Quem são os selvagens: os que derrubam e queimam as florestas ou os que tratam as árvores e animais da mata como seus iguais? Quem são os primitivos: os que importam e acreditam na última teoria da moda ou os que observam seu entorno e estudam seu passado?
As crises ambientais e sociais da atualidade estão cada vez mais gerando interesse no Brasil para a produção intelectual feita a partir do olhar indígena e negro, como possibilidade de construção de um saber filosófico daqui e como contraponto à visão utilitarista, à lógica individual e à razão cartesiana da dita vida moderna
Como diria o xamã yanomami Davi Kopenawa, autor de "A Queda do Céu", os brasileiros urbanos têm ideias esfumaçadas, porque só ouvem máquinas e motores em suas aldeias. "Os brancos acham que deveríamos imitá-los em tudo. Só poderemos nos tornar brancos no dia em que eles mesmos se transformarem em yanomamis", escreve no livro que mostra a cosmovisão desse povo que habita a fronteira montanhosa entre Brasil e Venezuela.
Para ele, os brancos são "o povo da mercadoria", e os garimpeiros, "os comedores de terra" - ambos prisioneiros de suas cadeias produtivas. Kopenawa encabeça uma lista de pensadores indígenas que estão analisando o mundo atual, como Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, entre outros.
Da mesma forma, uma filosofia negra feita na África e na América vem abrindo espaço nas livrarias e universidades - cinco delas no Brasil têm cursos regulares sobre o assunto. "Não queremos um gueto discursivo, um puxadinho no edifício da filosofia. É uma disputa pela concepção do fazer filosófico", afirma Eduardo de Oliveira, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor dos livros "Cosmovisão Africana no Brasil" e "Filosofia da Ancestralidade".
Para Oliveira, não há filósofos no Brasil. Há sim "comentadores de filosofia". "Enquanto o pensamento não incorporar os saberes dos índios e dos negros, não vamos ter um modo de ver e pensar de uma civilização brasileira. Elas não podem ser rotuladas como filosofias menores, como alternativas. Tratar como algo exótico ou folclórico é uma forma de racismo. Elas têm sim potência para resolver os desafios do agora a partir do nosso território e devem entrar nos currículos de forma transversal em todas as escolas."