Indígenas em luta

Aos 24 anos, Samela Sateré Mawé sobrepõe projetos em sua rotina. Ela atua como ativista ambiental pela Fridays For Future Brasil e é consultora da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) em ações que visam mitigar os efeitos da Covid-19 em sua etnia, os Sateré Mawé, especialmente com foco nas mulheres de sua tribo. Ela faz parte da Associação das Mulheres Indígenas Sateré Mawé, grupo que reside na periferia de Manaus e se organizou para construir uma nova forma de renda durante a pandemia.

As máscaras, que a princípio serviriam só para uso dentro da comunidade, chamaram atenção nas redes sociais, por conta dos grafismos da cultura Sateré Mawé pintados à mão. "Eu postei uma foto da nossa produção na rede social e muita gente gostou e acabou encomendando. Então, começamos a comercializar as máscaras que estamos costurando e pintando."

Nós, povos indígenas, pensamos no coletivo. E é isso que eu quero passar para as próximas gerações"

"Nós aguardamos um posicionamento do governo e, como percebemos que não tinha um plano específico para atuar com as populações indígenas, nós nos reunimos e criamos esse plano", diz Maria Auxiliadora Cordeiro da Silva, a Mariazinha Baré, 42, gerente de projetos na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). "Desde sempre" engajada na luta dos povos indígenas, Mariazinha está à frente do Plano de ação emergencial de combate ao avanço do coronavírus e de tratamento entre os povos indígenas da Amazônia brasileira.

"Como a Coiab tem nove organizações regionais, que atuam em cada um dos nove estados da região, elas são nossas referências, nos ajudam a direcionar os apoios dentro dos territórios. E, dentro deles, nós temos as 74 sub-regionais, que são organizações menores. Assim, a gente consegue chegar dentro dos territórios indígenas. E, no caminho, nós encontramos alguns parceiros que nos apoiam na questão da logística", descreve.

A Coiab levou para esses territórios cestas básicas, materiais de higiene e limpeza e EPIs para equipes de Casas de Saúde Indígena (CASAI) e Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), ambas de responsabilidade federal. Também foram instaladas Unidades de Atenção Primária Indígena (UAPI), em parceria com as próprias organizações indígenas que fazem parte da rede e outros parceiros, e a Coiab forneceu testes para essas instituições.

"Isso evitou bastante que os indígenas saíssem de seus territórios para as sedes dos municípios, porque, mesmo lá, eles não tinham e não têm condições de receber as pessoas infectadas", afirma. Mariazinha conta que foram criadas barreiras sanitárias, uma estratégia de evitar que terceiros adentrassem territórios indígenas. "Mesmo nessa época de Covid-19, as invasões permanecem, de madeireiros, garimpeiros, missionários que querem contactar os povos isolados."

Indígena do povo Xipaya, da aldeia Tukamã (Altamira-PA), Juma Xipaia, como ocorre com mulheres no mundo todo, de todas as etnias, acumula as funções de casa com as do trabalho: é mãe, ativista, ambientalista e defensora dos direitos humanos e da floresta amazônica.

Há mais de 15 anos atuando como liderança no Pará, Juma, que já realizou uma palestra na Organização das Nações Unidas, foi a primeira mulher do povo Xipaya e da região do Médio Xingu a assumir a posição de cacica. Hoje, ela atua na Coiab em diversas ações para conter o avanço do coronavírus nas aldeias. Em aldeias de Altamira (PA), por exemplo, ajudou a distribuir mais de 170 kits de higiene e limpeza, visando conter a pandemia.

Kuyaiutxi Suia, 26, é agente indígena de saúde e, desde março, mantém uma rotina intensa de trabalho para isolar as aldeias da região do leste do Xingu. Como uma das lideranças do Movimento Mulheres do Xingu, ela criou práticas de controle da entrada e saída de pessoas de fora. "Desde o início de março, a comunidade decidiu isolar todas as aldeias da nossa região para impedir o vírus de entrar na aldeia", conta. "Criamos também protocolos para controlar a entrada de visitantes e a saída dos casos graves."

Dentro dessa ideia, além de atuar junto aos pacientes com casos graves de Covid-19, para que eles tenham o atendimento necessário e não se tornem vetores de contaminação nas aldeias, Kuyaiutxi também tem realizado palestras e rodas de conversas com mulheres de todas as aldeias para passar informações sobre a doença e métodos de prevenção.

A técnica em enfermagem Neurilene Cruz, 36, cuidou até agora de cerca de 460 pessoas, em seis comunidades indígenas que vivem à beira do Rio Negro, no Amazonas. O resultado impressiona: nenhum óbito por Covid-19 nas áreas em que atua. "Estamos enfrentando a pandemia com muita coragem, dedicação profissional, remédio caseiro e medicação", conta ela, que é da etnia Kambeba e vive na comunidade Três Unidos. "Eu tive várias oportunidades de trabalho na capital, em Manaus, enquanto estava estudando para ser técnica de enfermagem, mas eu tinha o objetivo de me formar e voltar para a comunidade", conta.

