Eco Rosana

"O Brasil não sabe lidar e muito menos preservar as riquezas do nosso meio ambiente", diz Rosana Jatobá

Diana Carvalho De Ecoa Julia Rodrigues/UOL

"No começo, sabe o que eu escutava? 'Lá vem você com esse papo de novo... Para de ser ecochata, biodesagradável...'.

Foi resistindo a esses trocadilhos e piadinhas sem graça que Rosana Jatobá, 48, conseguiu emplacar pautas relacionadas ao meio ambiente nas redações pelas quais passou, desde a Band até a Globo, onde trabalhou por 12 anos e meio.

O esforço, ao longo dos 20 anos de carreira, já rendeu a jornalista três prêmios "Comunique-se" e o Prêmio Chico Mendes na categoria personalidade ambiental, em 2014.

Há dez anos, o noticiário sobre sustentabilidade se resumia a sacolinhas plásticas: usar, não usar, pagar, não pagar? Era tudo muito raso. Por isso, naquela época, sofri uma certa resistência para mostrar que era importante, sim, falar sobre sustentabilidade com mais profundidade."

Rosana, que atualmente está no ar na rádio CBN, acaba de estrear em Ecoa o seu blog para ampliar e divulgar informações sobre o tema.

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"CDF" movida a paixões

Para falar com propriedade sobre um tema tão urgente, a jornalista voltou para o lugar onde passou boa parte da vida: a sala de aula. Formada em direito e jornalismo, ela resolveu cursar mestrado em Gestão e Tecnologias Ambientais pela USP (Universidade de São Paulo).

Na minha turma só tinha engenheiro, administrador, biólogo... Me sentia um peixinho fora d'água, mas percebi que mesmo em uma turma tão diversa, tínhamos todos o mesmo propósito: entender a questão da preservação ambiental e do impacto social."

Natural de Salvador (BA), Rosana chegou a cursar duas faculdades ao mesmo tempo, mas trancou o curso de jornalismo para se dedicar à prova da OAB. "Já estava trabalhando no Ministério Público Federal quando decidi retomar a faculdade. Foi durante o meu TCC que pisei pela primeira vez em uma redação e me apaixonei perdidamente", afirma.

A paixão, que fez a advogada se tornar garota do tempo, repórter e apresentadora, também foi o que a motivou a se dedicar a reportagens sobre sustentabilidade.

"Trabalhando na Globo fui escalada para cobrir a visita do ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, ao Brasil. Ele estava lançando o livro e filme 'Uma Verdade Inconveniente'. Fiquei encantada por tudo que ele falou: mudança climática, aquecimento global, emissão de carbono... Achei muito transformador, impactante e urgente. Aquilo serviu como um chamado: preciso falar sobre esse assunto. É o que acredito e posso contribuir", diz.

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Mas como ser sustentável sem ser chato?

"Olha, realmente... O termo sustentabilidade não gera tanta empatia, muitas pessoas não entendem e tampouco querem saber. Por isso sempre tento relacionar à qualidade de vida: o quanto uma mudança de hábito é importante, a conscientização a respeito da preservação ambiental, de se ter relações mais justas, condições dignas de trabalho e alimentação. Isso tudo gera qualidade de vida", diz.

Rosana explica ainda que para chamar atenção ao tema é preciso associar a sustentabilidade à rotina do brasileiro. A questão da carne vermelha, por exemplo, tem ganhado destaque no noticiário pela alta no preço.

"Isso impacta diretamente o bolso do trabalhador e desperta interesse. Nesse momento, é preciso mostrar alternativas. Falar sobre alimentação saudável, dar dicas de alimentos tão saborosos quanto e que podem, tranquilamente, substituir a carne. Isso ajuda a reduzir o consumo", afirma a jornalista, que não come carne vermelha há 15 anos.

