O quão difícil é trabalhar com a pasta ambiental no Brasil?
O principal trabalho do Inpe é o monitoramento do desmatamento em todos os biomas brasileiros e também as queimadas. O Instituto iniciou essa atividade em 1988. Foi a instituição pioneira no Brasil com uso de imagens de satélite para esse monitoramento. E isso sem ser pedido pelo governo, foi uma iniciativa dos próprios cientistas.
Com o andar dos trabalhos, o Inpe acabou criando um centro de estudos da Terra que não só se preocupa em monitorar o que acontece na Amazônia, mas também faz estudos do que pode acontecer no futuro, por exemplo, por causa do aquecimento global. Ele é responsável por fazer o atlas solar do Brasil — se alguém quer fazer alguma instalação de produção de energia solar, usa os dados do Inpe. Tem a SOS Mata Atlântica em que produz dados sobre desmatamento do bioma, entre outras coisas.
Temos visto diversos embates com governos por causa desses dados. O INPE está provendo dados sólidos, científicos que desagradam as autoridades. Que vai contra o que eles dizem. E essa é a parte difícil.
Isso não é só no Brasil, na história da ciência sempre aconteceu. Sempre aconteceu embate entre cientistas e governantes quando os dados desagradaram o que os governantes queriam. Então, torna-se difícil do ponto de vista político.
Mas é fácil do ponto de vista internacional de ciência. A ciência do Inpe é respeitadíssima no mundo todo. Para citar alguns exemplos, já em 2007, a revista "Science" publicou um comentário afirmando que o sistema produzido pelo Brasil, pelo Inpe e Ibama, mais precisamente, era de causar inveja. Era o melhor sistema disponível de monitoramento e ação para coibir o desmatamento na Amazônia. Alguns anos mais tarde, a revista "Nature", quando o Brasil conseguiu decrescer o desmatamento de 27 mil km², em 2004, para pouco mais 4 mil km², em 2012, considerou esse o maior exemplo nos últimos 10 anos de preservação do meio ambiente.
E por que esses embates ocorrem?
Os embates ocorreram em ocasiões específicas, mas não continuamente. É sempre uma reação imediata de um governo quando chegam dados que não o agradam. O primeiro grande pico de desmatamento na Amazônia foi em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, só que ele agiu muito positivamente na mesma hora, com a criação das reservas legais, aumentando o número de reservas indígenas e reservas legais que é o que o Bolsonaro critica.
No governo Lula, em 2004, quando teve o segundo pico histórico de desmatamento, a Marina Silva era ministra do Meio Ambiente e solicitou ao Inpe que criasse o Deter, que dá alertas diários de desmatamento. O embate de 2008 com esse governo foi causado pelo governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, que foi rapidamente resolvido quando a ministra Marina organizou uma reunião em Brasília com ele, o presidente Lula, o diretor do Inpe e um representante do Ibama. Nessa reunião, ela fez uma proposta irrecusável. "Olha, então se o senhor governador está duvidando dos dados do Inpe, nós vamos fazer um sobrevoo nas áreas que o Instituto diz estarem sendo desmatadas". Bastou fazer isso e o problema foi resolvido.
A diferença agora é que todos esses governos ao receber esses dados que os desagradaram, mas reagiram para fazer algo a respeito e melhorar a situação. Esse governo [atual] não; esse governo do Bolsonaro tem uma ideologia, uma agenda oculta, vamos dizer assim, de ser contra o controle do desmatamento. De ser contra o controle ambiental. E sobre esse ponto de vista, nós não podemos nem acusar o presidente Bolsonaro de mentir na campanha. Pelo contrário, era exatamente isso que ele propôs fazer. A culpa é nossa, do povo brasileiro, por ter votado em alguém que dizia que agiria contra a proteção do meio ambiente, que criticava os fiscais do Ibama, que disse que não daria mais nenhum centímetro de terra para os indígenas, e assim por diante.
Recentemente, em maio, os pesquisadores do Inpe publicaram um relatório espetacular sobre o crescimento do desmatamento da Amazônia, mostrando que teríamos um aumento de queimadas na região, e isso coincidiria com o pico de contaminação do coronavírus. Eles alertaram o governo que esses dois picos iam ter consequências sérias para a população, porque as queimadas aumentam as doenças pulmonares. Então, o que o governo fez? Ignorou simplesmente, e alguns dias depois o general Mourão disse que não havia queimadas, que não havia desmatamento. Eles desmentem o tempo todo os dados científicos.
Inclusive, recentemente, o vice-presidente Mourão, disse haver um "opositor do governo" dentro do Inpe por causa dos dados negativos sobre queimadas que o Instituto divulga. De alguma forma, isso coloca em xeque a credibilidade dos dados produzidos pelo instituto?
Não acho. Quando eu era diretor do Inpe, mandei diversos ofícios ao governo dizendo que o Instituto não passa os dados para ninguém, eles são disponíveis para qualquer pessoa acessar. E o governo, juntamente com o Ibama, tem acesso a esses dados uma semana antes da publicação. Eu avisei diversas vezes. E só ontem ele disse que agora sabe que os dados do Inpe são públicos, mas não teve a hombridade de pedir desculpas.
Esses ataques do governo não descredibilizam o Inpe. Pelo contrário, quando aconteceu aquele fato comigo, recebi apoio da Academia Brasileira de Ciências, de várias instituições nacionais e internacionais e o mais importante, que me deixa muito satisfeito, é que já no ano passado, quando reagi dizendo que os dados estavam corretos, nós tivemos vários cientistas internacionais verificando os dados do Inpe. Em particular, um conhecido cientista da Alemanha utilizando imagens dos satélites da Agência Espacial Europeia e refazendo os dados do desmatamento do Inpe, confirmando todos. A mesma coisa fez a Nasa (Agência Espacial Norte-Americana). Não tem jeito de o governo abalar o que o Inpe faz. E eu acredito que a sociedade percebe isso.