Maria Teresa Vieira é tataraneta de escravizados. Aos 42 anos, vive no quilombo do Nhunguara, no Vale do Ribeira (SP). Junto a outros moradores das cerca de 200 famílias dali, ela tem buscado "tornar menos dolorida e difícil a vida de quem está padecendo com essa pandemia". Em uma ação organizada, o que é produzido na roça dos quilombos tem ido para a mesa de famílias pobres da região e da capital.
"Tive uma vida de privações, mas nunca passei fome porque minha mãe sempre trazia algo da roça. Nós temos variedade de alimentos. Disso, somos 'ricos'. Então, acho que podemos ajudar", diz ela.
Se a alimentação já é um direito que nem todo brasileiro tem regularmente, em uma situação de pandemia a desigualdade se agrava. A previsão de especialistas não é animadora: o país deve triplicar o número de pessoas em situação de extrema pobreza. Eram 13,8 milhões em 2019, quando a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) informava que o Brasil estava de volta ao Mapa da Fome, posição que havia deixado em 2014.
Enquanto as políticas públicas não chegam, ou chegam lentamente, agricultores familiares em todo o país têm se organizado em ações coordenadas para distribuir comida a populações de periferias nas grandes cidades, pacientes de covid-19 em hospitais públicos superlotados, povos indígenas, pessoas em situação de rua, desempregados. Esses produtores integram um setor do agronegócio que, embora dissociado da imagem pujante de país exportador, responde pela renda de 40% da população economicamente ativa do país e por mais de 70% da renda dos brasileiros ocupados no campo.
Para entender como vêm trabalhando, Ecoa foi ouvi-los. Eles são parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), dois grupos que têm feito distribuições de alimentos orgânicos in natura, marmitas e leite a comunidades vulneráveis. Juntas, as ações já somam mais de 1.200 toneladas de alimentos. Se há "linha de frente", há também ação de base.