Às cinco horas da manhã, a pequena Márcia já estava de pé. Todos os dias, ela ia com o pai observar o rio. Ia em silêncio e, antes que tomasse para si a palavra, era interrompida. "Ouça o rio", o pai dizia. Depois de cerca de duas horas a ouvir as águas do Solimões, ela mergulhava. "Confie no rio e aprenda com ele", Márcia ouvia do pai.
"Fui entender mais tarde, com meus estudos e vivências, que meu pai estava me apresentando à sabedoria milenar do rio que, quando criança, eu não entendia, mas que mais tarde iria servir para a formação da minha identidade como mulher kambeba", conta Márcia Wayna Kambeba, mestre em geografia e escritora.
O povo kambeba é o povo das águas. Os mais velhos costumam contar que o povo nasceu de uma gota d'água que caiu do céu em uma grande chuva. Nessa gota, estavam duas gotículas: o homem e a mulher. Quando a gota se arrebentou e liberou as gotículas, elas se chocaram no tronco de uma grande sumaumeira. Ali, nasceram o homem e a mulher kambeba. "Por essa narrativa e cosmologia indígena de que nós somos o povo das águas é que o rio nos tem fundamental importância", diz Márcia.
Os kambebas estão principalmente na região do Alto Solimões, no estado do Amazonas. É em meio ao rio de águas claras que a sobrevivência do povo é garantida. O rio é estrada, é fonte de alimento, é cultura, é pedagogia e, para Márcia, é também poesia. Quando perguntada sobre a importância do rio Solimões para seu povo, ela declama: "A água é a mãe que sustenta/A vida que nasce como flor/Alimenta a planta e o ser vivente/É estrada onde anda o pescador".
Depois de sua poesia "Os filhos das águas dos Solimões", finaliza. "Não existe aldeia kambeba que não seja próxima do rio".