É preciso doar mais

Roberta Faria fundou a MOL, que já reverteu R$ 57 milhões em doações, mas ela ainda acha pouco.

Gabriel Vituri Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP) Fernando Moraes

É muito difícil você nunca ter cruzado com alguma delas: dispostas nas bocas do caixa de grandes lojas do varejo, as publicações da Editora MOL costumam ter cores vibrantes, design leve, e são oferecidas ao consumidor na hora de pagar a conta. O propósito, como explicam os atendentes na hora da venda, é reverter o dinheiro em doações para iniciativas que tenham impacto social.

Em 2007, quando fundou com o sócio Rodrigo Pipponzi a MOL, Roberta Faria, 41, sabia que havia um caminho a ser percorrido que não passava pelas bancas de revistas ou pelas grandes editoras, cuja logística de distribuição dificultava e impedia publicações menores de prosperarem.

"O varejo surgiu para gente como a solução para um problema. A trilha do mercado editorial era inviável", diz Roberta.

Foi nesse contexto que os sócios tiveram a ideia de oferecer o primeiro produto da MOL, cujas vendas seriam revertidas para o GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), nas farmácias Droga Raia. Com uma estrutura de distribuição bem estabelecida e com o acesso facilitado por Rodrigo, que é da terceira geração da família fundadora da rede, os projetos iniciais da MOL logo começaram a trazer bons resultados.

"A gente não imaginava que venderia tão rapidamente e tão bem", diz a empreendedora. Hoje, quinze anos depois, não restam dúvidas de que a aposta no varejo funcionou: são R$ 57 milhões doados para ONGs e projetos sociais que militam por causas tão distintas quanto o combate à fome, a preservação do meio ambiente e a proteção animal, dentre várias outras. Este ano, a meta é atingir uma receita operacional de R$ 28 milhões e de gerar R$ 17 milhões para doação.

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Aqui se faz, aqui se doa

Nascida em Niterói, mas criada durante boa parte da vida em Santa Catarina, Roberta Faria é tão versátil quanto as frentes por onde a MOL transita atualmente. Mãe de quatro filhos (sua mais velha tem 23, a do meio, 7, e os mais novos, gêmeos, três anos), ela é jornalista, mas também palestrante, gestora, empreendedora e podcaster — "a função mais legal de todas", confessa, descrevendo com entusiasmo as repercussões do programa Aqui se faz, AQUI SE DOA, em que ela e outros convidados tiram dúvidas e debatem tópicos sobre doações e impacto social.

Quando chegou em São Paulo, Roberta, recém-formada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), participou do então prestigiado Curso Abril de Jornalismo, que selecionava candidatos de todo Brasil para participar de um programa de treinamento para jovens jornalistas. Ao frequentar áreas distintas da editora, ela foi compreendendo nos primeiros anos de carreira que o ofício poderia ser mais amplo do que imaginava.

O estalo que a levou a construir uma rota alternativa no mercado editorial, todavia, foi se formando ao longo da vida, e vem de um "cruzamento do idealismo com o empreendedorismo", como ela mesmo sintetiza. "Meu pai é médico do SUS e minha mãe é dona de salão de beleza. Ele sempre dizia que não podíamos trabalhar pelo dinheiro, e sim para servir à comunidade. Já minha mãe é uma empreendedora brasileira típica, de se virar, que não teve estudo formal, mas sempre encontrou soluções, uma mulher muito independente numa época e num lugar em que isso não era comum", conta Roberta.

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Dentista para todos

De 2007 pra cá, a MOL se consolidou como uma referência no modelo de negócios inovador que desenvolveu, e ainda hoje parte do seu funcionamento se estrutura sobre uma metodologia pensada lá no início: cria-se uma ideia e um produto, cuja função é gerar conhecimento a respeito de uma causa social, e o valor obtido pela venda se reverte em dinheiro doado a instituições que precisam de recursos para continuar atuando.

Uma das parcerias de longa data da editora é a Turma do Bem (TdB), projeto que atende jovens de 11 a 17 anos que não têm condições de pagar por tratamento e que têm graves problemas bucais. Além desse público, a organização também atende mulheres cis e trans vítimas de violências que tenham afetado sua saúde bucal. "Nossa causa costuma ser difícil de explicar, porque parece que falar em dente é algo superficial", afirma Amanda Monteiro, diretora-executiva da TdB.

Segundo Amanda, a organização assiste casos críticos que não terão acolhida no SUS, e que impactam diretamente na autoestima e no bem-estar físico e psicológico dos beneficiados.

"Além da evasão escolar por conta do bullying, há também a dificuldade para conseguir um emprego e para superar o trauma quando as marcas de violência continuam estampadas no rosto", diz.

Ao longo da sua história, a Turma do Bem já acolheu mais de 80 mil pessoas, cujo atendimento foi viabilizado a partir das doações repassadas com a venda de produtos editoriais da MOL.

