No município de Tomé-Açu, nordeste do Pará, a explicação de um agricultor japonês sobre o porquê de ter mantido metade da propriedade como floresta tropical nativa criou uma memória afetiva para o pesquisador Osvaldo Kato: ele queria que as gerações seguintes de sua família conhecessem como era, de fato, uma floresta como a escolhida pelos antepassados para fincar raízes no Brasil.
Na outra metade da área, espécies nativas de árvores frutíferas, verduras, legumes e ervas medicinais se mesclam com as que foram trazidas de outros estados e regiões do país. "Tudo junto e misturado, no jargão das gerações mais jovens do agricultor, há colheita o ano todo.
No mesmo estado, a agricultora familiar Teofila da Silva Nunes, 68, assentada do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), fez do lote onde cultiva uma extensa variedade de espécies - nativas e não nativas - sua razão de vida, especialmente depois do assassinato do marido, há sete anos. É no "Lapo" (lote agroecológico de produção orgânica), nome como ele batizou a terra do casal, que ela alterna floresta, frutas, verduras e ervas sem o uso de qualquer tipo de defensivo ou insumo - a biodiversidade local é preservada e estimulada à base de derivados da própria terra.
No Acre, próximo à divisa com o Peru, o agente agroflorestal Yube Hunikuin, 38, concilia a tradição secular de seu povo —a tribo dos Hunikuin, mais numerosa do estado —com as técnicas de manejo alternado do solo, mesclando agricultura e preservação. A finalidade: garantir vida à terra, e, por tabela, a eles próprios. "Sem terra, não temos vida: é nela que plantamos, nela que caçamos, é de onde extraímos a nossa medicina e onde cultivamos a nossa ancestralidade. A terra é nossa mãe, e não nos cabe tirar dela o que tem de valor sem dar nada em troca", defende.
Embora com experiências de vida distintas, o agricultor que sensibilizou o cientista em Tomé Açu, a lavradora do MST que buscou expandir o legado pensado por ela e pelo marido em um pequeno lote de terra e o indígena que hoje é agente educador na própria tribo têm em comum uma forma de manejo que mostra que florestas e lavouras podem conviver harmonicamente - mesmo, ou sobretudo, em uma região sob crescente ameaça ambiental como a Amazônia.
Mais do que harmonia, as agroflorestas, ou sistemas agroflorestais (SAFs), têm provado que o desenvolvimento da Amazônia e do Brasil não precisa estar atrelado à perda da floresta e que é possível, sim, explorar o meio ambiente de maneira sustentável, uma vez que o sistema promove uma melhora na qualidade da água e do solo, aumenta a biodiversidade e ainda contribui para o sequestro de carbono, reduzindo os efeitos da crise climática.
O desafio, avaliam adeptos e estudiosos da modalidade, é uma implementação em larga escala capaz de frear, ou, pelo menos, fazer frente ao desmatamento da região - o qual, em 2020, parece insistir em quebrar recordes negativos, mesmo sob pandemia.