Imagine acordar num dia e notar uma movimentação estranha na vizinhança. Carros que não costumam frequentar a região vão e vem em um trajeto suspeito, repetido inúmeras vezes. O ar é tomado pela apreensão. Um grupo de moradores se reúne e decide seguir um dos veículos para descobrir o que está acontecendo. Encontram homens trabalhando: quebrando pedras, fotografando o espaço, retirando amostras para pesquisa. Uma máquina prepara-se para perfurar o solo, outra está a postos para abrir uma estrada em meio às árvores. "Queremos comprar essa área, temos dinheiro", ouvem de um deles.
A cena poderia ter saído do filme "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, mas se trata de uma história vivida pela advogada Rafaela Eduarda Miranda Santos, na comunidade quilombola de Porto Velho, no Vale do Ribeira, interior de São Paulo. Os intrusos eram funcionários de uma empresa de mineração que havia recebido uma autorização do então Departamento Nacional de Produção Mineral para fazer pesquisas no local, sem consulta à população, que ali reside desde o século 18. "Eles apenas consultaram fazendeiros que se encontravam no entorno e alguns que ainda não foram desapropriados do nosso território. É lamentável a gente viver situações como essa. Consultaram essas pessoas e não a nossa comunidade detentora do território", explica ela, que integra a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone) no Vale do Ribeira.
Invasões ao território para extração de recursos não são o único problema enfrentado pelas comunidades brasileiras mais vulnerabilizadas. Acesso a água limpa e tratada, rede de esgoto e coleta de lixo são alguns dos direitos básicos historicamente negados a uma grande parcela da população brasileira.
A pandemia de Covid-19 acionou o alerta para como a desigualdade estrutural opera em todas as esferas, inclusive ao ditar quem serão suas principais vítimas. Esta realidade, no entanto, é global e deve ser agravada ano após ano com a intensificação da crise climática, que inclui aumento da temperatura atmosférica a índices insalubres, maior incidência de tempestades e enchentes, entre outros fatores.
"Essas comunidades são historicamente excluídas dos processos de participação política e dos processos legislativos. São empobrecidas, vulnerabilizadas com a falta de saneamento básico, com a expulsão de seus territórios, com o não reconhecimento e a não efetivação de seus direitos, com a marginalização e com a invisibilização, com a contaminação e a destruição de seus territórios, do solo e a da água", explica Miranda.
Há um termo que define por que certas comunidades são afetadas de maneira desproporcional por problemas ambientais: racismo ambiental.