Muita gente consome carne e não sabe o que isso gera. A criação de gado contribui para o desmatamento. Para produzir um quilo de carne, por exemplo, você precisa de 16 mil litros de água. Além disso, o rebanho emite metano, um gás muito mais potente que o dióxido de carbono, altamente poluente e um dos causadores do efeito estufa. Quando você leva informação sobre algo presente no dia dia, você acaba gerando pelo menos uma reflexão. E reflexão gera mudança

Rosana Jatobá, jornalista e escritora

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Uma gravidez produtiva

Rosana é mãe de gêmeos. Lara e Benjamim estão com oito anos e já contam com um livro para chamar de seu. Lançado em 2015, "Coleção Jatobá" foi inspirado nas dúvidas e aventuras dos pequenos com relação ao ambiente, numa metodologia de ensino baseada na "ecoalfabetização".

"Durante minha gravidez, fiquei em estado de graça. Só pensava: estou colocando duas pessoas no mundo e o que posso fazer para tornar o planeta melhor? E mais que isso: que tipo de orientação vou passar para que eles se tornem pessoas mais conscientes?". A resposta veio acompanhada de uma bronca.

"Um dia estava escovando o dente e o Benjamin, na época com cinco anos, me repreendeu: 'Mamãe, fecha a torneira, olha o tanto de água indo embora!'. Ele, tão pequenininho, já com esse pensamento. Foi aí que veio a inspiração para escrever sete livros voltados para o universo infantil, que abordam economia de água e de energia, desperdício de alimentos, mobilidade, preservação da natureza e consumismo", conta.

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Para Rosana Jatobá, o maior desafio da maternidade hoje é lidar como o fato de que as crianças "esqueceram" o que é brincar e acreditam que isso é passar uma tarde em frente a uma tela.

"Meus filhos têm apenas oito anos e são fascinados em jogos eletrônicos. São vidrados em iPads, mas tento controlar. Nessa idade eles precisam entender que brincar de bola, no quintal, ou fazer qualquer atividade ao ar livre, é muito mais interessante do ficar sentando no sofá refém de algum joguinho", afirma.

Praticante de Yoga há 13 anos, a jornalista também busca mostrar para as crianças a importância de manter corpo e mente conectados.

Toda noite meditamos juntos. Dalai-lama diz que se toda criança de oito anos aprender a meditar, acaba a violência no mundo. Pode parecer utopia em um primeiro momento, mas se você consegue disseminar esses conceitos, ainda na infância, em pouco tempo eles se voltam para o desapego e passam a perceber que cada ação, cada gesto no mundo, importa."

Terra sem lei

Em seu blog para Ecoa, Rosana Jatobá pretende abordar assuntos ligados ao meio ambiente que estão repercutindo no noticiário. Em meio às questões de desmatamento na Amazônia, ela é categórica: "o Brasil está muito despreparado para lidar com as riquezas que tem".

A Amazônia sempre foi vista de forma colonialista, tanto que quem habita aquela região está à margem da sociedade. Nunca se pensou, nem o empresariado, muito menos o poder público, em fazer daquilo um lugar próspero. As pessoas que estão lá, estão relegadas. É uma terra sem lei", diz.

"Os índios ficam ali numa disputa com os madeireiros e os garimpeiros. O Estado não tem nenhuma força, já que o poder público só chega para reprimir. E o que mais me impressiona é que até hoje não se desenvolveu nenhuma política de prosperidade e abundância para a região, que tem um patrimônio riquíssimo de biodiversidade", completa.

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"Não é só discurso, é preciso ser coerente"

Quando deixou a Globo, Rosana Jatobá passou a entender ainda mais a importância do seu trabalho. "Sempre desejei me tornar referência, por isso escolhi um tema para me dedicar."

"Um jornalista que tem uma especificidade, com o tempo, consegue se tornar notório. Para conquistar isso, coerência é o essencial. Muitas vezes, o discurso não condiz com a realidade. Estou o tempo todo me vigiando para que haja uma maior coerência entre o que eu falo e o que eu faço. Não adianta só falar", afirma.

"Eu sei o quanto é difícil disseminar os conceitos da sustentabilidade em um país em que metade da população não tem saneamento, e que a maioria das pessoas convive com a violência, desemprego, questões básicas de sobrevivência. Mas, ainda sim, acho que a sustentabilidade traz uma mudança de olhar em que se enxerga muitas oportunidades. É um mercado que só cresce, uma fonte de esperança e possibilidades", conclui.

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