Bolsonaro defende que os povos indígenas sejam integrados à sociedade e estimula a exploração econômica das terras indígenas, incluindo o garimpo. Qual a sua opinião sobre o tema?
No Canadá, vimos os efeitos desse tipo de política. O que eles fizeram lá foi tirar as crianças indígenas de seus pais e enviá-las a escolas em regime de internato, a centenas de quilômetros de distância. Essas crianças foram forçadas a falar inglês, apanhavam quando falavam a língua indígena e foram educadas no catolicismo. A ideia é quebrar a ligação delas com a terra e a cultura em que nasceram. Quando voltaram às suas comunidades, muitas não conseguiam se comunicar com os avós. Isso os afastou da própria cultura porque, nessas sociedades, o conhecimento é transmitido de forma oral. Tudo isso é parte de um projeto colonial.
Qual foi o impacto econômico dessas políticas?
Os povos indígenas antes tiravam seu sustento da terra. Com as "residential schools" [internatos], eles perderam as habilidades para viver da terra e se tornaram trabalhadores assalariados. E quais eram os únicos empregos disponíveis? Aqueles voltados à extração de recursos naturais. Em outras palavras, o governo do Canadá tornou os indígenas dependentes do trabalho de extração de recursos naturais. Ali há petróleo. Quando o mercado de petróleo está em baixa, os empregos somem. Os indígenas então se tornaram dependentes das esmolas dadas pelo governo.
Há movimentos de resistência?
Nos anos 70 e 80 havia mais militância. Agora há uma resistência cultural. No Canadá há mais reconhecimento do que aconteceu no passado e existem movimentos de resgate da língua e da cultura original e de retomada das terras. Eles estão mais assertivos, o que é uma coisa boa. Mas são muitos grupos diferentes. Muitas vezes eles negociam juntos, mas o governo canadense tem sido eficiente em provocar divisões internas. Quando você conversa, percebe que esses povos não têm uma opinião única. Alguns acham que a extração é boa porque traz dinheiro e ajuda as comunidades, outros são contra e outros buscam um meio-termo: a conservação dos recursos naturais, mas buscando obter algum dinheiro com isso. É bem complexo.
Como é seu processo para estabelecer confiança com as comunidades que você busca retratar?
Aprendi com o tempo que é muito mais fácil conversar com determinadas comunidades se alguém te leva até lá e esse alguém é reconhecido pelo grupo. Se eu for para a floresta amazônica, não vou simplesmente sair andando pela floresta. É preciso ir com um guia que conhece as pessoas, ele vai te apresentá-las e elas vão se sentir mais confortáveis ao conversar com você. O guia também vai traduzir o que é falado. O segredo do jornalismo é que as pessoas adoram falar sobre si mesmas e muitas vezes elas não têm oportunidade para isso. Para fazer meu livro sobre a Bósnia ("Uma História de Sarajevo", Conrad, 2005), fiquei um tempo só saindo com as pessoas, me divertindo com elas, antes de começar uma entrevista. Elas querem te conhecer melhor, saber quem você é. Em outras comunidades, como as indígenas, elas não querem se sentir exploradas. Já foram muito exploradas. Muitas vezes me perguntam: "Mas isso vai servir para quê? Como vai melhorar a minha vida?".
Como você responde a essas questões?
No caso dos palestinos, por exemplo, falo: "Sei que isso não vai te ajudar pessoalmente, mas acho que essas histórias são importantes de serem registradas para ensinar a seus filhos e para as pessoas do Ocidente que não as conhecem. Normalmente elas topam falar porque percebem que você está tratando seriamente essas questões.