Neurilene também centralizou as doações vindas de amigos e instituições parceiras como a Fundação Amazonas Sustentável (FAS). "Conseguimos doações para comprar alimentos, materiais de higiene e limpeza e máscaras. O objetivo era que ninguém precisasse sair da comunidade para comprar itens básicos", explica ela, acrescentando que a pandemia afetou, inclusive, a produção de alimento: "Até para fazer farinha de mandioca, o coronavírus atrapalha. As pessoas não podem ficar muito tempo respirando o farelo, porque isso afeta os pulmões".

"Pensamos em uma ação de emergência. A gente inclui os alimentos populares do brasileiro (o arroz, o feijão, a farinha de mandioca, fubá, óleo, açúcar, café, sal) e também alguns tradicionais da cultura dos indígenas: a mandioca, o milho, a batata-doce e a banana. Colocamos também materiais de higiene, álcool em gel, sabão, detergente", diz Andreza, sobre a atuação na pandemia do projeto Vivência das Aldeias, criado em 2012, pelo coletivo Cultive Resistência - hoje formado por ela e Josimas Ramos, seu companheiro.

A ação foi viabilizada por meio de um edital e de campanhas realizadas na internet, que ainda estão no ar. Além disso, peças de artesanato feitas pelos indígenas foram disponibilizadas em um site pelo Vivência nas Aldeias, com o lucro das vendas revertido para eles.

O projeto Vivência nas Aldeias, que originalmente tinha como foco a permacultura e a construção de um espaço autossustentável para os indígenas, também trabalha pelo resgate da medicina tradicional indígena. Com a proximidade das cidades, por exemplo, muitos indígenas passaram a tomar remédios alopáticos, como Dipirona e Paracetamol, e os anciãos, que detêm o conhecimento das ervas medicinais, começaram a perder valor dentro das comunidades. "A gente trabalha muito também com reestruturação das aldeias."

Candida Specht mora em Salvador (BA), onde trabalha em sua grife própria como estilista e diretora criativa. Mas, na pandemia, ela decidiu que precisava se movimentar. Ela, então, se uniu a três amigas (a bióloga Luciana Leite e as também designers de moda Carola Hoisel e Jéssica Ribeiro) para fundar o coletivo Delas para Todxs, para confeccionar e doar máscaras para comunidades indígenas de várias etnias presentes no território baiano, como os pataxós hãhãhães e os tupinambás.

Uma ação como esta ajuda a construir um mundo melhor pós-pandemia porque desperta um senso de responsabilidade coletiva e a ideia de que, cuidando do outro, a gente está cuidando da gente e do nosso planeta"

Vanda voluntariou-se a atender 700 famílias, de 35 diferentes etnias, que vivem no Parque das Tribos, em Manaus (AM). E foi atrás de entender o que precisava ser feito. "O primeiro problema foi a fome, porque a pandemia deixou muitos indígenas sem renda", lembra, que também passou a fornecer orientações sobre hábitos sociais e de higiene. "Para as necessidades mais urgentes, promovi uma campanha para arrecadar alimentos e artigos de higiene. Felizmente, muitas pessoas, empresas e universidades colaboraram."

O trabalho que ela desenvolveu chamou atenção para o problema, e a repercussão fez com que o poder público enviasse uma Unidade Básica de Saúde (UBS) móvel para dar suporte. Porém, Vanda conta um mês depois ela foi retirada sem nenhum aviso. "Foi criada uma ala indígena para casos da Covid-19 no Hospital Nilton Lins, mas não é o suficiente", conta. "O descaso do poder público continua e as doações diminuíram, ainda que existam algumas ações pontuais."

Como integrante da ONG Associação Terra Indígena Xingu (Atix) e do Movimento Mulheres do Xingu, a agente indígena de saúde Amaire Kaiabi Suia, 33, vem desenvolvendo uma série de ações para o enfrentamento da Covid-19 no Mato Grosso, como levantamentos sobre as necessidades das mulheres durante o isolamento, distribuição de kits de higiene e palestras sobre saúde e prevenção contra a doença.

"Infelizmente, o vírus entrou em algumas comunidades, famílias adoeceram, parentes perderam sua vidas. Perdemos caciques e lideranças muito importantes da política do Xingu. Mesmo assim, buscamos forças para continuar apoiando aqueles estavam adoecendo e outros que se recuperavam", conta Amaire, sobre a importância de continuar agindo para mitigar os efeitos da pandemia nas aldeias indígenas.