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Um baque

A sede da MOL fica na zona oeste de São Paulo, em um prédio modular de poucos andares. Pelo condomínio, repleto de plantas e de espaços envidraçados que dão uma sensação de amplitude, há uma série de iniciativas ligadas ao conceito de sustentabilidade, como bicicletário e local apropriado para descarte de eletrônicos.

Com o início da pandemia de covid-19, porém, a MOL viu se fecharem não apenas as portas de seu escritório, mas também as de grande parte das lojas de varejo onde seus produtos eram oferecidos.

"A gente sofreu um baque, porque a maior parte do faturamento vem dessas vendas", conta Roberta. Mesmo entre aqueles que permaneceram abertos, e também entre os que reabriram gradualmente, os protocolos impostos pelo distanciamento social distanciavam também a MOL das pessoas.

Com o caixa separado fisicamente dos consumidores por barreiras físicas, como era o caso das proteções de acrílico que se tornaram muito comuns no auge da pandemia, ficava difícil oferecer e expor os produtos da maneira que se fazia antes. "Foi um período difícil", ela lembra, destacando que a editora optou por não fazer demissões na expectativa de uma retomada. E a volta por cima logo veio.

A gente tem um hábito de doar que não é forte, que é muito atrelado ainda à moral, à religião, à caridade emergencial, e pouco pensada de forma política, digamos assim.

Roberta Faria, co-fundadora da MOL

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Volta por cima

Ao mesmo tempo em que as ondas da covid-19 iam e vinham, começava a crescer entre grandes empresas o entendimento de que é preciso investir na cultura de doação.

Com o cenário desolador criado pela pandemia, ela lembra, as ONGs, que vinham há anos sendo atacadas e descreditadas (inclusive, ou principalmente, pelo governo federal), voltaram a ser colocadas em uma posição de mais prestígio, o que acabou alavancando uma série de projetos que a MOL tinha estacionado por falta de investimentos.

Da crise, veio a volta por cima, e a equipe que tocava a produção da editora dobrou de tamanho. "Os cidadãos também passaram a ter mais confiança no terceiro setor e no ato de doar", destaca a jornalista-empreendedora.

Na esteira dessa tomada de consciência foi criado, em 2020, o Instituto MOL, uma das frentes do negócio que é dedicada a mudar o que Roberta chama de cultura de doação. O instituto promove ações que busquem diminuir a desconfiança e a incompreensão dessa prática, mostrando que o ato de doar é também um ato de cidadania, um gesto político.

O objetivo é que não apenas a iniciativa privada se engaje em projetos do tipo, mas que as pessoas entendam que aquilo que parece irrelevante, individualmente, pode significar muito se for um esforço coletivo. "Você tem organizações criando muitas iniciativas específicas para as empresas, mas outros projetos vão ficar sem financiamento", explica. É aqui que entram as causas indoáveis:

"Nós temos problemas gigantescos no Brasil que não recebem patrocínio de ninguém, como direitos reprodutivos, sistema carcerário, saneamento básico. São questões grandes que nenhuma empresa quer atrelar a sua imagem, mas as pessoas podem se mobilizar, e isso tem a ver com identidade política".

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Líder em inovação

Nos últimos tempos, a MOL, na figura de seus sócios-fundadores, Rodrigo e Roberta, tem saído dos bastidores e ganhado mais holofotes. Em 2018, venceram a 14ª edição do Prêmio Empreendedor Social, promovido pela Folha em parceria com a Fundação Schwab. No ano seguinte, foram reconhecidos pela fundação como líderes em inovação social e, mais recentemente, no início deste ano, foram homenageados pela EY (Ernst & Young) na categoria Impacto, do Programa Empreendedor do Ano Brasil. "Esses reconhecimentos nos abriram muitas portas", admite Roberta. Hoje, eles se definem como "a maior editora de impacto social do mundo".

Se antes era possível chamar a organização de editora, hoje em dia a realidade é bem mais diversificada que isso. Fora os produtos editoriais, a MOL atua junto ao instituto que leva o seu nome e mantém outros projetos relacionados ao tema da doação, como é o caso do Descubra Sua Causa (plataforma que sugere, de acordo com seu perfil, instituições e temas para quem você pode fazer doações) e do Guia de Produtos Sociais (uma avaliação crítica de produtos e organizações que tenham caráter social), dentre outras ações.

Atualmente, a MOL tem novos sócios para suprir demandas que Rodrigo e Roberta não conseguiam mais absorver. Assim como boa parte da equipe, que está distribuída por diferentes cidades do país, a jornalista-empreendedora circula conforme a demanda dos projetos.

Morando em Ilhabela desde o fim de 2020, Roberta Faria e a família decidiram não voltar para a capital paulista depois da retomada pós-pandemia. "Nós fizemos essa opção de vida: ficar mais perto da natureza e criar os filhos em uma cidade menor", diz, sem qualquer indício de arrependimento na fala.

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