A pandemia do novo coronavírus virou o planeta de cabeça para baixo e colocou a população de cabelos em pé. No campo do trabalho não foi diferente. Entre o "novo normal" e o tão esperado futuro pós-Covid-19 sobram interrogações. Mas não faltam também reflexões e teorias sobre os desdobramentos da atual sobreposição de crises, sanitária, política, econômica e social. Por aqui, há quem preveja para logo adiante um cenário distópico, algo semelhante aos filmes "Bacurau", "Coringa" e "Parasita".
A comparação quem faz é o professor de sociologia do trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Ricardo Antunes. O sociólogo destaca um elemento comum nos três filmes: uma revolta que emerge das camadas mais vulneráveis da sociedade.
Caso não tenho visto algum deles, atenção porque lá vem spoiler. Em "Bacurau" (de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles), uma pequena população vilipendiada do sertão brasileiro se mistura com um núcleo armado de narcotraficantes para se defender de estrangeiros; no final de "Coringa" (de Todd Phillips), o vilão destroçado vira líder de uma revolta que propõe morte aos ricos; e em "Parasita" (de Bong Joon Ho), o operário coreano mata seu patrão com uma facada bem no coração.
"Uma parcela da humanidade vai explodir", alerta o professor. Segundo ele, no Brasil, antes da pandemia, 40% da classe trabalhadora estava na informalidade e o cenário deve ficar ainda mais complicado. "A tendência empurra para um quadro acentuado de precarização das condições de trabalho, se nada mudar em dois anos esse percentual sobe para 60%".
Se o futuro será mesmo semelhante à ficção, não se sabe. Mas a realidade atual de precarização do trabalho já inspira o cinema dos dias de hoje. É o caso do filme "Você não estava lá", do cineasta britânico Ken Loach. O longa, que estreou há poucos meses no Brasil, retrata a uberização do trabalho (atividades mediadas por aplicativos e plataformas digitais) na Inglaterra.
O filme propõe uma reflexão muito atual sobre uma suposta liberdade ilusória oferecida pela tecnologia, e expõe como na realidade ela tem sido usada para explorar uma parte relevante da classe trabalhadora.
Na trama, o protagonista Ricky Turner (Kris Hitchen), profissional da construção civil, desempregado e sem oportunidades, consegue uma colocação em um serviço de entregas. Porém o CEO de empresa avisa que ele não será um "empregado", mas seu próprio patrão. Dono de seu tempo, mas também responsável por riscos, custos e infraestrutura para o trabalho.