GUARDIÕES DA TERRA

"O genocídio indígena pode ser evitado": Sepultura lança disco e fala sobre racismo, ecologia e viola caipira

Fred Di Giacomo De Ecoa, em São Paulo (SP) Raul Machado/Amazon Frontlines/Sepultura/Divulgação

"Sou muito otimista", diz o gigante gentil de 1,96 metros de altura Derrick Green, sempre sorridente e atencioso falando, em inglês, direto de sua casa em Los Angeles (EUA). "Estou muito feliz com as novas gerações encarando esses assuntos". Derrick, 50, refere-se ao racismo e ao preconceito que acredita drenarem a energia da humanidade. Energia que poderia ser gasta, segundo o cantor estadunidense, em causas mais nobres como o fim da fome ou a preservação das florestas tropicais.

Vegetariano desde os 15 anos, o frontman do Sepultura — mais popular banda de heavy metal da América Latina — morou cerca de 20 anos no Brasil. Veio assumir a bucha de substituir o vocalista e fundador da banda Max Cavalera, que havia deixado o grupo no auge de sua popularidade, um ano após o lançamento do sucesso "Roots" (1996), um mergulho nas raízes brasileiras que incluía participações do povo xavante e do percussionista Carlinhos Brown, além de letras combativas como "Ambush", homenagem ao ambientalista Chico Mendes.

"Sepultura sempre foi assim: fechava-se uma porta, abriam-se dez", diz o guitarrista Andreas Kisser, 52, sobre outra bucha que o quarteto teve que encarar com o estouro da pandemia. Vivendo uma excelente fase na última década, período em que lançaram quatro elogiados álbuns pela gravadora alemã Nuclear Blast, três deles com o baterista virtuoso Eloy Casagrande, o Sepultura se preparava para uma turnê internacional gigante, quando a covid-19 trancou a humanidade em casa.

Sem olhar para o que não podia ser feito, Andreas inventou o projeto semanal "SepulQuarta", em que gravaram novas versões de seus clássicos com convidados vindos das maiores bandas de metal do mundo. Cada um isolado em sua casa. Deu tão certo que a "SepulQuarta" virou disco com previsão de lançamento para agosto e cujo segundo single ("Apes of God") saiu nesta sexta (16). A seguir falamos sobre temas importantes para a banda como ecologia, racismo, a luta dos povos indígenas, vegetarismo e... Música sertaneja.

The womb of Mother Earth is bleeding, losing a son
(O ventre da Mãe Terra está sangrando, perdendo um filho)
Can't deny our decline...
(Não posso negar nosso declínio...),

Sepultura,"Apes of God"

Raul Machado/Amazon Frontlines/Sepultura/Divulgação
@melhummel/Divulgação @melhummel/Divulgação

Fúria

Ecoa - O novo single do "SepulQuarta" é "Apes of God", originalmente lançada no álbum "Roorback" (2003). Quão atual é esta música?

Derrick Green - Ela é relevante com o que está acontecendo hoje: "the womb of Mother Earth is bleeding, losing a son" é bem intenso. Sempre escrevemos sobre nossa conexão com o planeta e sobre como perdemos essa conexão. Nós só estamos tirando da Mãe Terra e sem retribuir, como fazem todas as outras espécies que estão, consistentemente, em um ciclo com o planeta.

Andreas Kisser - Foi uma oportunidade de gravar "Apes of God", que é uma música que a galera pede, mas a gente toca pouco, com o Rob Cavestany [guitarrista da banda Death Angel]. Esse formato de quarentena, de cada um gravar na sua casa, nos deu a oportunidade de fazer coisas que a gente teria poucas chances de fazer nos palcos. Teve vocalista que mandou vocal gravado no banheiro [risos], o Charles Gavin [ex-Titãs] gravou a bateria [da música "Ratamahatta"] no quintal da fazenda com um telefone. O Derrick teve que gravar alguns vocais meio baixos, porque os vizinhos reclamavam do barulho [Derrick gargalha].

