental nas agendas orçamentárias e diretrizes, e não segregá-las a somente uma pasta ambiental com poucos recursos financeiros", diz a especialista.

A consciência ambiental tem crescido como uma questão do clima que está aqui e vai ficar para o futuro.

Mônica Sodré, diretora-executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS)

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São Paulo (SP)

Ainda em São Paulo, parques são uma sensação e citados 97 vezes nos planos de governo de todos os candidatos. O termo, que se refere a uma proposta prática, só fica atrás do termo "Ambiental" — dividida entre a criação de uma secretária ambiental, promoção de áreas de reserva ambiental e promoção de educação ambiental em todas as escolas municipais.

O candidato Celso Russomanno (Republicanos) tem como principal proposta a articulação de uma Guarda Civil Municipal Ambiental e um código ambiental para a cidade e 100% do ensino público municipal com educação ambiental. É uma amostra de que mesmo candidatos mais conservadores — Russomanno foi apadrinhado por Bolsonaro — ainda tocam no assunto do meio ambiente.

Os termos "poluição" e "poluentes" em São Paulo aparecem mais (46) que os gases do efeito estufa (16) e crises climáticas (13), sugerindo que os termos ainda podem soar distantes dos eleitores e dos próprios políticos.

Em comum, os candidatos associam, em maior ou menor intensidade, a poluição com a frota de cerca de 8 milhões de automóveis registrados no município — o maior número absoluto no país. Até mesmo Arthur do Val (Patriotas), abertamente contrário à agenda à esquerda, endossa o coro sobre o acesso à cidade sob a interferência dos veículos no meio ambiente, citados 39 vezes entre candidatos paulistanos.

Afinal, o que é "sustentável"?

Segundo a especialista Estela Alves, a agenda ambientalista começou a ser consenso acima das divisões políticas a partir dos anos 1970, quando a ONU começou a promover convenções sobre meio ambiente.

"Hoje, a pessoa pode ser um radical de direita, amigo do Bolsonaro ou defensor do Lula, ninguém vai falar que é contra querer um meio ambiente saudável", diz a pesquisadora pós-doutoranda do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP).

Por outro lado, surgiu o termo "sustentabilidade": um conjunto de ideias para estimular um mundo mais saudável, menos predatório e com consumo pensado a longo prazo. "Era uma ideia que nosso modo de viver iria extrapolar a capacidade da Terra de nos abastecer", explica. "Mas virou uma palavra da moda; vamos fazer qualquer coisa sustentável. A palavra é usada para tudo, mas nem todo mundo tem muita noção", diz.

Em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Cuiabá e Belém o termo sustentável foi utilizado 246 vezes no total. Na capital paulista, foi ainda mais usado do que o termo genérico "meio ambiente". Em Belém, o candidato Thiago Araujo (Cidadania) dedicou a criação do "Barômetro da Sustentabilidade" para quantificar a sustentabilidade do município. Sozinho, citou o termo 112 vezes.

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Belém (PA)

Nada disso fica muito claro para Gabriela Dias, 28, nascida e criada em Belém. "É nebuloso o conceito do que 'é uma pauta de sustentabilidade", diz. Apesar de o meio ambiente não ser a prioridade da designer na escolha para a prefeitura, ela reconhece que a atuação no cargo ajudaria a tê-la mais contato com a natureza. "Eu estou no meio da Amazônia, mas falta arborização. É um calor do inferno!", reclama. "Todo projeto de parque tacam um monte de palmeiras, nada de árvores nativas".

Os sete candidatos a prefeito de Belém citam 17 vezes planos para arborizar mais a cidade. Há somente 4 menções à criação e manutenção de parques. Mas Gabriela tem uma preocupação adicional, citada apenas duas vezes entre todos os candidatos: o aquecimento global. Diferentemente das capitais do sudeste, a região que sofre os efeitos da devastação da floresta amazônica só fala do tema global no projeto de governo de Cássio Andrade (PSB).

Em terceiro lugar nas citações à agenda ambiental de Belém está Vavá Martins, com 27 termos. É o que mais se aproxima da linha de defesa ambiental do governo federal, à qual o partido Republicanos é aliado. Defende a criação do chamado crédito de carbono para empresas. A medida é polêmica, mas é a amostra da influência da política ambiental federal e um aliado local.

Até 2021, Gabriela espera que andar pelas ruas de Belém — cidade que ela, no fundo, revela amar —- tenha mais árvores e verde. "É uma coisa que não precisa ser especialista, a gente sente na pele, literalmente", conclui.

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