Quem vive nas grandes cidades geralmente reclama do tempo perdido no trânsito para ir ou voltar do trabalho. Muitos nem imaginam o quanto pode ser longo e demorado o trajeto de quem se ocupa com a colheita de castanha-do-pará na floresta amazônica. É tão longe que o seringueiro, Raimundo Gilson, de 42 anos, nem calcula a distância em quilômetros. "Subo 24 cachoeiras". Para entender melhor o que isso significa, equivale a uns três ou quatro dias viajando em um barco, com direito a pernoites na beira do rio. Outra diferença é o cenário. No lugar da poluição e do concreto, céu, água e muita mata. E substituindo o ruído de motores e buzinas, sons de bichos e a afinada cantoria dos pássaros.
Chegando ao destino, um igarapé escondido na densa floresta, é hora de Gilson entrar na mata e levantar acampamento, um barraco de lona onde ele e seu grupo de seringueiros permanecerão por mais ou menos uns três meses. A saudade da família aperta, mas a rotina pesada do período da safra precisa ser encarada, conta o seringueiro, que trabalha na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, no Amapá.
O trabalho é basicamente o mesmo todos os dias, e começa bem cedo. "Levantamos quando clareia o dia, tomamos um café reforçado com milharina [um suplemento de milho] e café ou bolacha, alguns preferem comida [paca e peixe, por exemplo], e saímos no máximo sete horas da manhã."
Eles seguem quilômetros mata adentro até o castanhal e ficam por lá até por volta de cinco da tarde, aparelhados das ferramentas de trabalho: o terçado para abrir a trilha, o cambito para pegar os ouriços (que guardam as castanhas) e o paneiro, um balaio que carregam nas costas que, quando cheio, pode chegar a pesar 50 quilos. O seringueiro, que conversou com a reportagem de Ecoa por telefone, vive na comunidade São Francisco do Iratapuru, nas bordas da reserva. Ele conta que há mais de 30 anos realiza esse trabalho. Não se lembra ao certo quando começou, mas arrisca que foi aos oito anos, junto com o pai.
Hoje em dia a vida do castanheiro melhorou, afirma Gilson. "Nosso produto antes não tinha valor aqui na região". Segundo ele, a mudança tem a ver com uma parceria entre a Comaru (Cooperativa Mista dos Produtores e Extrativistas do Rio Iratapuru), da qual ele faz parte, com a empresa de cosméticos Natura. Essa articulação garante atualmente um bom preço, 55 quilos de castanha são vendidos por R$ 300, conta o seringueiro. "Atravessadores pagam em torno de R$50 pela mesma quantidade."
Os atravessadores permanecem comprando na região, e pagando pouco, porque o contrato com a Natura, embora tenha melhorado a economia local, ainda não é suficiente para absorver toda a produção dos castanheiros. Se outras empresas investissem nesse modelo de comércio direto com os produtores extrativistas, certamente o cenário seria outro.
"Estamos há 20 anos na Amazônia e nossos produtos de maior sucesso e mais icônicos são resultado da criação dessa economia da floresta em pé", afirma a diretora global de sustentabilidade da Natura, Denise Hills. Ou seja, quando benefícios e lucros dependem da preservação das árvores e não de derrubá-las. Ela acrescenta que os ingredientes da biodiversidade brasileira - e não apenas da floresta amazônica - estão em quase todas as linhas da marca. E a tecnologia de desenvolvimento dessa produção de sucesso vem do conhecimento tradicional.
"O acesso a esses conhecimentos, por exemplo, a descoberta de que a ucuuba ou que o murumuru possuem propriedades que possam se transformar em uma cosmética, precisa ser pago", defende a diretora da empresa, principalmente como forma de manter essas atividades. Segundo ela, através da compra dos produtos garante-se que as comunidades não apenas preservem as árvores, mas também que aumentem sua quantidade.
Segundo Denise, a ucuubeira, árvore da qual se extrai a manteiga de ucuuba (usada em produtos da empresa) é derrubada e vendida a R$ 10 para fazer cabos de vassoura. "Ao criar um modelo econômico que valorize e descubra a riqueza da sociobiodiversidade, em números, estamos falando de um impacto na economia da floresta [da região Pan-Amazônica] de R$ 1,8 bilhão em volume de negócios." A manteiga de uccuba é uma das mais hidratantes do mundo e compete com o karité — a diretora da Natura garante que a planta nacional é até melhor que a concorrente carité, africana.