Sepultura toca "Apes of God" com Rob Cavestany, do Death Angel

A estreia do Derrick no Brasil foi em um concerto beneficente com participação dos xavantes, o "Barulho contra Fome". Você se lembra desse show?

Derrick - Foi uma experiência inesquecível e foi assustadora, porque era meu primeiro show no Brasil. A partir daí, em todos os shows eu sentia que o Brasil estava com a gente, ajudando na minha mente, e mantendo a banda naquela energia positiva. Também senti uma grande responsabilidade porque eu não estava só representando a banda, mas também representando o Brasil.

Andreas, 23 anos depois do "Barulho Contra Fome", não é desanimador saber que a fome está de volta ao Brasil?

Andreas - Desânimo é o mínimo... É revoltante. Com esse cara que está na presidência, a galera acha que pode sair do armário, é uma coisa completamente sem educação, sem respeito, sem união. Em uma época em que o Brasil precisa de união, tudo está completamente ao contrário, completamente perdido. Imagina o Brasil em uma guerra? E olha que está cheio de militar no governo...

Derrick, ainda falando dos primeiros anos no Brasil: você, que é vegetariano, sofreu com a "cultura da carne" quando se mudou para cá?

Derrick - Sim, definitivamente! Quando cheguei no Brasil, o conceito ainda não era popular, mas cresceu muito rápido. Não acreditava que esse crescimento seria tão rápido porque a indústria da carne tem muito dinheiro, eles gastam muito em publicidade. Mas há um argumento imbatível [contra o consumo excessivo de carne] que é como isso está afetando o planeta e como isso está afetando o seu corpo.

Estevam Romera - @eromera/Divulgação Estevam Romera - @eromera/Divulgação

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No ano passado, a morte de George Floyd marcou uma onda de protestos em todo o mundo contra o racismo. Eu me lembro de vocês falando sobre como o Sepultura passou por algumas situações racistas quando Derrick se juntou à banda. Esse racismo foi pior no Brasil ou nos EUA?

Derrick - Existe em todos os lugares. Há sempre essa ondas [de racismo] acontecendo aqui [nos EUA]. Como quando aconteceu o [atentado de] 11 de setembro e, junto, essa onda contra as pessoas muçulmanas. É realmente intenso [o racismo] nos EUA porque é tão na sua cara... É muito duro. E no Brasil também existe.

Nós desperdiçamos tanto tempo e energia nessas coisas, sabe? Poderíamos usar toda essa energia para ter comida para todos, para ter teto para todos, para ter saúde para todos e, então, estaríamos tão à frente como humanidade. Mas não estamos. E muito disso tem a ver com não olharmos para nós mesmos, para os problemas que cometemos. Nos EUA a história que contam para as crianças é falsa. E é muito difícil para as pessoas não serem nocauteadas por essa realidade, mas é preciso ser nocauteado. E quanto mais as pessoas encararem "ok, nós fizemos isso", mais eles poderão superar.

Ao mesmo tempo, estou muito feliz com as novas gerações porque eles estão encarando esses assuntos, não só sobre racismo, mas sobre o sexismo e todas questões que estão à nossa volta. Sou muito otimista e acho que é muito bom quando as pessoas falam sobre isso, e colocam luz na escuridão.

Andreas, qual é o papel dos brancos como aliados nesta luta antirracista?

Andreas - É meio presunçoso eu falar sobre o papel do branco nessa luta. Acho que nossas ações falam mais do que palavras. Essa coisa de ter que criar frases de efeito não é real. O real é o que a gente vive: está nas nossas letras, nas nossas atitudes, nos nossos relacionamentos, no jeito que vivemos. O Derrick, sendo norte-americano, tem um ponto de vista. Mas ele viu que aqui no Brasil também existe um racismo, diferente dos EUA, mas tem. Muita gente acha que aqui não tem racismo, o que é outro absurdo.

Reprodução/Youtube Reprodução/Youtube

Som

Os dois últimos discos de vocês ("Quadra" e "Machine Messiah") venderam bem e foram muito elogiados. Qual é a importância da entrada do baterista Eloy Casagrande nisso?

Andreas - O baterista sempre foi uma peça fundamental na música do Sepultura. O Iggor [Cavalera, fundador do Sepultura] sempre foi muito elogiado também. Depois o Jean Dolabella, outro monstro da batera.

O Eloy está no melhor momento da carreira dele. É um trabalho que a gente começou no disco "The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart" dez anos atrás. Trabalhar com o Ross Robinson [produtor tanto de "The Mediator", quanto do disco "Roots"] foi importante. Se você perguntar pro Eloy sobre a experiência de trabalhar com o Ross... Foi muito brutal. E a química que o Eloy tem com a gente, a capacidade técnica, o profissionalismo, conviver com ele na estrada: foi tudo muito perfeito. Ele foi feito pra gente.

Vocês estavam nessa ótima fase com o "Quadra", prestes a fazer uma grande turnê internacional, quando a pandemia explodiu. E o baque?

Derrick - Era algo que estava acontecendo ao redor do mundo todo e que estava fora do nosso controle. Mas, então, o Andreas veio com a ideia do "SepulQuarta". Estávamos, mesmo, nesse momentum com o disco, com uma grande recepção do "Quadra", conectados para fazer música... E foi um jeito de lidar com a situação, um jeito muito positivo, e nos deu algo para ir atrás durante esses tempos duros.

Arquivo Folha

Outro projeto que fez barulho este ano foi o clipe "Amazônia" da banda francesa Gojira, muito influenciado pelo Sepultura e que serviu para arrecadar fundos para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). O que vocês acham das bandas apoiarem causas como essa?

Derrick - Acho incrível quando uma banda gera conscientização sobre uma situação importante. É importante que os indígenas estejam sendo ouvidos, ou pelo menos ganhando atenção. Eles precisavam ser ouvidos há tantos anos... No Brasil, na América do Sul e nos EUA, também, porque massacraram os indígenas nos EUA muito rápido, foi um genocídio. E seria uma vergonha que isso acontecesse "completamente" no Brasil, porque já aconteceu [em parte]. Mas é algo que pode ser evitado. É realmente importante as pessoas desenvolverem a consciência de que existe uma conexão entre a Amazônia, nós e o ecossistema. As pessoas estão começando a perceber o quanto isso nos afeta.

Andreas - Quando a gente lançou o vídeo de "Guardians of Earth", pela própria "SepulQuarta", com a parceria com a Amazon Frontlines, organização sem fins lucrativos em prol da causa indígena, a gente recebeu muitas mensagens da Sibéria dizendo "aqui está acontecendo a mesma coisa, a gente tem muitos problemas com a floresta". Recebemos mensagens de pessoas de todas as partes. A gente vê nos EUA as "indian reservations" (reservas indígenas); é um problema que muita gente vê como sendo do passado, algo que "aconteceu nos livros de história", mas está acontecendo mais do que nunca. Especialmente no Brasil com esse tipo de governo que a gente tem, esse retrocesso absurdo, essa falta de inteligência. Pro Sepultura isso não é uma novidade, a gente sempre falou [da causa indígena]. Sempre foi influenciado musicalmente por isso: aquelas coisas tribais, os ritmos de percussão, a viola sertaneja, as letras...

Como começou essa coisa da viola?

Andreas - Meu pai escutava muita música sertaneja, especialmente Tonico & Tinoco e Sérgio Reis, tinha muitos discos. Eu ouvi Tonico & Tinoco antes de "Smoke on the Water" [música do Deep Purple]. Então veio de criança, de ser brasileiro. Era isso que a gente estava procurando e que explodiu no disco "Roots" com a música "Ratamahatta", com Carlinhos Brown, com a música "Ambush" sobre o [ambientalista assassinado] Chico Mendes — já com essa temática da defesa dos povos indígenas e da defesa da natureza.

Divulgação Divulgação

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